- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas das demais temporadas.
Apesar de eu ter gostado da temporada inaugural de Castlevania: Noturno, cultivava enormes dúvidas – todas elas baseadas em minha experiência com a fraquíssima primeira série animada da franquia – sobre a capacidade de o segundo ano entregar uma história cativante, que mantivesse os elementos positivos do ano inicial e resolvesse ou pelo menos minimizasse seus problemas. Quando terminei o último episódio da temporada sob análise, deparei-me, para minha grata surpresa, não só com exatamente isso, como também com o que podemos dizer que é um final efetivo da série ou, pelo menos de seu arco principal, já que, naturalmente, algumas frestas são deixadas abertas para eventual continuação.
Usando de uma elipse esperta que evita que o cliffhanger da chegada “surpresa” de Alucard no final da primeira temporada se desgaste, quando a história recomeça essa pancadaria toda já passou completamente e cada lado está lá lambendo suas feridas, com Erzsebet Báthory (Franka Potente), a Vampira Messias, chorando pela morte de Drolta Tzuentes (Elarica Johnson) e Maria Renard (Pixie Davies) lamentando a vampirização de sua mãe Tera (Nastassja Kinski). Mas, milagrosamente, considerando o estilo arrastado da série, os roteiros não perdem muito tempo com isso e estabelecem, logo na largada, os elementos centrais que convergem ao final: a busca pelo coração da deusa egípcia Sekhmet, a ressurreição de Drolta como um super monstro graças à máquina infernal do Abade Emmanuel (Richard Dormer), o treinamento de Maria para ela controlar seus poderes de conjuração de criaturas de outros planos de existência e, finalmente, o caminho de Annette (Thuso Mbedu), guiada por sua mentora, na direção de compreender seu papel nessa equação.
E o melhor é que, mesmo com apenas oito episódios, todas essas linhas narrativas são abordadas a contento, com o aspecto central, que é a procura da múmia de Sekhmet, ganhando flashbacks que primeiro mostram que Alucard já estava atrás do corpo há algum tempo e, depois e principalmente, lidam com a origem tanto de Drolta quando de Erzsebet, algo que cria todo o estofo necessário para entendermos a ligação entre as duas e a lógica por trás de suas respectivas ambições que não necessariamente são totalmente convergentes. E a jornada atrás da múmia coloca Alucard, Richter Belmont (Edward Bluemel) e Annette viajando para uma Paris no auge da Revolução Francesa que, juntamente com o destacamento revolucionário que chega à cidade de Machecoul sendo recebido negativamente pela população e como bucha de canhão pelos vampiros que querem corpos para mais Criaturas da Noite, costuram esse momento histórico com muito mais força à narrativa central do que havia sido feito na primeira temporada, com direito até mesmo à aparição de ninguém menos do que Robespierre.
Claro que há, como sempre, diálogos demais, explicações demais, mas a grande verdade é que, nesta temporada, eles são trabalhados com muito mais cuidado, com suas inserções realmente parecendo mais orgânicas, mesmo que, por vezes, tudo pare – inclusive a animação, que fica bem desanimada nesses momentos, apesar de ser deslumbrante em todos os outros – para que uma conversa alongada razoavelmente desnecessária possa ocorrer. Mas pelo menos todos os diversos personagens que povoam Castlevania: Noturno ganham seus momentos e algum nível de construção e desenvolvimento. Olrox (Zahn McClarnon) mantém-se presente com constância, ampliando seus laços com o hesitante Mizrak (Aaron Neil); o maligno Emmanuel, que muito claramente enxerga e se arrepende de seu papel em tudo que aconteceu, ganha seu fim pela magia de sua filha; Maria e Tera estabelecem conexões ainda mais profundas, com Tera tentando encontrar-se, agora como vampira; Juste Belmont (Iain Glen) ganha um pouco mais de espaço e, como seu neto antes dele, recupera seus poderes para lutar ao lado da “equipe do bem” e até mesmo o cantor de ópera transformado em Criatura da Noite Edouard (Sydney James Harcourt) sai das sombras e passa a liderar o seu próprio grupo de monstros.
Talvez apenas Richter Belmont permaneça como um “problema”, quase como se a produção não soubesse muito bem o que fazer com ele. Sem dúvida que o chatíssimo personagem da primeira temporada não existe mais e o Richter 2.0 é bem melhor do que sua contrapartida desapoderada, mas meu ponto é que seu desenvolvimento como personagem acabou nessa transformação que ocorre entre uma temporada e outra. Sim, ele se aproxima de Annette e revela seu amor por ela, mas isso não é desenvolvimento do personagem em si; e sim, ele revela-se bem mais útil do que antes, inclusive na luta final que é o obrigatório, mas não muito inspirado, momento “luzinhas coloridas”, mas a grande verdade é que Richter acaba sendo um coadjuvante de luxo em uma série que pelo menos em tese deveria tê-lo como protagonista. Havia espaço para que ele fosse minimamente trabalhado, mas, por outro lado, esse espaço parece ter sido dedicado aos demais personagens que gravitam ao seu redor, pelo que não há muito o que reclamar de verdade, sendo sincero.
Em termos de história, toda a mitologia real sobre Sekhmet e sua dualidade como deusa da guerra e também deusa da cura, com toda uma sidequest em um plano ancestral ou espiritual empreendida por Annette, mais do que plenamente justificando (como se fosse necessário) sua mudança de etnia e origem que tanto fez com que “fãs verdadeiros” dos jogos se jogassem no chão e esperneassem. Aliás, diria que toda essa busca da Sekhmet “do bem”, seu retorno no corpo de Annette e a luta e sacrifício que seguem daí são os melhores momentos da temporada, elevando a ex-escravizada ao status de melhor personagem da série, certamente muito mais nuançada do que a quase hilária fleuma de Alucard.
Castlevania: Noturno, como disse, deixa portas abertas para continuação, seja na reunião de Richter com Annette na missão de libertar o Novo Mundo da escravidão, seja na permanência de Maria ao lado de Juste na França ou na relação amorosa de Olrox e Mizrak, agora vampiro também, e, claro, o mistério que literalmente projeta uma sombra sobre Tera, mas o que realmente importa é que todo o arco de Erzsebet Báthory e Drolta Tzuentes como vilãs é encerrado aqui de maneira muito mais competente do que eu imaginaria possível em uma série animada do Netflix com o selo Castlevania. Se houver uma nova série da franquia, que ela seja nesse nível!
Castlevania: Noturno – 2ª Temporada (Castlevania: Nocturne – EUA, 16 de janeiro de 2025)
Desenvolvimento: Clive Bradley
Direção: Sam Deats, Adam Deats
Roteiro: Clive Bradley, Testament, Temi Oh, Zodwa Nyoni
Elenco: Edward Bluemel, Thuso Mbedu, Pixie Davies, James Callis, Iain Glen, Nastassja Kinski, Zahn McClarnon, Richard Dormer, Sydney James Harcourt, Aaron Neil, Elarica Johnson, Franka Potente, Sharon D. Clarke
Duração: 233 min. (oito episódios)