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Crítica | Carne Para Frankenstein

Com a icônica assinatura de Andy Warhol na produção, essa versão paródica e pornográfica do clássico monstro gótico.

por Leonardo Campos
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Durante a contemplação de Carne Para Frankenstein, dirigido e escrito por Paul Morrissey, com assinatura do polêmico Andy Warhol na produção, a sensação de estar diante de algo muito bizarro me tomou por inteiro, ao longo dos divertidos e irregulares 94 minutos de duração da narrativa que toma o legado do romance de Mary Shelley, bem como as suas numerosas traduções que permearam o nosso tecido cultural no século XX, para criação de uma nova abordagem, dessa vez, pelo viés da paródia. Para estruturar melhor o pensamento logo após a sessão, retomei algumas anotações sobre o conceito filosófico de “bizarro”, para melhor desenvolver uma interpretação sobre essa pérola do cinema de horror dos anos 1970. O termo “bizarro”, caro leitor, frequentemente associada ao estranho, ao excêntrico e ao grotesco, aqui associado ao âmbito da estética, remonta ao francês “bizarre“, que significa “estranho” ou “excêntrico”. E, em cada pedacinho do filme, essas definições cabem como uma luva adaptada nas mãos certas. No contexto das artes, a bizarrice adquire uma conotação profunda, pois se interliga com terrenos movediços filosóficos do absurdo e do macabro.

O próprio romance da escritora britânica, por exemplo, possui traços do que definimos aqui como bizarro. Em sua essência, o termo pode ser visto como uma forma de crítica às convenções sociais. Realizar uma narrativa cinematográfica que incorpora o bizarro não busca apenas chocar, mas também explorar as profundezas da natureza humana e seus instintos mais primitivos. As narrativas bizarras geralmente ampliam os limites do que consideramos normal e, assim, propõem uma reflexão sobre as normas e os valores da sociedade. Sendo um filme assinado por Andy Warhol, era de se esperar que tivéssemos momentos múltiplos de bizarrice, afinal, no âmbito das artes plásticas, o polêmico artista levantou muitas discussões pertinentes sobre um dos questionamentos mais controversos para quem trabalha nesse campo: o que é arte e o que faz dela boa ou ruim? São debates que geram reflexões muitas vezes calorosas e que terminam sem um arremate mais coeso, pois se trata de algo extremamente subjetivo e contextual.

Sendo assim, podemos considerar Carne Para Frankenstein como uma obra de arte? Sim, numa resposta logo direta e objetiva. Mas, como experiência cinematográfica, devo dizer que a jornada é curiosa, com alguns momentos divertidamente insólitos, mas executada de maneira irregular em seu ritmo, bem como no flerte com a paródia. Trazer comicidade e se tornar um texto parricida, que mata o seu ponto de partida para estabelecer um novo diálogo requer uma condução firme. E, sendo sincero, não é isso que acontece por aqui. O bizarro, como ia dizendo anteriormente, carrega uma dualidade intrínseca entre repulsa e fascínio. Narrativas que incorporam o bizarro frequentemente provocam emoções contraditórias no espectador.  São produções que nos desafiam a mergulhar em um mundo que, apesar de desconcertante, revela verdades profundas sobre os seres humanos. Há uma tentativa dos realizadores em trabalhar esse caráter ambivalente do termo, mas o filme perde impacto diante da execução mediana.

Geralmente, as narrativas fincadas no discurso bizarro exploram a condição humana e atuam como uma ferramenta poderosa de crítica social, frequentemente expondo e ridicularizando estruturas sociais, delineando hipocrisias e questionando comportamentos coletivos. Até que há alguns pontos desse panorama em Carne Para Frankenstein, não sendo a sua estranheza o problema do filme. A crise aqui é no ritmo de seu desenvolvimento, no elenco sem magnetismo com a câmera e na abordagem paródica que precisa de muletas para fazer sua caminhada. Filmado na Sérvia e com proibição na época de seu lançamento, haja vista as denúncias de pornografia excessiva de uma sociedade estruturada na velha e igualmente bizarra hipocrisia, o filme nos apresenta a seguinte estrutura dramática: o Barão von Frankenstein, interpretado por Udo Kier, é um homem de comportamentos peculiares que começa a negligencia a sua esposa e focar na criação de uma raça sérvia, idealizada para obedecer piamente os seus comandos.

A loucura começa, então, a se estabelecer, quando ele decide reunir um macho e uma fêmea “perfeitos” a partir de partes de cadáveres. Nesse processo, entram o capanga do Barão, um fazendeiro excessivamente estimulado nos quesitos sexuais, a sua esposa, insatisfeita, interessada nesse novo personagem em cena para a realização de seus desejos carnais não alimentados pelo marido obcecado pelo experimento, dentre outras situações absurdas. Assim, em resumo, Carne Para Frankenstein estabelece o debate sobre o tratamento científico para fins completamente distantes daquilo que conceituamos como ética, sendo a reprodução sexual, o atingimento dos orgasmos e a luxúria como principais palavras-chave que definem o projeto curioso e paródico por todos os poros. Com trilha sonora assinada por Claudio Gizzi, textura percussiva responsável por amplificar a atmosfera que tripudia a clássica história, o filme disponibilizado na época em 3D brinca de cinema, entrega alguns poucos momentos engraçados, mas como resultado geral, é uma narrativa ambiciosa que perde impacto por deixar de ousar mais em seus diálogos e focar no absurdo da ação excessivamente sexual de seus personagens.

Uma versão pornográfica de Frankenstein, que mescla horror, sangue e nudez.

Carne para Frankenstein (Flesh for Frankenstein | EUA/Sérvia 1973)
Direção: Paul Morrissey, Antonio Margheriti
Roteiro: Paul Morrissey, Tonino Guerra, Pat Hackett (baseado no romance de Mary Shelley)
Elenco: Joe Dallesandro, Monique van Vooren, Udo Kier, Arno Jürging, Dalila Di Lazzaro, Srdjan Zelenovic, Nicoletta Elmi, Marco Liofredi, Liù Bosisio, Fiorella Masselli, Cristina Gaioni, Rosita Torosh, Carla Mancini
Duração: 95 min

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