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Crítica | Carter (2022)

Um filme ou um videogame?

por Ritter Fan
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A Vilã, o filme anterior de Jung Byung-gil, já continha diversos elementos que o aproximava da pura experimentação audiovisual, mas mantendo ainda o que podemos chamar de estrutura fílmica clássica, ou seja, o diretor e co-roteirista ainda se prendia às amarras mais, digamos, tradicionais de como fazer um longa-metragem, o que não é nem de longe algo ruim, vale dizer. Mesmo assim, A Vilã merecia comparações com o tresloucado – e não mais do que mediano – Hardcore: Missão Extrema (ou Hardcore Henry, no original), de 2015, basicamente um filme que é um jogo em primeira pessoa com ação ininterrupta na forma de um plano sequência falso único e contínuo do começo ao fim.

Carter, o filme seguinte do sul-coreano, é, ele todo, uma versão mais moderna e tecnicamente mais bem feita de Hardcore Henry, quase que sem tirar nem por, só que ainda bem, essencialmente em terceira pessoa. Em outras palavras, esqueçam o semblante de estrutura fílmica clássica de A Vilã e preparem-se para ficar enjoados, especialmente se sua televisão for grande, acompanhando as desventuras de um homem – Carter (Joo Won) – que acorda desmemoriado e precisa seguir as instruções de uma mulher que ouve a partir de um implante em seu ouvido, instruções essas que basicamente se resumem a matar centenas de pessoas e cometer todos os atos de violência possíveis no processo de cumprir sua missão de resgatar um menino em meio a uma pandemia que transforma as pessoas em zumbis no estilo Extermínio (ainda que isso seja um detalhe insignificante na história).

O que realmente “importa” é que os 132 minutos de projeção são completamente enlouquecidos, primeiro com Carter tendo que lutar contra dezenas de Yakuzas pelados em uma sauna e com as sequências de ação só ficando mais complexas a partir desse início, e tudo em um plano sequência único (falso, obviamente) que se beneficia de uma costura na base de uma montagem bem trabalhada e de computação gráfica para fazer as “pontes” necessárias diante do turbilhão de coisas que acontecem com o protagonista que, vale dizer, é completamente invencível ainda que não tenha poderes especiais ou coisa semelhante. Tudo parece uma sucessão de cutscenes de um particularmente violento videogame costuradas juntas para resultar em um semblante de história que, por incrível que pareça, consegue ser mais do que apenas um semblante, com um razoavelmente interessante jogo de traições políticas por trás envolvendo os EUA e as duas Coréias em meio a uma ameaça viral global.

Apesar de Carter ser, eminentemente, um filme que privilegia o estilo sobre substância, é inegável a proeza técnica de Jung Byung-gil aqui ao conseguir manter a pancadaria variada e consideravelmente divertida por boa parte do tempo. Claro, assim como acontece com qualquer coisa em excesso, a exaustão do espectador com os exageros absurdistas não demora a vir, isso se o espectador não literalmente ficar enjoado com a tremedeira inevitável ou cansado de acompanhar os malabarismos mortais do personagem titular com punhos, facas, armas de fogo, motocicletas, caminhões, helicópteros e trens em um crescendo típico de videogame, com cada nova fase aumentando os fogos de artifício e o nível de dificuldade (e com a diferença, claro, de que o filme é passivo e um videogame não).

Mas, como eu disse, a proeza técnica é de se aplaudir em diversos momentos. O longa não é daqueles em que os “momentos de costura” são invisíveis como em obras de mais categoria em plano sequência supostamente único que temos por aí, mas é que Carter esgarça tanto a narrativa que seria impossível trabalhar com discrição esses momentos. Mesmo assim, a costura é muito bem feita, muito mais do que seria razoável esperar de uma completa doideira como esta aqui e a sucessão de sequências de ação, mesmo insanas, mantém uma lógica interna excelente que é acompanhada pelas “reviravoltas” narrativas que basicamente existem somente via as conversas do protagonista com a voz incorpórea que o ajuda. Em outras palavras, Jung Byung-gil, novamente trabalhando com Jung Byeong-sik no roteiro, faz de tudo para inserir uma efetiva história em meio ao descarregamento de pilhas e pilhas de momentos “kill ‘em all” das maneiras mais variadas possíveis, chegando a um razoável equilíbrio entre uma coisa e outra ainda que o que realmente importe para o cineasta sejam, obviamente, as sequências de ação incrementalmente mais  desatinadas e histéricas.

Carter está naquela larga fronteira entre o completamente descartável e o sensacionalmente divertido (às vezes os dois são sinônimos!) e só funcionará mesmo para quem estiver disposto a mergulhar em uma montanha-russa destrambelhada e descontrolada de ação ultraviolenta e enlouquecedora (além de literalmente enjoativa em diversos momentos) por uma duração muito maior do que o longa deveria ter. Pelo menos o experimento audiovisual de Jung Byung-gil funciona bem mais eficientemente do que o de seu colega moscovita, ainda que fique abaixo do que ele mesmo conseguiu colocar nas telas em 2017. Fica o aviso: se resolverem encarar Carter, especialmente em tela grande, não se afastem muito do saquinho de vômito ou tomem um Engov antes…

Carter (카터 / Kateo – Coréia do Sul, 05 de agosto de 2022)
Direção: Byung-gil Jung (Jung Byung-gil)
Roteiro: Byeong-sik Jung (Jung Byeong-sik), Byung-gil Jung
Elenco: Joo Won, Kim Bo-Min, Sung-Jae Lee, Camilla Belle, Mike Colter, Jae-Young Jung
Duração: 132 min. 

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