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Crítica | Capitão América: Guerra Civil (Sem Spoilers)

por Ritter Fan
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  • Acessem, aqui, nosso índice do Universo Cinematográfico Marvel.

A luta de super-heróis contra super-heróis está no DNA dos quadrinhos mainstream desde sua gênese. Não há encontro de personagens que, em tese, deveriam estar do mesmo lado, sem que uma pancadaria entre eles aconteça em algum momento da história em razão de um mal entendido, somente para que eles se reúnam ao final para lutar com um mal em comum.

Guerra Civil, saga escrita por Mark Millar e publicada pela Marvel Comics entre 2006 e 2007 é, sem dúvida alguma, o ponto alto desse artifício narrativo nos quadrinhos dentro da continuidade normal dos personagens. O evento colocava o Homem de Ferro contra o Capitão América, não em razão de um desentendimento banal, mas sim em um fascinante embate ideológico, com o primeiro, sempre pragmático, defendendo o registro dos super-heróis, com a revelação de suas identidades secretas e uma supervisão de suas ações por um órgão superior como forma de se impedir o pior, e o segundo, sempre firme em seus ideais, lutando contra o que ele encara como cerceamento da liberdade e a transformação dos heróis em exércitos particulares de governos. O tratamento adulto e complexo dado por Millar sobre a responsabilização pelas consequências da ação de super-heróis pelo mundo rendeu um trabalho fora de série que não tem final feliz, não tem volta, não tem solução fácil, mesmo que, depois, em outras histórias, a situação tenha sido normalizada.

Como transportar uma história dessa magnitude para o Cinema foi um desafio gigantesco encarado pela Marvel Studios em uma escolha que, diria, foi arriscada e muito mais uma resposta ao anúncio de que a Warner/DC lançaria um filme inspirado na pancadaria entre heróis mais famosa da Nona Arte (mas fora de continuidade) do que algo que  vinha sendo planejado há mais tempo. Não que uma adaptação de Guerra Civil não viesse um dia, mas, talvez, tivesse sido necessário aguardar mais um tempo, com a chegada de novos heróis, para emprestar a magnitude necessária ao evento. De toda forma, o resultado foi um filme que, em seu âmago, discute o mesmo que a saga de Millar, mas que faz uso de uma versão mais sofisticada desses mal-entendidos super-heroísticos para impulsionar a história e criar a cizânia em meio aos Vingadores.

Apesar de ser um filme do Capitão América em nome, a grande verdade é que Guerra Civil funciona como um filme de equipe, um Vingadores 2.5, por assim dizer. Sim, o Capitão continua no centro, mas o filme é maior do que ele, com o Homem de Ferro tendo amplo destaque, além de introduzir o Pantera Negra (Chadwick Boseman) e o Homem-Aranha (Tom Holland) no Universo Cinematográfico Marvel.

Tudo começa com uma missão liderada pelo Capitão América (Chris Evans) dando muito errado, com a Feiticeira Escarlate (Elizabeth Olsen) arremessando o agora muito deformado Brock Rumlow (Frank Grillo) para o alto logo antes de ele se explodir, matando civis, dentre eles 11 de Wakanda. Esse evento deságua na propositura dos Acordos de Sokóvia (nome em homenagem ao país destruído em Era de Ultron) pela ONU, patrocinados pelo agora Secretário de Estado Thaddeus Ross (William Hurt) e de antemão aceitos por Tony Stark (Robert Downey Jr.), que estabelece a tal supervisão sobre as atividades dos heróis. A cisão acontece e, no ato de assinatura do tratado, um atentado que mata dezenas de pessoas, especialmente T’Chaka, o Rei de Wakanda (John Kani), é  creditado ao Soldado Invernal (Sebastian Stan) que, desde os eventos do segundo  filme do Capitão América, está desaparecido.

Com isso, uma cunha ainda maior é profundamente martelada entre os lados do conflito, com o Capitão, junto com Sam Wilson (Anthony Mackie), fazendo de tudo para salvar a vida de Bucky com o Homem de Ferro, junto com o Máquina de Combate (Don Cheadle) e o Pantera Negra, além de uma hesitante Viúva Negra (Scarlett Johansson), do outro lado. Por trás disso tudo, vemos vagarosamente ser apresentado e desenvolvido um vilão que parece inofensivo por não ser super-poderoso ou particularmente espalhafatoso: Helmut Zemo (completamente diferente dos quadrinhos), vivido por Daniel Brühl. É ele o responsável pela enorme “manobra” que leva ao conflito super-heroístico, o que sem dúvida retira um pouco da “pureza” da discussão  da questão  da responsabilização dos super-heróis pelas consequências de seus atos, mas, por outro lado, introduz um insidioso e fascinante vilão que tem uma motivação simples e clássica, ainda que seu plano seja extremamente complexo e dependente de aspectos externos para dar certo, algo muito presente em quadrinhos em geral.

Os Irmãos Russo comandam novamente a festa, depois do bem-sucedido Capitão América 2: O Soldado Invernal. Se o nervosismo de câmera característico dos diretores se faz  presente fortemente desde a sequência inicial em Lagos, com tremedeiras e uma decupagem frenética e quase cansativa, passando pela perseguição a Bucky em Bucareste e, depois, em Berlim, eles compensam com a ambiciosa sequência de luta no aeroporto. Sei que muitos fãs riem da pouca quantidade de heróis em um cenário “vazio”, algo muito diferente da profusão de personagens que vemos na saga original, mas imaginar algo diferente a essa altura do campeonato, com a quantidade de heróis até então apresentada, é ser muito inocente e, francamente, chato.

Essa pancadaria é puro quadrinhos. Vemos todos os super-heróis do núcleo duro dos Vingadores e mais agregados como o Pantera Negra, Homem-Aranha e Homem-Formiga (Paul Rudd), em um verdadeiro balé onde o destaque fica nas habilidades de cada um, com surpresas aqui e ali que são até vivamente comentada por um Tony Stark frustrado. É aqui que  vemos o potencial do filme efetivamente desabrochar, com os Irmãos Russo trabalhando muito bem suas câmeras, que param de chamar atenção para seus movimentos para dar espaço a quem está diante das câmeras, nos vários “mini-combates” que recheiam a pancadaria desenfreada.

O roteiro de Christopher Markus e Stephen McFeely desenvolve uma história que faz sentido e que volta para 1991 para lidar com evento que marcou a vida de Tony Stark, além de não se furtar de dar um belo fim à Peggy Carter e introduzir – agora com propriedade – sua sobrinha Sharon Carter (Emily VanCamp). Mas a necessidade de mais heróis atrapalhou o ritmo da fita. Mesmo considerando que a inserção do Pantera Negra no fluxo da história funcionou muito bem, não havendo nada o que reclamar nesse quesito, o desvio para o Queens para a introdução de Peter Parker é quase que um banho de água fria na progressão narrativa. A sequência em si é boa e divertida, mas ela não tem lugar no filme, muito claramente servindo apenas como um fan service para lá de exagerado, que só acrescenta tempo de duração ao filme. Se o objetivo era indicar a “volta ao lar” do Aracnídeo, então talvez tivesse sido melhor pagar para ver e apresentá-lo diretamente no combate no aeroporto, sem um “prelúdio”. De certa forma, o mesmo vale para o interlúdio no QG dos Vingadores, com o resgate da dama em perigo Feiticeira Escarlate pelo Gavião Arqueiro. Novamente, se vista separadamente, a sequência funciona, mas, dentro da estrutura proposta pela película, ela é um desvio enorme que esfria a ação e só acrescenta mais duração à obra que já não é curta.

Mas Capitão América: Guerra Civil, mesmo não sendo a Guerra Civil que conhecemos dos quadrinhos e mesmo considerando os problemas apontados, é um mais do que digno para fechar a trilogia do Capitão América e para pavimentar a estrada para Vingadores: Guerra Infinita e além. Um quebra-pau divertido que traz reflexão – impossível não indagar sobre que lado está certo – e que bebe muito diretamente do espírito dos quadrinhos da Marvel Comics.

Capitão América: Guerra Civil (Captain America: Civil War, EUA – 2016)
Direção: Anthony Russo, Joe Russo (Irmãos Russo)
Roteiro: Christopher Markus, Stephen McFeely
Elenco: Chris Evans, Robert Downey Jr, Scarlett Johansson, Sebastian Stan, Don Cheadle, Anthony Mackie, Elizabeth Olsen, Paul Bettany, Chadwick Boseman, Jeremy Renner, Paul Rudd, Tom Holland, William Hurt, Daniel Brühl, Marisa Tomei, Martin Freeman, Emily VanCamp, Frank Grillo, John Kani, John Slattery, Hope Davis, Alfre Woodard
Duração: 147 min

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