Quando dinheiro não é problema, as mais improváveis criações são materializadas. Em 1985, a Disney produziu um curta metragem de ficção científica dirigido e corroteirizado por Francis Ford Coppola, um dos maiores cineastas dos EUA, produzido e corroteirizado por George Lucas, o homem que revolucionou os blockbusters de Hollywood, com trilha sonora composta por James Horner, que já havia sido e continuaria sendo por muitos anos um dos nomes mais importantes em seu meio, efeitos práticos pelo genial Rick Baker, direção de iluminação de Vittorio Storaro, um dos mais premiados diretores de fotografia da História do Cinema e estrelado por ninguém menos do que a maior estrela da música pop de todos os tempos, ninguém menos do que Michael Jackson, com direito a duas canções inéditas, tudo para criar uma atração para o parque de diversões Epcot Center capturada em 70mm com tecnologia 3D ampliada pela “quarta dimensão” causada pela interatividade na sala em que era projetada (um dos primeiros “filmes 4D” que se tem notícia).
Um gigantesco sucesso que marcou época e que foi tratado como um verdadeiro blockbuster, a começar de seu orçamento – dizem que, por minuto, foi o filme mais caro já produzido até aquele momento, custando um total de 23.7 milhões dólares sem correção – passando por merchandising (quadrinhos com estereoscopia, brinquedos e tudo mais) e produção de documentário sobre os bastidores (making of) de 50 minutos apresentado por Whoopi Goldberg. Isso foi Captain EO, atração inaugurada em 12 de setembro de 1986 e que foi mantida no Epcot Center até 1998 e retornando em 2010 como “Tributo”, para homenagear o cantor que falecera no ano anterior, permanecendo até 2015. Tive a oportunidade de conferir a atração tanto no ano seguinte ao seu lançamento original, quanto em seu retorno, em 2010, com efeitos 4D modernizados, por assim dizer.
Captain EO é, em essência, o que Star Wars seria se fosse um vídeo musical no estilo extravagante e espetacular que Michael Jackson basicamente inventou com Thriller, três anos antes, uma obra que desafia o conceito de videoclipe, aproximando-se muito mais de um curta metragem musical. Assistindo-o em 2010 e também hoje em dia – ele não está disponível oficialmente, mas há uma imensidade de versões facilmente acessíveis por aí -, é inafastável a sensação de que se trata de uma obra datada, ainda que isso não se aplica às canções, We Are Here to Change the World e Another Part of Me, a primeira só lançada comercialmente em 2004 em versão encurtada e a segunda logo no ano seguinte, com remixagem, como parte do álbum Bad. Claro que, olhando com os olhos de um jovem nos anos 80, a coisa muda completamente de figura, pois todo o artifício do 3D e 4D, os nomes de Lucas e Coppola no cartaz e, claro, Michael Jackson de uniforme branco em ambientação de ficção científica era tudo o que se poderia querer.
Apesar de a produção ter a marca visual de George Lucas, com diversos elementos retirados quase que diretamente de sua então apenas trilogia espacial, a direção de Coppola, que já contava com três musicais em sua filmografia, é pouco característica do diretor, talvez por não haver muito para onde correr em termos de criatividade com a câmera. Coppola estava preso ao espaço cênico do estúdio onde os cenários foram construídos – o interior de uma nave espacial pilotada pelo Capitão EO e tripulada por dois robôs e três criaturas estranhas e um planeta de superfície industrial para onde a equipe precisa ir para acabar com a tirania da Líder Suprema vivida por Anjelica Huston (muito bem) maquiada como uma Rainha Borg – e ele precisava seguir, essencialmente, determinadas regras para dar espaço para Michael Jackson e seus dançarinos fazerem o show. Em outras palavras, não era necessário alguém do naipe de Coppola para dirigir o curta metragem.
A produção foi corrida em razão das agendas de todos os envolvidos, pelo que não houve o refinamento nos efeitos especiais que se poderia esperar de algo vindo de George Lucas. Mesmo assim, considerando que se trata de uma obra carregada de efeitos práticos em uma era pré-CGI, a transformação dos robôs Major e Minor Domo em instrumentos musicais e as tomadas externas que acompanham o voo da nave do protagonista chegam a impressionar se o espectador se transportar para a época da produção. Mesmo assim, há problemas visíveis de falta de acabamento e de refinamento em tudo aquilo que depende de inserções em pós-produção, do voo da criaturinha Fuzzball ao raio pintado no celuloide que brilha na camiseta do Capitão EO.
Até mesmo a coreografia de Michael Jackson parece burocrática para o que ele é capaz de fazer, não mais do que repetições do que ele já fazia reiteradas vezes em outros videoclipes, sem nenhuma tentativa de inovação. Não se enganem, porém, pois o que vemos é puro Michael Jackson, mas não é algo que mereça particular destaque no que o astro foi capaz de criar ao longo de sua impressionante carreira. Sem dúvida foi uma excelente atração de parque de diversão, mas, como curta metragem, é apenas algo curioso e peculiar de grandes nomes do cinema e da música.
Captain EO (EUA, 1986)
Direção: Francis Ford Coppola
Roteiro: George Lucas, Rusty Lemorande, Francis Ford Coppola
Elenco: Michael Jackson, Anjelica Huston, Dick Shawn, Tony Cox, Debbie Lee Carrington, Cindy Sorensen, Gary DePew, Percy Rodriguez
Duração: 17 min.