- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios e, aqui, de todo o nosso material sobre o Cavaleiro da Lua.
Ah, Jeremy Slater, você estava indo tão bem com Cavaleiro da Lua e a expectativa de um episódio integralmente focado em Marc, Steven e Layla em razão do aprisionamento de Khonshu e a impossibilidade de se invocar o traje tinha absolutamente tudo para dar certo do começo ao fim. Infelizmente, porém, não foi isso que aconteceu, pois, no lugar de continuar a abordagem camp de corrida de obstáculos pela areia atrás de uma relíquia macabra que não é o falcão maltês, mas sim a jacaroa egípcia, o showrunner apostou na reviravolta psicológica – psiquiátrica? – nos minutos finais de The Tomb, mergulhando em uma linha narrativa que já vinha sendo suficientemente bem explorada com os conflitos entre o britânico Steven e o americano Marc dentro de uma mesma pessoa.
Mas, antes de eu chegar nesse ponto importante de minha análise, deixe-me abordar, primeiro, a exploração da tumba do título por Layla e Marc, começando do lado de fora, com a chegada de um jipe cheio de bandidos armados até os dentes para matar a dupla, bandidos esses que são eliminados com a maior facilidade do mundo por Layla e um sinalizador. Ok, rolou aquela preguicinha gostosa de fazer algo um pouquinho mais interessante, mas tudo bem, não tem problema, pois a ação que vem a seguir prometia ser sensacional, não é mesmo?
Prometia. Mas não foi. Não mesmo.
Tudo o que ganhamos no processo de descoberta da tumba perdida de Alexandre, o Grande, que começa com um rabisco do olho de Horus e umas conclusões completamente tiradas da cartola por Marc, foi uma pancadaria genérica e completamente no escuro – que direção de fotografia danada de ruim, gente… – de Layla contra um criatura estranha que não consegui ver muito bem o que era, mas que ela diz ser um sacerdote desmorto (e eu acredito na palavra dela, pois ela viu mais de perto…). Ah, tivemos também um monólogo monocórdio de Harrow “revelando” que o pai de Layla havia sido assassinado por Marc, o que de cara percebemos que não é verdade, ainda que tudo o que eu tenha conseguido pensar no momento foi “Meu nome é Inigo Montoya. Você matou meu pai. Prepare-se para morrer“. E sim, estou particularmente engraçadinho hoje – ainda que sem graça -, mas é que não dá para levar tudo a sério sempre.
Bem, seja como for, depois que tudo o que tinha que acontecer em termos de ação acontece, Marc, que tinha acabado de tomar controle do corpo pela primeira vez no episódio para poder responder às acusações de Layla, é baleado e, em tese, morto por Harrow, o que nos leva ao sanatório onde ele parece ser tratado e que talvez indique que tudo o que vimos até agora se passou na cabeça do protagonista. Os problemas dessa escolha de Slater são muitos. O primeiro deles é Noah Hawley. Isso mesmo, Noah Hawley, o showrunner da espetacular série Legion que usou compassadamente exatamente esse artifício para lidar com as múltiplas personalidades do protagonista que tenta separar realidade de ficção. O segundo é Jeff Lemire que, em seus arcos de Cavaleiro da Lua nos quadrinhos, criou esse sanatório que vemos ao final, com exatamente o mesmo objetivo.
Considerando que faltam apenas dois episódios para a minissérie acabar e que Hawley e Lemire tiveram todo o espaço do mundo para desenvolver essa linha narrativa com profundidade, tenho para mim que a introdução dela a essa altura do campeonato é um jogada ao mesmo tempo tardia e prematura. Tardia porque, agora, tudo terá que ser tratado a toque de caixa, provavelmente com Gloria explicando tudo para Marc e Steven da maneira mais didática possível e uma terceira personalidade (o taxista Jake Lockley?) saindo daquele segundo sarcófago e prematura porque essa exploração das profundezas da mente do protagonista merecia muito mais do que uma abordagem inevitavelmente rasa, sendo material fértil para uma baita de uma segunda temporada (que eu ainda quero, diga-se de passagem). E os mais atentos hão de lembrar que eu disse mais acima que todo esse lado psiquiátrico vinha sendo abordado a contento com o muito bem trabalhado embate entre Steven e Marc e essa tentativa de complicar a história parece detrair e não somar ao todo.
E sim, tenho perfeita compreensão de que muita gente não viu Legion (imperdoável, aliás) e nem leu o Cavaleiro da Lua de Lemire (esse pecado é mais perdoável…), mas creio ser possível vislumbrar minha posição sobre a “reviravolta” sem esse conhecimento prévio. Afinal, mesmo considerando que a história principal é descomplicada, o que Jeremy Slater estava realmente fazendo era construindo o universo do Cavaleiro da Lua em uma estrutura de “história de origem”, mas sem começar do comecinho, o que é sempre bom para evitar repetir tropos televisivos e cinematográficos que ninguém mais aguenta. Com isso, havia a relação de Marc com Layla, a construção de um relacionamento de Steven com Layla, os deuses egípcios e seus avatares, a ambiguidade das intenções de Khonshu, o passado de Harrow com Khonshu e o presente com Ammit, e assim por diante. Esse novo ingrediente, portanto, parece implorar por mais tempo e não há nenhum disponível se a intenção é dar um caráter efetivo de minissérie ao que estamos assistindo, sem gigantescas pontas soltas para serem resolvidas em futuro incerto e não sabido (ou não anunciado…).
The Tomb foi para mim, portanto, o primeiro tropeção da minissérie, o que é um problema em razão da diminuta quantidade de episódios. Não funcionou bem na parte da ação “comum” e não fez a reviravolta engatar como deveria, especialmente porque todo mundo sabe que Slater não será lunático (viram o que fiz aqui, hein, hein?) – ou corajoso, escolham o adjetivo – a ponto de confirmar que tudo o que vimos até agora se passou apenas na cabeça de Spector/Grant. Claro que existe uma chance de os vindouros episódios corrigirem com eficiência o rumo tomado aqui, mas só poderei bater o martelo ao final de duas semanas. Pelo momento, The Tomb fica como o ponto fora da curva da série até aqui.
Cavaleiro da Lua – 1X04: A Tumba (Moon Kight – 1X04: The Tomb – EUA, 20 de abril de 2022)
Criação e showrunner: Jeremy Slater (baseado em personagem criado por Doug Moench e Don Perlin)
Direção: Aaron Moorhead, Justin Benson
Roteiro: Alex Meenehan, Peter Cameron, Sabir Pirzada
Elenco: Oscar Isaac, Ethan Hawke, May Calamawy, Karim El-Hakim, F. Murray Abraham, Khalid Abdalla
Duração: 53 min.