Home FilmesCríticas Crítica | Capitão América: Admirável Mundo Novo (Sem Spoilers)

Crítica | Capitão América: Admirável Mundo Novo (Sem Spoilers)

Um admirável esforço de costura de linhas narrativas esquecidas.

por Ritter Fan
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Desde que voltou a viver Han Solo em Star Wars: O Despertar da Força, em 2015, o vestuto veterano Harrison Ford parece ter encontrado um novo gosto por sua profissão e passou a tentar enveredar por caminhos diferentes – ou pelos quais ele pelo menos não havia ainda trilhado -, tratando de reprisar dois outros personagens icônicos de sua filmografia, Rick Deckard, no sensacional Blade Runner 2049, e Indiana Jones (este em um segundo retorno, claro), no injustamente desprezado Indiana Jones e a Relíquia do Destino, mas não parando por aí e decidindo estrelar não uma, mas duas séries de TV, Falando a Real, que é uma joia pouco comentada, e 1923, parte do Universo Yellowstone, por sua vez parte do Império Televisivo de Sheridan, além de um anúncio (quase um curta-metragem) de uma marca de carros dirigido por James Mangold que foi ao ar durante o último Super Bowl. Agora, quase que inevitavelmente, pois, se você é ator de Hollywood, isso se tornou regra, o Sr. Ford passou a fazer parte do Universo Cinematográfico Marvel em Capitão América: Admirável Mundo Novo, o quarto filme que leva o nome do herói no título, mas o primeiro em que ele é vivido por Sam Wilson, o personagem de Anthony Mackie.

Mas por que eu comecei falando de Harrison Ford, que vive o antagonista Thaddeus “Thunderbolt” Ross, substituindo o saudoso William Hurt no papel, se o filme é do Capitão América na versão passarinho? Simples, porque ele é um antagonista muito bem aproveitado no longa que, diria, divide o tempo de tela de igual para igual com o protagonista e, ainda por cima, entrega uma atuação muito contagiante e carismática que bebe dos trabalhos de Hurt no UCM, mas sem deixar de emprestar aquele estilo clássico próprio do ator que mistura doses cavalares de rabugice em meio a momentos de doçura e até comicidade. Confesso que fiquei positivamente surpreso com o tempo de tela de Ford no filme, com seu personagem recém-eleito à presidência dos Estados Unidos – que carrega sobretons de Donald Trump, inclusive na maquiagem avermelhada que não discretamente usaram no ator e que se conecta tanto ao seu futuro dentro do filme quanto ao alaranjado topetudo, mas sem realmente ser uma sátira dele, algo que se tornou tão lugar-comum que nem tem mais graça – tentando negociar um tratado multilateral sobre a destinação das riquezas achadas na mais nova ilha da Terra, uma formada por um Celestial morrendo ao nascer conforme visto no final de Eternos, como forma de tentar expiar os pecados de seu passado, o que lhe empresta uma camada interessantemente trágica que o roteiro consegue capturar com seriedade e fazer bom uso dela, mesmo considerando que o texto passou por cinco mãos (creditadas, pois tenho certeza de que foram mais), normalmente uma má notícia.

É esse acordo multilateral e os acontecimentos inesperados e misteriosos que gravitam ao seu redor graças a um vilão que permanece nas sombras talvez por tempo demais que torna a presença do novo Capitão América parte integral da narrativa, especialmente quando ele acaba sendo responsável por um atentado que envolve seu mentor e amigo Isaiah Bradley (Carl Lumbly), o “Capitão América da Guerra da Coréia”, que foi introduzido no UCM em Falcão e o Soldado Invernal, com Mackie, ainda bem, tendo espaço suficiente para fazer do manto que veste o seu próprio manto e não, apenas, uma “versão de Steve Rogers com asas”. No entanto, e isso é importante, o arco de desenvolvimento que leva Sam Wilson de Falcão a Capitão América acontece na citada série de 2021, pelo que o que vemos, aqui, é Wilson já plenamente investido em sua posição de símbolo, ainda que em uma determinada cena, lá pelo terço final, haja um momento que venha didaticamente fortalecer esse aspecto. Como Ford, Mackie não é um grande ator, mas também como Ford, Mackie parece realmente mergulhado e interessado em seu personagem e disposto a levar o que ele representa a um outro nível, nível esse que podemos até mesmo chamar de mais alcançável como inspiração, mais próximo dos “humanos normais”, algo que é reiterado pela relação de parceria e mentoria que ele tem com seu parceiro júnior Joaquin Torres (Danny Ramirez), o novo Falcão.

Em outras palavras, em termos de elenco e de atuações, Capitão América: Admirável Mundo Novo está muito bem servido, obrigado. Resta responder a uma outra pergunta: e em termos narrativos e de produção como um todo? Bem, essa resposta pode começar a ser respondida com uma afirmação que foi a primeira que me veio à cabeça quando os créditos começaram a rolar e que pode ser resumida ao fato de que estamos diante do primeiro longa do UCM em bastante tempo que impulsiona não apenas sua história, mas também a de um bom pedaço do universo em que está inserida. Isso é uma notícia apetitosa para aqueles que, como eu, aprecia essa interconexão entre filmes e séries ao longo desses anos todos em uma construção de universo sem precedentes no audiovisual, ainda que possa ser uma notícia ruim para quem deseja algo mais autocontido, que não dependa muito de conhecimentos prévios. Mesmo com o esforço da tropa de roteiristas em trazer explicações contextualizadoras (e muitas vezes cansativamente didáticas) de forma a não deixar ninguém muito perdido, o mero fato de o longa ser, basicamente, uma continuação de O Incrível Hulk (do longínquo ano de 2008) e ao mesmo tempo de Falcão e o Soldado Invernal, com pitadas (ok, talvez mais do que apenas pitadas) de Os Eternos, além de uma importante e repetida citação a algo mais do que relevante para personagens que ainda não foram introduzidos de verdade no UCM, mas que todo mundo está com água na boca para saber como isso acontecerá, já faz dele uma espécie de prova do ENEM de conhecimentos uceêmicos.

Tenho para mim, porém, que o saldo geral da tentativa de equilíbrio entre ser um degrau de uma longa escadaria e ser uma escada independente é positivo, com o roteiro funcionando porque tenta seguir o molde de Capitão América: O Soldado Invernal – grande vilão secreto que leva à reviravoltas, clima de espionagem e assim por diante – e porque foca com força no arco de Ross, usando o Capitão América como veículo relevante de bons conflitos, sejam os de natureza puramente verbal, sejam os de pura pancadaria. No entanto, é muito provável que, como é comum acontecer em blockbusters, especialmente os de super-heróis, o longa tenha sofrido intermináveis alterações de relevo ao longo de seu processo criativo e de produção, o que resultou em um arrefecimento de toda e qualquer sensação de emergência e de perigo que um dia pudesse ter havido nele, com a introdução e defenestração de personagens na base de porta giratória que, confesso, chega a ser engraçado, incluindo aí tanto o “vilão do preâmbulo” quanto o “vilão nas sombras” que acabam mal aproveitados quando a poeira baixa, além de sequências de ação que parecem existir somente por existir.

Aliás, falando em sequências de ação, talvez nesse tocante o problema maior seja ter entregue o longa a um diretor inexperiente como Julius Onah. Na verdade, corrigindo-me, já que os Irmãos Russo também eram inexperientes quando despontaram em O Soldado Invernal, a um diretor inexperiente como Julius Onah em um ambiente de produção infinitamente mais controlado por executivos – para não dizer completamente opressivo – em que ele provavelmente não passou de um cumpridor de ordens contraditórias e desconexas. O resultado é que falta personalidade ao longa. A pancadaria é “okzinha” (a melhor é facilmente o combate aéreo, com a última deixando a desejar por ser curta e, talvez, fácil demais), a decupagem funciona estritamente naquilo que parece vir de ideias coesas, mas, mesmo assim, é básica e nada inspirada, com os trabalhos de direção de arte e de fotografia seguindo a mesma veia sem graça que acha que colocar algumas Cerejeiras em flor resolve tudo. É quase como se a Marvel Studios tivesse rebobinado tudo e produzido com seu método atual um filme em 2008, ou seja, tirando toda a possibilidade de a direção entregar algo minimamente ousado visualmente. Eu fico imaginando Admirável Mundo Novo como O Soldado Invernal, já que os paralelos são evidentes, e me contorcendo ao chegar à conclusão que havia o potencial para ele chegar lá.

Mesmo, porém, tendo ficado bem longe de um dos melhores longas do UCM (talvez seja injusto desejar isso, mas não é não, só para ser bem claro), Capitão América: Admirável Mundo Novo consegue se segurar bem como uma obra útil e funcional à cada vez mais complexa rede de filmes e séries de Kevin Feige e que tem como ponto algo suas duas estrelas carismáticas carregando com pompa e circunstância o manto de atores e personagens melhores que vieram antes deles. Não é exatamente um “mundo novo” para o Universo Cinematográfico Marvel, mas é um passo largo na direção certa que traz de volta linhas narrativas esquecidas, introduz elementos e personagens novos e versões novas de personagens já conhecidos e, no frigir dos ovos, ainda consegue ser um filme que tem uma boa história para contar, mesmo que sua execução pareça tímida demais. O próximo passo lógico é Harrison Ford aparecer lá na Distinta Concorrência também!

Obs: Há uma única cena pós-créditos (lá no final mesmo) que não é muito inspirada e que parece fazer força demais para conectar-se como a próxima fase do UCM.

Capitão América: Admirável Mundo Novo (Captain America: Brave New World – EUA, 2025)
Direção: Julius Onah
Roteiro: Rob Edwards, Malcolm Spellman, Dalan Musson, Julius Onah, Peter Glanz
Elenco: Anthony Mackie, Harrison Ford, Danny Ramirez, Shira Haas, Carl Lumbly, Xosha Roquemore, Jóhannes Haukur Jóhannesson, Giancarlo Esposito, Liv Tyler, Tim Blake Nelson, William Mark McCullough, Takehiro Hira, Sebastian Stan
Duração: 118 min.

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