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Crítica | Carnival Row – 2ª Temporada

Um incrível universo de fantasia chega a seu fim.

por Ritter Fan
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  • spoilers. Leiam, aqui, a crítica da 1ª temporada.

Apesar de contar com os fracos Orlando BloomCara Delevingne como protagonistas, Carnival Row é uma série surpreendente, talvez uma das melhores séries de fantasia dos últimos vários anos. Sua primeira temporada, lançada em agosto de 2019, foi capaz de criar um interessantíssimo universo em que humanos e seres mitológicos variados convivem em uma hesitante paz entre conquistadores e conquistados, com todo o preconceito e violência que decorre de uma situação como essa, tendo como força motriz narrativa o “amor proibido” à la Romeu e Julieta entre o policial humano Rycroft Philostrate, ou apenas Philo (Bloom) e a pixie Vignette Stonemoss (Delevingne).

Ao final da temporada inaugural, que fundamentalmente girou ao redor de assassinatos misteriosos, Philo revelou-se como um pixie cujas asas foram amputadas no nascimento, passando a sofrer o preconceito de seus colegas policiais e também das criaturas mitológicas, mas decidindo morar no gueto, conhecido como Carnival Row, em que todos os não-humanos passam a ser obrigadas a viver. Foram mais de três anos para a segunda e última temporada chegar às telinhas – a produção foi atingida em cheio pela pandemia -, mas a espera mais do que valeu a pena, pois os 10 episódios finais conseguem não só expandir substancialmente a narrativa como, também, chegar a um final muito satisfatório, ainda que não exatamente perfeito.

Para começo de conversa, tenho que falar da direção de arte mais uma vez. O cuidado na criação dos cenários de Burgo, seja o lado humano, seja o lado das fadas, assim como todos os personagens mitológicos, é absolutamente irretocável. E o mais interessante é que a temporada, como parte de sua expansão de mitologia, ainda tem tempo de nos apresentar ao Pacto, país que sofre o equivalente da Revolução Russa, com sua monarquia tentando obter ajuda de Burgo, seus antigos inimigos, para deter os revolucionários. E esse lado da história também ganha um perfeitamente crível tratamento visual e que serve para narrativamente, finalmente reunir a história do puck rico Agreus Astrayon (David Gyasi) e da nobre decadente Imogen Spurnrose (Tamzin Merchant), o outro casal estilo Romeu e Julieta da série, à narrativa macro, mesmo que o caminho até lá seja longo e talvez tortuoso demais.

Em termos de história, apesar de o relacionamento de Philo com Vignette ainda ser relativamente importante, ele não tem mais o destaque de antes. E nem deveria mesmo ter, já que, quando a temporada começa, os dois estão vivendo bem juntos, mas todos os eventos que afetam as criaturas mitológicas vão, aos poucos separando-os novamente, mas nada muito dramático ou que atrapalhe a narrativa. E que eventos são esses? Bem, aqui os roteiros fazem algo muito interessante e razoavelmente complexo, que é parar de focar no micro, para trabalhar o macro, ou seja, tornar menos expressivas as relações interpessoais e trabalhar questões políticas e geopolíticas em uma temporada cuja primeira metade constrói tanta coisa nova que fica difícil de imaginar como a segunda metade atará os nós. Mas a grande verdade é que tudo dá fundamentalmente certo.

No gueto das criaturas mitológicas, tudo anda mal e uma doença contagiosa fatal que afeta os pixies vem tornando tudo ainda mais insuportável, com os humanos basicamente ignorando a existência de seus pares com chifres, asas e/ou cascos. Carnival Row, portanto, é um caldeirão que aos poucos vai entrando em ebulição, com o grupo radical Corvo Negro, de que Vignette faz parte, servindo de expressão mais evidente de descontentamento. No lado humano de Burgo, o foco fica nas intrigas capitaneadas pelos dois herdeiros das posições políticas mais importantes do país: Jonah Breakspear (Arty Froushan), o novo chanceler, e Sophie Longerbane (Caroline Ford), a líder da oposição. O investimento feito neste dois personagens ao longo da primeira metade da temporada é considerável, com uma evolução muito interessante para ambos, sempre com o sábio aconselhamento de Runyan Millworthy (Simon McBurney) tentando temperar as decisões.

Simultaneamente, novos assassinatos começam a ocorrer em Burgo e logo fica claro que só uma criatura não-humana poderia ser a responsável. Obviamente, mesmo que com enorme relutância e somente graças aos esforços do sempre simpático policial Berwick (Waj Ali), Philo é trazido para investigar as ocorrências, o que estremece ainda mais suas alianças. E, finalmente, há toda a situação mencionada do Pacto, com a revolucionária Leonora (Joanne Whalley) saindo-se inicialmente vitoriosa por lá, algo que somente vemos a partir do ponto de vista do casal Agreus e Imogen, cujo navio é capturado por dirigíveis da revolução logo no começo da temporada. Nesse aspecto, apesar de as conexões com a Revolução Russa serem talvez evidentes demais – até o sotaque de Leonora parece russo! -, o roteiro é cuidadoso ao não pintar a Revolução como algo apenas com lados positivos como muita gente gosta de se enganar, ignorando todos os aspectos problemáticos do que efetivamente ocorreu.

Como se pode ver, a temporada corajosamente trabalha diversas frentes e, em cada uma delas, vai no detalhe, criando motivações e planos para cada um dos personagens, especialmente, no começo, Jonah e Sophie, o primeiro claramente abalado pelas crueldades contra as fadas, mas tendo que seguir em frente diante de sua posição, e a segunda com um complexo plano pessoal de tomada de poder. Aliás, diria que um dos aspectos negativos da temporada é justamente como o arco narrativo desses dois personagens politicamente muito importante é abruptamente encerrado no quinto episódio da temporada, quando os dois são assassinados. Por um lado pareceu-me um desperdício de desenvolvimento de personagens, mas, por outro, diante do encerramento da série na segunda temporada (mesmo que com mais dois episódio do que a primeira), talvez tenha sido a solução possível para que, então, Millworthy pudesse ser alçado a um cargo mais importante na engrenagem do congresso de Burgo, de forma que as relações diplomáticas com os emissários do Pacto pudessem ser abordadas mais profundamente.

A existência de outro serial killer mitológico me causou estranheza, devo confessar, pois me pareceu uma maneira preguiçosa de se espelhar a primeira temporada. No entanto, quando Berwick diz a Philo que ele enxerga uma estratégia por trás das mortes, tudo começa a ficar substancialmente mais interessante, algo que, mais para a frente, é confirmado em definitivo, de maneira a, então, ligar todos os elementos narrativos mais relevantes em um clímax sanguinolento, mas que serve ao seu propósito de criar as amarras entre as histórias. Há até tempo para que Tourmaline Larou (Karla Crome), ex-cortesã pixie, ganhe espaço na trama, transformando-se na herdeira, para todos os efeitos, da Haruspex (ou bruxa) Aoife Tsigani (Alice Krige), e ganhando seu poder de “visão de futuro”, o que se torna fundamental para a trama envolvendo o serial killer que, na verdade, não é um serial killer, mas sim uma arma da revolução de Leonora.

A segunda e última temporada de Carnival Row é, assim como a primeira, uma história de queima lenta, mas que recompensa a paciência do espectador com o desenvolvimento e detalhamento de uma mitologia absolutamente fascinante que espelha eventos históricos reais em um mundo fantasioso steampunk de encher os olhos e que, por incrível que pareça, chega a um fim perfeitamente lógico dentro do que é apresentado, ainda que, diria, feliz demais. Até mesmo Orlando Bloom e Cara Delevingne parecem mais engajados em seus personagens e, portanto, melhores em seus respectivos trabalhos dramáticos, ainda que longe de serem destaques. Confesso que eu gostaria de ver mais desse universo, mas, por outro lado, estou mais do que satisfeito com a forma que a série foi encerrada.

Carnival Row – 2ª Temporada (Idem, EUA – 17 de fevereiro a 17 de março de 2023)
Criação: René Echevarria, Travis Beacham
Direção: Thor Freudenthal, Wendey Stanzler, Julian Holmes, Andy Goddard
Roteiro: Erik Oleson, Sarah Byrd, Wesley Strick, Dylan Gallagher, Mateja Božičević, Tania Lotia, Jim Dunn, Sam Ernst, Amanda Krader
Elenco: Orlando Bloom, Cara Delevingne, Simon McBurney, Tamzin Merchant, David Gyasi, Andrew Gower, Karla Crome, Arty Froushan, Caroline Ford, Jay Ali, Joanne Whalley, Jamie Harris, Ariyon Bakare, Alice Krige, Ryan Hayes, Waj Ali, Chloe Pirrie, Anthony Kaye, Sinead Phelps, Fraser James, Eve Ponsonby, Stewart Scudamore, Andrew Buchan, Karel Dobrý, Jacqueline Boatswain, George Georgiou
Duração: 540 min. (10 episódios)

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