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Crítica | Cárcere Privado (Raylan Givens #2), de Elmore Leonard

O retorno de Raylan Givens. E de Harry Arno. E de Joyce Patton.

por Ritter Fan
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Dois anos depois de Pronto, em que Elmore Leonard criou o delegado federal Raylan Givens, um caubói moderno com direito a chapéu típico de faroeste que acabaria estrelando a série Justified, o autor retornou ao personagem em Cárcere Privado (Riding the Rap, no original). Interessantemente, porém, Leonard não só trouxe Givens de volta, como também o agenciador de apostas quase septuagenário Harry Arno e Joyce Patton, agora como namorada do delegado, entregando uma nova história que gira no entorno dessa trinca, ainda que introduzindo alguns outros personagens peculiares e, ao mesmo tempo, abrindo mais espaço para Givens, mesmo que não exatamente transformando-o no inequívoco protagonista.

Se os eventos de Pronto foram catalisados pela tentativa do Departamento de Justiça de usar Arno para capturar um mafioso, agora tudo acontece por culpa direta do próprio Arno que, tentando recuperar uma dívida, acaba envolvendo-se com tipos pouco confiáveis que o sequestram e o mantém encarcerado no porão de uma casa de Miami como parte de um golpe para arrancar dinheiro de gente rica. A pedido de Joyce, que fora namorada de Arno, Raylan hesitantemente começa a investigar o paradeiro do antigo fugitivo da lei e acaba tendo que enfrentar a trinca de sociopatas – um deles particularmente orgulhoso de sua tesoura de jardim – que engrupiu o agenciador de apostas.

No entanto, como é comum acontecer nas obras de Leonard, o embate físico é muito menos importante que o embate psicológico e o autor, mestre na economia de palavras, constrói uma narrativa que, de certa forma, espelha a de Pronto, com os grupos de personagens demorando a interagir diretamente de forma que ele desenvolva cada um deles. De um lado, temos o ciúmes que Raylan sente de Joyce, por ela, agora sua namorada, ainda se preocupar com o antigo amante e insistindo para que ele tente descobrir o paradeiro de Arno. A dinâmica dos dois é excelente, com Leonard recriando, com bastante facilidade, a estrutura de triângulo amoroso que existiu no primeiro romance com os personagens. Por outro lado, os três sequestradores, o porto-riquenho Roberto Deogracias, que é o cobrador que Arno contrata e que é convencido por Louis Lewis a traí-lo e, finalmente, Warren Ganz, que é quem deve dinheiro a Arno, estabelecem dinâmica própria, com Leonard muito vagarosamente revelando as diversas camadas mais doentias de cada um deles.

Nem mesmo o próprio Harry Arno é esquecido apesar de ele passar quase o tempo todo preso, já que há um terceiro vértice nesse triângulo narrativo que aborda justamente seu cativeiro em um primeiro momento e, em seguida, sua conexão com o segundo prisioneiro da trinca de bandidos. E o interessante é que os eventos no porão em momento algum realmente se conectam com as ações externas de Raylan, fazendo com que os vilões acabem sendo as pontes entre os dois protagonistas.

Mas há uma personagem “extra”, digamos assim, que fica fora dessa dinâmica mais direta, mas que é essencial para a trama como um todo e que também funciona como elemento de conexão entre Givens, Arno e os vilões. Trata-se da vidente e cartomante Dawn Navarro – uma reverenda, na verdade – que Leonard desenvolve sem jamais colocar em xeque seus “poderes” ou, mais apropriadamente, deixando o leitor decidir do que ela é exatamente capaz para além de servir de filtro para as vítimas da trinca sequestradora. Raylan e Dawn tem vários dos melhores diálogos do romance, com o caubói deixando todo seu cinismo vazar em estocadas verbais que Dawn rebate com a mesma inteligência e facilidade.

Cárcere Privado é de enganosa simplicidade. A trama básica é sem dúvida alguma simples, mas, como é quase regra absoluta nas obras de Elmore Leonard, o que realmente importa são os personagens e suas interações que muitas vezes não são diretas ou mesmo objetivas, mesmo diante da costumeira economia de palavras do autor. Transformando pouco em muito, Leonard cria uma teia de relacionamentos que cativa o espectador desde os primeiros parágrafos, levando-o a uma história policial peculiar, diferente e até contraintuitiva, mas que é uma delícia.

Obs: As linhas gerais da trama de Cárcere Privado foram utilizadas no episódio 1X03 – The Fixer – de Justified. No episódio 4X03 – Truth and Consequences – é possível dizer que uma versão alterada da reverenda Navarro é apresentada na forma de Eve Munro, uma vidente que é ex-esposa de Drew Thompson. Munro aparece novamente no episódio 4X08, Outlaw.

Cárcere Privado (Riding the Rap – EUA, 1995)
Autor: Elmore Leonard
Data original de publicação: 1º de maio de 1995
Editora original: Delacorte Press
Data de publicação no Brasil: 1999
Editora no Brasil: Editora Rocco
Tradução: Paulo Reis
Páginas: 283

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