Home LiteraturaAcadêmico/Jornalístico Crítica | Casas Ilustradas – Campos dos Goytacazes, de Rapha Pinheiro

Crítica | Casas Ilustradas – Campos dos Goytacazes, de Rapha Pinheiro

Um passeio pela cidade.

por Luiz Santiago
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Em tempos de redes sociais em plena intensidade, onde a imagem é efêmera e a atenção é minada por tantos impulsos e telas, com os quadrinhos ou as produções de arte tentando imitar o mesmo ritmo e padrão, um trabalho como Casas Ilustradas, de Rapha Pinheiro, faz um movimento contrário, convidando o público a momentos de longa contemplação e análise detalhada do desenho, utilizando como inspiração a arquitetura histórica de Campos dos Goytacazes, município do Rio de Janeiro. O projeto foi desenvolvido durante o Inktober 2023 (ou seja, as 31 primeiras casas, das 40 que temos no volume. As outras foram desenhadas em março de 2024) e gerou este charmoso artbook que celebra a beleza singular de alguns prédios que compõem a paisagem da cidade, ao mesmo tempo que utiliza a imagem para denunciar as más condições de conservação desses imóveis e o impacto negativo que isso tem para a cidade e sua população.

O livro, longe de ser um mero catálogo de ótimos desenhos, apresenta-se como uma produção híbrida, conjugando elementos estéticos e narrativos a diversos contextos sociais e aos pensamentos do autor, incrementando o conteúdo com aquilo que verdadeiramente representa, em significado histórico. As pinturas em tons leves evocam uma atmosfera nostálgica, capturando a beleza singela de fachadas, arcos, janelas, portas e muros, convidando o leitor a uma imersão no universo particular de cada construção. A opção pela estética do “feito à mão”, com textos na caligrafia do autor, evidencia o caráter artesanal da proposta, embora, nesse aspecto específico das letras, traga alguns problemas de compreensão que travam um tantinho a leitura.

Aqui, a parte textual não se limita a descrever as imagens. O autor compartilha com o público as suas impressões e descobertas ao longo do processo de criação, tecendo comentários sobre particularidades históricas, sociais, comerciais, estéticas e arquitetônicas que envolvem cada uma das 40 casas desenhadas. O artista reflete sobre o descaso com a preservação do patrimônio cultural local, denunciando o estado de abandono da maior parte dessas construções, apontando para a necessidade de políticas públicas eficazes de proteção e recuperação dos imóveis. Eu adoraria ter dinheiro para financiar o autor e pedir que visitasse cidades históricas de todo o Brasil, fazendo esse trabalho de puxão de orelha das prefeituras, cobrando a função social dos prédios, questionando o descaso e mostrando o quanto a cidade perde em dinheiro, turismo e valor patrimonial quando simplesmente deixa suas relíquias de pedra caírem aos pedaços. 

Uma leitura ainda mais embasada para a proposta está nos textos de apoio do livro, assinados pelo professor William Bittar e a professora Maria Catharina R. Q. Prata, referências no campo da arquitetura e da preservação do patrimônio. Esses textos, elaborados a partir de perspectivas distintas, convergem para uma mesma preocupação: a necessidade de se reconhecer a importância histórica e cultural das casas retratadas, fomentando ações que garantam sua preservação para as futuras gerações. 

Casas Ilustradas garante um despertar para a necessidade de proteger e valorizar o patrimônio urbano, e embora tenhamos o foco apenas em Campos dos Goytacazes, é muito fácil atribuir as mesmas problemáticas, críticas e planos de ação em qualquer outra cidade do Brasil e do mundo. As ilustrações, minuciosas e delicadas, revelam a beleza muitas vezes ignorada dessas construções, enquanto os textos, críticos e informativos, completam a função de instigar o leitor. O livro convida a um passeio afetivo pelas ruas, despertando o sentimento de pertencimento e a responsabilidade pela preservação da identidade cultural. É louvável a iniciativa do autor em utilizar o Inktober para o desenvolvimento de um projeto tão relevante. Em tempos de produções independentes rasteiras e esquecíveis, o livro se destaca pela qualidade gráfica, pelo rigor de abordagem e, sobretudo, pelo seu potencial de mobilização. Espero que a obra inspire outras iniciativas do gênero, em diversas cidades do país. Nada como utilizar a arte como um instrumento de transformação social!

Casas Ilustradas – Campos dos Goytacazes (Brasil, 3 de agosto de 2024)
Autor: Rapha Pinheiro
Roteiro: Rapha Pinheiro
Editora: Inko Criativo
112 páginas

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