obs: Essa crítica contém inevitáveis SPOILERS da história, além de potenciais spoilers do filme Capitão América 2, que se baseou nessa linha narrativa. Portanto, fiquem avisados.
Em quadrinhos mainstream ninguém morre de verdade. Muitos personagens apenas morrem temporariamente para ressurgirem iguaizinhos (vide a Fênix dos X-Men) ou de formas variadas (vide o próprio Superman, em uma série que não li e não quero ler, mas sei que ele apanhou de um alienígena, “morreu” e ressuscitou de três formas diferentes, seja lá o que isso signifique), mas nenhum permanece verdadeiramente morto.
Havia, porém, três fortes exceções, duas com o Homem-Aranha e uma com o Capitão América. No caso do Homem-Aranha, as exceções são (ou eram) Gwen Stacy, seu primeiro grande amor e o Tio Ben. Gwen Stacy, no entanto, reapareceu como um clone e, ainda que um clone não seja exatamente a mesma pessoa, já não a conto mais como uma verdadeira mortal.
Já no caso do tio Ben, aquele que Peter Parker, ainda deslumbrado pelos poderes de aranha, mas sem qualquer responsabilidade, acaba deixando morrer nas mãos de um bandido que ele não captura por achar que isso não é com ele, a coisa é diferente. O tio Ben continua bem morto, obrigado, mas isso não quer dizer que ele não possa reaparecer por aí, em alguma história idiota.
O terceiro caso era com o Capitão América. Durante a 2ª Grande Guerra, Steve Rogers tinha um pupilo chamado James Buchanan Barnes, ou simplesmente “Bucky”, que vestia uma máscara e uma roupa azul e vermelha. O garoto não tinha poderes e, em um daqueles retcons da Marvel quando trouxe de volta o herói do congelamento, acaba morrendo no mesmo incidente que deixa o Capitão congelado em um bloco de gelo durante décadas, até ser reanimado pelos Vingadores.
Entra Ed Brubaker.
Esse grande autor pegou a história do Capitão em uma situação bastante ruim, em 2004, com vendas baixas e reputação lá no buraco. Ele resolve, então, fazer o que todo roteirista barato faz para dar uma sacolejada na vida de um super-herói de quadrinhos: revive um personagem (ok, os demais roteiristas escolheriam matar um dos personagens, que depois reapareceria, mas tudo bem, dá no mesmo).
Assim, Ed Brubaker reviveu Bucky, em uma série de 25 edições de Capitão América, começando na edição número 1, em janeiro de 2005. A série continuou até 2011, com Brubaker no leme, mas essa crítica só trata das primeiras 25 edições.
Bucky morreu em uma explosão em 1944. No entanto, se o Capitão América foi congelado quando caiu no mar gelado naquela mesma explosão, por que Bucky também não poderia ter sobrevivido? Ed Brubaker parte desse raciocínio, que não é nada original.
Mas é só. A falta de originalidade ficou por aí. O que ele conseguiu fazer a partir dessa premissa que, em casos normais, é apenas passável, tem que ser considerado como trabalho de gênio.
Já li muitas histórias em quadrinhos, acompanhava os heróis comuns como Homem-Aranha e o próprio Capitão América. Aí eu cresci ou as histórias passaram a ficar complicadas demais para minha cabeça (acho que é o segundo caso…). Larguei de vez os super-heróis comuns, mas lia e ainda leio histórias mais contidas, independentes e outras nem tão independentes mas, mesmo assim, fora de continuidades malucas de décadas. De super-heróis mesmo, só quando a Marvel passou a publicar a linha Ultimate, mais séria e desligada da continuidade normal. Nunca gostei da DC, a não ser os clássicos sensacionais de Alan Moore, Frank Miller, Bolland e alguns poucos outros.
Nesse contexto, admirei ainda mais o trabalho de Ed Brubaker. Ele pegou uma cronologia complicadíssima do Capitão América e, sem desconsiderá-la, fez um trabalho que um novato poderia pegar e ler. E não parou só por aí.
Tudo começa com um plano do arqui-inimigo do Capitão América, o Caveira Vermelha, de reconstruir o Cubo Cósmico (praticamente usado por Brubaker como um MacGuffin). Entra um personagem novo, o russo General Lukin com um plano que envolve o assassinato do Caveira. Quem o mata? Bucky! Ele, na verdade, não morreu e vinha atuando como agente russo desde que foi achado semi-congelado e desmemoriado no Mar do Norte. Mas o bacana é que Brubaker trouxe relevância à ressurreição do personagem, inserindo-o retroativamente na cronologia Marvel de forma brilhante, irretocável. Ele até mesmo justifica a existência de Bucky como “ajudante” do Capitão América durante a Segunda Guerra: ele fazia o trabalho sujo que o Capitão, como símbolo da nação americana, não podia ser visto fazendo. Só esse “lado negro” já seria suficiente para justificar a leitura de Ed Brubaker.
Mas as coisas não param por aí. Sem revelar muito, Brubaker não cai na armadilha fácil de colocar Bucky e o Capitão América conversando e fazendo as pazes e tudo fica normal. O Capitão está desolado pelo passado terrível de Bucky, agora chamado Soldado Invernal, em suas missões de espionagem e assassinato por décadas. Bucky está desolado por ter feito o que fez. Os dois não se aproximam, não se reconciliam.
E quando as coisas parecem melhorar um pouco, Brubaker, em uma cartada de mestre, assassina o Capitão América. Nada heroico. Ele está algemado, indo para o Tribunal, quando toma um tiro de um sniper, ou será que mais alguém está envolvido? É lógico que, como deixei claro no começo, toda morte em quadrinhos é transitória e a do Capitão América não poderia ser diferente, tendo em vista que é um dos heróis mais importantes da Marvel. Mas, isso fica para outra hitória…
Quadrinhos com essa qualidade – de heróis mainstream então! – são raríssimos e merecem ser saboreados.
Capitão América, vol. 5 – #1 a 25 (Captain America, vol. 5, – # 1 a 25)
Roteiro: Ed Brubaker
Arte: Steve Epting
Editora (nos EUA): Marvel Comics
Editora (no Brasil): Panini
Páginas: 744