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Crítica | Cavalo (2020)

por Luiz Santiago
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Uma primeira leitura, atrelada à espiritualidade, já nos é sugerida pelo título desse documentário híbrido de Raphael Barbosa e Werner Salles: Cavalo. A relação entre guia e indivíduo acaba sendo uma das veredas que o filme adota para falar da relação íntima de alguns jovens dançarinos com a busca de suas raízes étnicas, culturais e também espirituais. Partindo de uma narrativa mítica sobre a criação do homem (“Olorum pediu a Oxalá que criasse o homem para habitar a Terra…“) os diretores acompanham um processo criativo de homens e mulheres que desejam encontrar-se, conectando-se com o seu íntimo, tendo a dança como elo de ligação.

Por mais que eu veja algumas distrações ao longo da narrativa, quando o enredo se afasta da dança e passa a se ocupar de atividades religiosas ou artísticas que nem sempre recebem um bom gancho na trajetória deste ou daquele dançarino, acho maravilhosa a manutenção sólida das indagações de cada um, numa espécie de descoberta da vida que pouco a pouco passa a completar e a compor as histórias individuais, todas com sua própria música, espaço, contato com algum elemento da natureza, movimentos e sentido de vida.

Falar de ancestralidade é ao mesmo tempo falar de processo histórico e de herança cultural, duas das coisas que se colocam nesse filme como facilitadoras de um entendimento do espectador sobre os jovens documentados. Mas isso serve também como material diegético. É justamente por tocar em assuntos religiosos, musicais, de sentimentos muito íntimos sobre como a dança, a música, a poesia do rap e a História de personalidades negras na trajetória brasileira marcam as pessoas é que a obra também nos faz ver uma espécie de despertar para cada um deles.

Cavalo é um filme que se faz por indagar uma visão de mundo e de si (há cenas que ressaltam isso em fala e em movimento) ao mesmo tempo que é um filme que tem a sorte de nos mostrar o início de um desabrochar. A maturação desse processo de perguntas que nem sempre encontram respostas, mas que são amparadas por uma direção específica, para aquilo que pode guiar, dar forças e completude e cada um, até que cheguem aonde querem chegar.

A sequência de um dançarino na chuva e sua alternância com a performance de uma dançarina movimentando-se sobre a água é definitivamente o meu momento favorito do filme. Ele se segue a um outro momento de conexão, como se a própria natureza falasse, desse algum tipo de sinal após as buscas realizadas, as questões levantadas, o choro vertido, a vontade expressa. Vento e chuva nos levam para um ato final de movimento, de fluxo, de poesia do corpo de uma mulher e de um homem movimentando-se com tal poder, que parecem fazer um grande discurso. Uma explosão poética antes da partida para uma nova fase. Para mais uma busca.

Cavalo (Brasil, 2020)
Direção: Raphael Barbosa, Werner Salles
Roteiro: Raphael Barbosa, Werner Salles
Duração: 85 min.

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