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Crítica | Cavaleiro da Lua: Lunático

O manicômio de Jeff Lemire.

por Kevin Rick
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O Cavaleiro da Lua acorda em um manicômio sem poderes e com uma vida inteira de registros médicos dizendo que Marc Spector está internado desde os doze anos e que seu alter-ego super-heróico é apenas uma de suas desilusões. Essa é a premissa para Lunático, primeiro volume da pequena run de Jeff Lemire com o personagem, em que, como de costume nas histórias do herói lunar, sua identidade é questionada e a sua (in)sanidade está em pauta. O toque de loucura da mitologia do Cavaleiro da Lua é o principal elemento da narrativa de Lemire, nos levando por uma jornada surreal pelos cantos da mente de Spector e suas diferentes personalidades.

Nesse sentido, o roteiro de Lemire não é necessariamente um bom início para novos leitores. O autor nos mergulha diretamente no processo investigativo da mente fraturada do protagonista, colocando em tópico o discernimento entre real e imaginário. Para isso, o texto traz figuras familiares, antigos eventos e referências da história editorial do personagem sem qualquer nível básico de explicação ou linearidade. Exposição é a antítese da linguagem de Lemire. A abordagem narrativa é propositalmente confusa, um fluxo de consciência perdido com peças de diferentes quebra-cabeças que não se encaixam. O fato de termos rostos conhecidos e antigos episódios citados sem esclarecimento ajuda a enfatizar a proposta embaraçada de linhas de memória que não se costuram.

A construção narrativa realmente passa a sensação de que estamos dentro da mente quebrada de Spector, no que é possivelmente o olhar mais introspectivo (ainda que mais absurdo do que necessariamente dramático) para o estado mental de um personagem com dezenas de histórias com este tipo de abordagem. Mérito para a condução textual de Lemire, mantendo a ambiguidade em foco, sem nunca perder a veia de mistério em torno dos questionamentos da imaginação hiperativa do protagonista. O roteiro é pouco interessado em respostas ou em qualquer nível de narrativa sequencial, criando uma experiência ampla de drama psicológico, fazendo uma trajetória pelo horror de manicômios, o misticismo egípcio, leves toques do submundo da vigilância que faz parte da mitologia do herói, e até mexe com elementos cósmicos.

O quadrinho fica ainda melhor com o trabalho em conjunto de Lemire com a arte de Greg Smallwood, as cores de Jordie Bellaire e as letras de Cory Petit. Os painéis de Smallwood geram uma sensação de claustrofobia e desconforto, principalmente nos espaços do manicômio, para exteriorizar a prisão mental de Spector. Nos momentos mais, digamos, “loucos”, o artista dá aos leitores uma impressão etérea, especialmente nas partes cósmicas. Smallwood também se aproveita da linguagem surreal e psicológica para ser criativo na diagramação, raramente usando bordas, com cada página dispondo de painéis “soltos” com diferentes estilos de desenhos. Temos painéis de grande escopo, alguns de isolamento; outros que a página parece afunilar na mente de Spector, e alguns com os personagens soltos nas páginas. Tem alguns layouts que até me lembram planos-detalhes do Cinema, com enfoque em pequenos elementos através de esferas circulando as páginas. Mas na desordem, o artista cria um belo fluxo de narrativa visual.

Bellaire também é genial, trazendo um sutil aspecto de pequenas estrelas salpicando nas imagens, alguns sombreamentos estranhos que trazem uma força noturna, e também uma camada de realismo aos ambientes mundanos que Spector se encontra. A colorista se encontra na proposta diferenciada de Smallwood, ressonando de diferentes formas com o estilo de desenho do artista, adicionando textura, atmosfera e puro espetáculo visual mesmo. Acrescente isso ao balões de diálogos estilizados e fantasmagóricos de Petit para o Khonshu, e temos um quadrinho visualmente fascinante.

Lunático é uma bagunça. Uma bagunça surrealmente maravilhosa. Lemire começa sua trajetória pela mitologia do Cavaleiro da Lua aproveitando as melhores características e estilos narrativos do personagem para nos adentrar em uma experiência imersiva, psicologicamente maníaca e com um senso de estilo formidável para sua linguagem surreal e mística. O herói sempre foi fascinante e cheio de histórias criativas para o gênero super-heróico, então ver ele nas mãos de uma equipe criativa tão engenhosa é um presente à Nona Arte. Uma verdadeira viagem em alucinógenos em que não paramos de duvidar e não paramos de ficar deslumbrados.

Cavaleiro da Lua: Lunático
Contendo: Cavaleiro da Lua (Vol. 8) #1 a 5
Roteiro: Jeff Lemire
Arte: Greg Smallwood
Cores: Jordie Bellaire
Letras: Cory Petit
Editora: Marvel Comics
Páginas: 132

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