Crítica | Cats

por Ritter Fan
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Tive o duvidoso privilégio de assistir Cats não uma, mas duas vezes na Broadway. Sei que errar é humano e que cometer o mesmo erro duas vezes é burrice, mas foram as circunstâncias dos respectivos momentos que ditaram a repetição, pelo que é injusto que tudo recaia sobre meus ombros apenas. Seja como for, trata-se de uma das mais famosas peças musicais de todos os tempos criada por Andrew Lloyd Webber com base em uma coleção de poemas de 1939 de ninguém menos do que T. S. Eliot, estreando no West End de Londres em 1981 e que tornou a memorável (ahá) Memory uma das canções mais famosas da época, além de ser um dos mais longevos musicais já feitos.

Mas Cats (a peça) é, única e exclusivamente, forma sobre substância. É fantástico ver os atores com variadíssimos figurinos de felinos assumindo movimentos e posturas de gatos enquanto cantam e dançam pelo palco, assim como é também prazeroso ouvir as canções normalmente belíssimas, formando um baita conjunto harmônico. No entanto, simplesmente não há história alguma que sustente a estrutura episódica da narrativa que gira em torno de uma cerimônia dos fictícios gatos Jellicle para escolher qual deles “ascenderá” para o paraíso deles ou algo do gênero. Tudo não passa de desculpa para que uma infinidade de gatos e gatas diferentes sejam apresentados e tenham seus cinco minutos de fama com dança e cantoria, resultando em uma obra falha em seu nascedouro, muito claramente. E digo isso como um apreciador de décadas desses musicais, já tendo visto dezenas de outros muito melhores.

Corta para algum momento de 2016, quando Tom Hooper, que dirigira Os Miseráveis (peça maravilhosa e filme que eu particularmente gosto muito, apesar de reconhecer seus problemas) em 2012, foi confirmado como diretor da versão live-action de Cats. Lembro distintamente de coçar a cabeça em incredulidade, mas não prestando mais atenção na história até a proximidade da estreia do longa em 2019 que deixei passar incólume pelos cinemas, só conferindo muito mais tarde na televisão. E minha conclusão, olhando para trás, é de profundo arrependimento por não ter visto essa maravilha na tela grande, gozando da completa Experiência Cinematográfica.

Cats é um filme extremamente corajoso, daqueles que rasgam o manual de como fazer filme e, sem titubear, enfia o pé na proverbial jaca sem medo de ser feliz, com figurinos digitais felídeos que são o suprassumo da falta de semancol tanto da produção como um todo quanto de todo o elenco – que conta com nomes como Ian McKellen, Judi Dench, Idris Elba -, que muito claramente estava precisando coletivamente de dinheiro para pagar os alugueres. Afinal, como explicar o sensacionalmente hilário número musical liderado por Rebel Wilson, uma gata caseira, usando utensílios domésticos para emular as grandes obras musicais dos anos 30 e 40 e falhando tão miseravelmente que eu tive que pausar diversas vezes a película – contra uma das minhas regras basilares para a apreciação de obras audiovisuais – de forma que eu pudesse parar de rir copiosamente e enxugar minhas lágrimas. Acho que desde Os Safados ou Três Amigos eu não ria tanto com um filme e minhas câimbras estomacais perduraram por dias a fio….

A falta de história – porque o roteiro (que f*c#ing roteiro???) não cura esse probleminha nem de longe – é usada por Hooper como mecanismo para fazer o que quiser em uma sucessão interminável de números musicais que transforma o longa de 110 minutos em algo que parece ter 1.110 minutos dentro de uma Dama de Ferro sendo fechada lentamente depois de uma sessão de manicure com a inserção de bambu embaixo da unha. E eu defendia Hooper e seu O Discurso do Rei e o já mencionado Os Miseráveis, mas, agora, eu tenho não que condená-lo, mas indagar seriamente sobre sua sanidade em não só aceitar essa empreitada obviamente fadada ao fracasso, como capitaneá-la do jeito que capitaneou, REALMENTE achando que os bichanos em CGI eram coisas bonitas e formosas que revolucionariam o Cinema.

Aliás, caramba, a equipe de efeitos só podia estar de zoação na hora de fazer a programação… Nunca antes na História de Hollywood, um filme teve que ser retirado dos cinemas para ganhar um upgrade dessa magnitude em efeitos. O único problema é que eu não entendi muito bem que upgrade foi esse. Pelos mais realistas? Feições dos atores mais salientes para fácil reconhecimento? Juro que eu não sei muito bem o que melhorou de uma versão para a outra (eu procurei trechos da versão anterior para fazer a comparação) e teria sido melhor afundar ainda mais o pé na jaca deixando como estava mesmo.

No entanto, Cats merece a nota máxima somente por existir. Trata-se de um testamento sobre a cara-de-pau humana, sobre a falta de qualquer senso do ridículo, sobre a incapacidade de se olhar um projeto ainda em seu começo e dizer um simples e sonoro “PQP, c@r@l&o, óbvio que não, p#rr@!!!”. Cats é, diria ainda, o somatório de tudo o que Hollywood se tornou: um reservatório ridículo de ideias recicladas e jogadas no colo do consumidor como se fosse a coisa mais sensacional do mundo. Para terminar: #releasethebuttholecut!!!

Cats (Idem, Hades – 6.666)
Falta de Direção: Tom Hooper
Roteiro, que roteiro?: Lee Hall, Tom Hooper (baseado em musical sem roteiro de Andrew Lloyd Webber, por sua vez inspirado nos poemas de T.S. Eliot – coitado do T.S. Eliot…)
Vítimas (além dos espectadores) que deveriam demitir seus agentes: Francesca Hayward, Judi Dench, Idris Elba, Jennifer Hudson, Laurie Davidson, Robbie Fairchild, Rebel Wilson, James Corden, Jason Derulo, Ian McKellen, Taylor Swift, Steven McRae, Danny Collins, Naoimh Morgan, Ray Winstone , Mette Towley, Daniela Norman, Les Twins, Jaih Betote, Jonadette Carpio, Bluey Robinson, Freya Rowley, Ida Saki, Zizi Strallen, Eric Underwood
Duração: 110 min. (ou 109 minutos mais do que o ser humano médio pode aguentar sem ter um AVC)

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