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Crítica | Castle Rock – 2ª Temporada

por Rafael Lima
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Em sua 1ª Temporada, Castle Rock trouxe uma trama de ritmo lento, com um estilo de terror que prezava mais pelo desconforto psicológico de mistérios ambíguos. Além disso, embora tivesse como chamariz a proposta de mergulhar no universo de Stephen King, o programa optou por usar os personagens oriundos da literatura de forma periférica, utilizando os cenários e conceitos do autor para criar a sua própria história em torno de personagens originais. Para o segundo ano, Castle Rock optou por apostar em uma abordagem mais direta para o terror, ao mesmo tempo em que deu maior protagonismo aos personagens de King, construindo a temporada em torno da história de origem da icônica vilã de Louca Obsessão, Annie Wilkes.

No novo ano, Annie Wilkes (Lizzy Caplam), é uma mulher de passado misterioso, que viaja pelo país ao lado da filha adolescente, Joy (Elsie Fisher). As duas se envolvem em um acidente na estrada em Castle Rock, sendo forçadas a ficarem na cidade por alguns dias. Mas Castle Rock não é tão pacífica quanto parece, já que a família criminosa liderada por Pop Merrill (Tim Robbins) está em conflito pelos terrenos que ligam a cidade á Salem’s Lot, um povoado com um passado tão sombrio quanto Castle Rock. Quando o segredo que Annie esconde da filha é ameaçado, ela acidentalmente libera uma antiga ameaça sobre Castle Rock, e agora precisa proteger Joy de inimigos inimagináveis, ao mesmo tempo em que a sua frágil sanidade se torna cada vez mais abalada.

Em seu segundo (e último) ciclo, Castle Rock entrega uma temporada bem diferente da anterior, começando pelo protagonismo da narrativa. Se no primeiro ano, tínhamos um personagem original que representava o homem comum, agora somos guiados por uma mulher bem longe da normalidade, que não se importa em matar se achar que é necessário. Annie é uma personagem que vai além do fandom de Stephen King, devido a atuação magistral de Kathy Bates como Wilkes no filme Louca Obsessão, o que aumenta o desafio assumido pela série, já que muitos tem uma ideia bem definida de quem é essa personagem. Ao contrário do ano anterior, a temporada deixa claro quem são os vilões da trama, representados pelo culto de Ace Merrill (Paul Sparks), que após um encontro fatal com Annie, se vê possuído e passa a arregimentar outros cidadãos incautos de Castle Rock e Salem’s Lot, usando a Casa Marsten (cenário do livro Salem, e suas adaptações) como sede. A ameaça do culto, que começa pequena, mas aos poucos vai se espalhando, criando dúvidas sobre quem está ou não está possuído é um elemento típico do terror de infiltração, que não é estranho ao universo de King, visto que livros como Os Estranhos, e o citado Salem trabalham com premissas parecidas.

Ainda que Annie desencadeie toda a trama envolvendo o culto da Casa Marsten; por boa parte da temporada, a ameaça sobrenatural se desenvolve separadamente do desenvolvimento mais voltado ao suspense psicológico dado a trama de Annie, e a busca de Joy em descobrir os segredos que a mãe esconde, apenas voltando a se cruzar de fato nos episódios finais. Isso não significa que a série não apresenta um roteiro coeso, já que estas duas linhas narrativas se mantem firmemente conectadas pela ligação que o núcleo da família Merrill mantém com ambas, e por certos paralelos temáticos existentes na relação entre Annie e Joy, e Pop e sua filha adotiva Nadia (Yusra Warsama). Quando a temporada atinge o seu terço final e as linhas narrativas se unificam, o conceito antológico da série é posto de lado ao estabelecer uma ligação direta com a primeira temporada, o que por um lado empolga, pois tal revelação é apresentada de forma impactante e coerente, mas por outro, elimina a boa ambiguidade do 1º ano. Além disso, não há como negar que o episódio final parece acelerar alguns pontos importantes do desfecho de alguns personagens, como a obsessão que transforma Annie na fã número um dos livros da série Misery, que surge de forma um pouco atravessada na história.

Durante a metade inicial da série, ainda que o Plot do culto da Casa Marsten seja interessante, e guarde momentos de terror e tensão muito bem construídos, é a história de Annie que de fato guarda os momentos mais poderosos do programa. Claro, ainda que os roteiros e Lizzy Caplan paguem diversos tributos para a versão literária e para a versão cinematográfica da personagem, a leitura feita pela série vai para uma direção bem diferente. Na literatura e no cinema, Wilkes é a encarnação do mal e da loucura fanática, uma mulher cujos poucos vislumbres que temos de seu passado mostram uma pessoa que mata pessoas inocentes por motivos mesquinhos. A Annie Wilkes da série, porém, nos é apresentada de forma um pouco mais simpática e humana que as suas versões anteriores, com motivações muito bem construídas para ela agir do jeito que está agindo. Embora ainda seja uma pessoa perigosa, a Annie de Castle Rock é muito mais uma mulher doente do que uma mulher maldosa, sendo inclusive capaz de sacrifícios genuínos pela filha. Há um senso de tragédia anunciada na forma como a história de Annie é construída, pois ela está plenamente consciente do quão perigosa pode ser para Joy, estando em uma batalha constante com seus demônios interiores.

Mais uma vez, o maior destaque em Castle Rock é o trabalho brilhante de seu elenco. Tim Robbins entrega uma atuação sutil, mas magnética como Pop Merrill, tendo grandes momentos na temporada, enquanto Yusra Warsama como Nadia, funciona como a bussola moral da série, dando credibilidade para a nobreza da médica, construindo assim uma heroína forte e determinada, que traz um contraste para a figura mais instável de Annie. A jovem Elsie Fisher, por sua vez, traz um arco interessante de desenvolvimento para Joy, como uma adolescente infantilizada pela mãe que aos poucos vai descobrindo o mundo a sua volta. Mas a maior responsabilidade do elenco estava sobre os ombros de Lizzy Caplam, afinal, ela precisava escapar das comparações inevitáveis com o memorável trabalho de Kathy Bates. Mas Caplam faz um trabalho excelente ao retratar Annie Wilkes como uma mulher que se sente constantemente ameaçada, especialmente por si mesma, ao mesmo tempo em que consegue jogar todo esse nervosismo constante pela janela quando fixa um objetivo. O trabalho de expressão corporal de Caplam, movendo-se sempre de forma um pouco desengonçada e encolhida é fantástico, ao mesmo tempo em que a ênfase que ela dá nas expressões que Annie usa para substituir palavrões servem para fins tanto cômicos quanto dramáticos. Ao mesmo tempo, a atriz sabe se entregar quando a protagonista libera o seu lado mais psicótico, mantendo sempre uma expressão no olhar que nos lembra que Annie é uma bomba relógio que pode explodir a qualquer momento. Vale ainda fazer uma menção para a então estreante Ruby Cruz, que vivendo uma versão adolescente de Annie, estrela no quinto episódio, The Laughing Place, alguns dos momentos mais emocionantes desta temporada.

Na parte técnica, a série é muito bem realizada. A direção de arte é competente em dar identidade aos ambientes, como o empório de Pop Merrill, a Casa Marsten, ou a casa de infância de Annie, enquanto a fotografia cria uma atmosfera sombria, sem chamar atenção demais para si mesma. Em termos de direção, temos um programa muito bem conduzido, valorizando a atuação de seus atores, ao mesmo tempo em que trabalha bem os clichês do gênero. Temos algumas sequências de terror dignas de nota, que dosam bem os momentos de tensão psicológica com o horror mais gráfico (vide uma cena deliciosamente bizarra envolvendo uma colher de sorvete). Não poderia encerrar sem falar da belíssima trilha sonora de Chris Westlake, cujas composições evocativas capturam com perfeição o clima sombrio e trágico da história (com especial destaque para o tema de Annie)

Em sua temporada final, Castle Rock não consegue esconder que foi encerrada de forma prematura, mas conclui a trama deste ciclo de forma satisfatória, trazendo um elenco de personagens carismáticos e imperfeitos com quem conseguimos nos envolver. A série também lança um olhar corajoso e instigante para a icônica Annie Wilkes, criando um retrato que homenageia e respeita as versões anteriores, mas que também não tem medo de seguir o próprio caminho. Mas o maior mérito desse 2º ano foi dar protagonismo maior para a cidade do título, transformando Castle Rock em um personagem efetivo da história. Apesar de seus defeitos, o programa explorou de forma inteligente o rico universo de Stephen King, sendo reverente a obra do autor, mas sem ser subserviente, sendo uma pena, portanto que não vamos poder mais visitar esta versão da cidade, ainda que dificilmente esta tenha sido a última vez que ouvimos falar deste pequeno e estranho povoado do Maine.

Castle Rock – 2ª Temporada – EUA. 23 de Outubro de 2019 a 11 de Dezembro de 2019.
Criadores: Sam Shaw, Dustin Thomason
Direção: Greg Yaitanes, Phil Abraham, Anne Sewitsky, Mark Tonderai-Hodges, Loni Peristere, Craig William McNeill, Lisa Brühlmann
Roteiros: Dustin Thomason, K’naan Warsame, Scott Brown, Obehi Janice, Guy Busick, R. Christopher Murphy, Michael Olsen, K. Corrine Van Vliet
Elenco: Lizzy Caplam, Tim Robbins, Paul Sparks, Yusra Warsama, Elsie Fisher, Barkhad Abdi, Matthew Alan, John Hoogenakker, Robin Weigert, Isayas J. Theodros, Chris Mulkey, Abby Corrigan, Tenea Intriago, Aaron Staton, Mathilde Dehaye, Faysal Ahmed, Alison Wright, Sarah Gadon, Madison Johnson, Ruby Cruz, Max Von Schroeter, Idiris Yusof, Idil Guled, Charlie Tacker
Duração: 10 episódios de 35 a 60 minutos.

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