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Crítica | Casa Vazia (2021)

Filme de lacunas envolve a busca de um homem por mulher e filha.

por Michel Gutwilen
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Um homem volta para casa e sua família, composta de mulher e filha, não se encontra. Vemos esse homem pedalar de bicicleta pela estrada algumas vezes, aparentemente sem rumo. A cachaça, um vício que ele luta contra, vai e vem de sua boca. Também vemos sua procura por um emprego, até ser rejeitado porque não sabe manusear um GPS. Ele é um homem do Rio Grande do Sul, com um rosto de feições duras e marcado fisicamente, com barba grande por fazer, daquele tipo lenhador. Pouquíssimo escutamos ele falar, em um filme de silêncios. Casa Vazia é fechado em si mesmo, fruto da incomunicabilidade masculina, da impossibilidade de exteriorizar sentimentos e afetos. Desde o início, e assim se seguirá até o fim, há um hermetismo (não no sentido de difícil comunicação com o público, mas de não permitir aberturas em seu tecido impenetrável) que percorre todas as suas camadas, narrativas e formais. 

Talvez por um mesmo motivo que me incomode em um filme como o aclamado Ataque dos Cães, há algo de cansativo neste movimento centrífugo em deixar o que verdadeiramente importa no extraplano, num terreno implícito ou especulativo, enquanto usa de metáforas e lacunas no plano para apontar para o que está fora dele de maneira impositiva, em uma tentativa de exercício de sutileza que só se torna grosseria ou vazia. Inclusive, sua cena inicial já é a síntese de tudo que disse abstratamente: uma boiada passando é interrompida por um carro chegando com homens, que se deslocam para fora do enquadramento, enquanto ouvimos barulhos e gritos. Então, sem saber o que acontecemos, vemos o retorno dos bois aos planos, instaurando um mistério no ar. 

Nesta obra, parece haver a apropriação de uma gramática já pré estabelecida, como nos procedimentos formais que servem para indicar a alienação do personagem, em que temos a visão do rosto desse homem enquadrado, enquanto o fundo está desfocado. De mesmo modo, pelo uso de metáforas narrativas, como o estado de um protagonista perdido ser representado pelo deslocamento de bicicleta, assim como a ruptura do passado ser representada pelo gesto de botar fogo em algo. Por isso, a sensação de ser um filme que já foi visto outras vezes.

Evidentemente, uma das ausências da qual o filme quer falar é a do feminino, sem espaço nessas terras gaúchas violentas e masculinizadas. Neste sentido, Giovani Borba consegue encontrar um momento bem interessante e parece ser mais original do que o resto de todo o filme. Após a ausência quase total de presenças femininas ao longo de toda a jornada (com exceção da mãe do protagonista e uma benzedeira, o que também já é significativo, pois existem apenas como apoio), um longo plano perpassa por várias mulheres enlutadas diante do caixão de um homem morto pela disputa por terras. Trata-se de um movimento bem consciente que cria força pelo contraste diante do vazio que era até aqui e do timing do momento. Aqui, fica bem claro que enquanto os homens estão brincando de se matar em suas disputas vazias, são elas que verdadeiramente sofrem. No mesmo sentido, a insistência com a figura da cachaça, principalmente quando um plano dos pertencentes da família sendo queimados é cortado logo em seguida para um da bebida, vai se consolidando como uma possível explicação para a lacuna que representa o abandono da esposa e filha. 

Para chegar até essa conclusão, é preciso antes passar por uma provação espectatorial que é a longa jornada de acompanhamento do vaguear sem rumo deste protagonista, em constante olhar melancolicamente para o nada, em que é preciso tirar informações à fórceps deste rosto. 

Quanto o roteiro coloca o protagonista Raul para viver os dois lados da disputa, além disso ressaltar o quanto ele está perdido, também há a oportunidade de ver os dois lados dessa mesma moeda que envolve a questão latifundiária. Apesar de sua existência em teoria, na prática, talvez sendo uma questão de direção de elenco e de tom de atuação (Borba menciona pré-sessão que há atores e não atores), o personagem de Juan é visto como mais caricatural e unidimensionalmente vilanesco, enquanto a figura paterna do ladrão de gado soa mais humana, induzindo a filiação do espectador a um dos lados, o que seria no mínimo estranho ou contraditório.  Casa Vazia é tanto um estudo de um personagem, se dando pela relação com o ambiente ao seu redor, em que ele é engolido pelas vastas terras gaúchas (o homem é fruto de seu meio e preso a ele), em uma narrativa que põe em cheque todos os antigos costumes ligados à figura do “macho”, que é universal mas no filme de Borba é aplicado a um contexto ainda mais específico de sua região (que não é de meu conhecimento, portanto não cabe falar). No fim, este universo de violência é um looping fadado à inevitabilidade da autodestruição e tudo ao seu redor, fazendo com que todos ao seu redor abandonem eles à sua volta, deixando-os isolados.

Casa Vazia (2021) — Brasil
Direção: Giovani Borba
Roteiro: Giovani Borba
Elenco: Araci Esteves, Nelson Diniz, Liane Venturella, Hugo Noguera, Roberto Oliveira, Lucas Daniel Soares Rodrigues
Duração: 83 mins

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