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Crítica | Capitão América: Admirável Mundo Novo (Com Spoilers)

O suficiente?

por Kevin Rick
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  • Leiam, aqui, a crítica sem spoilers.

Capitão América: Admirável Mundo Novo é um filme que vem na contramão do que o Universo Cinematográfico Marvel tem oferecido nos últimos anos (e do que deve oferecer no restante dessa saga) e do que as massas têm preferido em grandes franquias, porque é uma produção que olha pra frente, que passa o manto de um personagem icônico e que está desesperadamente tentando contar um novo tipo de história com o Capitão América, por mais que não deixe de olhar para as raízes da franquia em Capitão América: O Soldado Invernal como inspiração. Infelizmente, em terra de nostalgia e de referências, esse tipo de perspectiva acaba valendo pouco para quem quer o mais do mesmo (temo, inclusive, pela bilheteria do filme, porque, se bombar, só confirmará que o estúdio vai continuar apostando em bobagens como Deadpool & Wolverine). É uma pena viu, porque desde a falha – mas interessante – Falcão e o Soldado Invernal, sou bem curioso para continuar acompanhando a trajetória de Sam Wilson (Anthony Mackie) pegando o bastão, ou melhor, o escudo de Steve Rogers para criar seu próprio legado, e como essa transição ganha contornos políticos interessantíssimos em torno dos EUA terem um Capitão América negro.

Dito isso, não podemos negar que a história do filme é atabalhoada, muito por conta das diversas refilmagens, mudanças de roteiro (que passou por no mínimo cinco mãos) e a construção de um filme narrativamente Frankenstein, que pega um pouco de tudo que aconteceu de maneira pregressa no UCM para desenvolver uma trama que nem sempre parece orgânica ou coesa, como se grande porção da obra tivesse sido remoldada na pós-produção. Até que não sou contrário às interconexões que o texto faz, que, como meu colega Ritter expôs na crítica sem spoilers, trazem uma curiosidade para quem gosta de acompanhar o UCM de perto em suas diversas tramas e em seu universo sempre expansivo – para quem vem veio dos quadrinhos, como eu, é algo ainda mais chamativo -, mas é perceptível como o estúdio tem encontrado maior qualidade em produções autocontidas, que dependem menos de contextos e amarras de filmes anteriores ou produções que estão por vir.

Em linhas gerais, Capitão América: Admirável Mundo Novo acaba soando como uma sequência tardia de O Incrível Hulk e uma continuação eficiente de Falcão e o Soldado Invernal, mas puxando elementos de Eternos e Guerra Civil, além de estabelecer possíveis componentes da nova formação dos Vingadores, de Thunderbolts*, do multiverso em Guerras Secretas e até do Pantera Negra, com a apresentação do Adamantium, vindo dos restos mortais do Celestial – um conceito que não gostei – como uma possível resposta para o Vibranium. Talvez esteja me adiantando, mas tem muita coisa acontecendo nesse filme, com muita exposição e muita linhas narrativas que aparecem e não desaguam em nada. No meio de tudo isso, temos Thaddeus “Thunderbolt” Ross (Harrison Ford) eleito como o presidente dos Estados Unidos, servindo como um contraponto provocativo para Sam, que desconfia de Ross ao mesmo passo que não recusa trabalhar com ele, em um relacionamento que passa por diversas fases ao longo do filme, ganhando os holofotes da história em uma surpreendentemente positiva participação do ex-general no UCM. É uma pena que William Hurt não pôde dar vida a essa versão do personagem, mas é inegável que Ford toma para si o manto de Ross e deixa uma interpretação marcante, que inclusive espero que volte a reprisar na franquia.

Dado o contexto, vamos rebobinar um pouco, voltando ao começo da fita, que é absolutamente sensacional. No início da obra, temos um salto temporal de cinco meses depois da vitória de Thaddeus Ross, onde vemos que o presidente enviou Sam Wilson e Joaquin Torres (Danny Ramirez), o novo Falcão, para impedir a venda ilegal de itens confidenciais roubados pela equipe do Seth Voelker (Giancarlo Esposito). Depois de recuperarem os itens, Wilson e Torres treinam com Isaiah Bradley, o ‘Capitão América da Guerra da Coréia’, que foi preso e submetido a experiências pelo governo dos EUA por três décadas – personagem interessante, que levanta temas desconfortáveis e importantes, e sempre muito bem atuado por Carl Lumbly -, até que são convidados para uma cerimônia na Casa Branca com diversos líderes mundiais, onde, de surpresa, Bradley e outros convidados, aparentemente manipulados mentalmente, tentam assassinar o presidente.

O que é estabelecido nesse bloco inicial da produção é do mais alto gabarito narrativo. Em síntese, temos um thriller de conspiração com camadas de paranoia e de espionagem em torno da tentativa de assassinato do presidente, com uma corrida armamentista do Adamantium como background do palco bem estabelecido para Sam se aventurar como o Capitão América em um complicado conflito geopolítico em ebulição. Além disso, os primeiros minutos da narrativa trazem à tona os comentários sociais e raciais, bem como o peso do legado de Steve, que eram tópicos relevantes na série protagonizada pelo personagem – a cena final no bunker, em que Ross diz que Sam não é Steve Rogers, é o ponto de exclamação de um primeiro ato incrivelmente promissor. Infelizmente, o que vem depois disso deixa a desejar e não desenvolve completamente o que é sugerido no começo da obra.

Logo de cara, a participação do personagem de Giancarlo Esposito mostra-se horrível. Não me entendam mal, porque o ator é excelente sempre que está em cena, trazendo um senso de urgência e uma presença marcante à ação e aos diálogos, algo que falta muito no restante do longa, mas o antagonista secundário em si parece ter sido encaixado como uma reflexão tardia – resultado das refilmagens -, soando deslocado, desperdiçado e esquecido à medida que a trama progride. Tenho uma sensação similar com Ruth Bat-Seraph (Shira Haas), uma ex-Viúva Negra (he, he), que também parece mal encaixada no enredo, sempre sobrando nos eventos como se não importasse ela estar ali ou não, mas que tem uma participação ainda mais negativa por conta da interpretação sem sal, sem pose e sem qualquer traço de personalidade da estranhíssima Haas.

O mais decepcionante, porém, é a falta de aprofundamento e principalmente de escalonamento da história. Aos poucos, o mote em torno do Adamantium, do corpo do Celestial, dos líderes mundiais e de todas as indicações de uma narrativa global intrigante com tons de suspense vão se esvaziando, se revelando como simples contextos para uma historinha genérica de vingança quando descobrimos que o grande vilão do filme é Samuel Sterns (Tim Blake Nelson), um cientista que foi contaminado com a radiação gama e ganhou uma super inteligência junto de uma aparência asquerosa. O personagem foi manipulado e usado por Ross durante anos, até chegar na presidência, razão pela qual Sterns deseja revelar a verdadeira face do seu algoz para o mundo todo, contaminando seu legado. Talvez em outro filme ou com um roteiro com estrutura melhor, houvesse espaço para algo relevante aqui sobre isso, mas a sensação que fica com a apresentação surpresa do vilão, que, aliás, pouco aparece e pouco deixa uma impressão ao longo da história – apesar de Nelson ser um bom ator -, é de que os roteiristas não sabiam – ou não puderam – desenvolver algo um pouco mais intricado, mais coeso, mais engajante, do que simplesmente enfiar coadjuvantes que entram e saem de cena para mover a trama e não para se moverem junto dela.

O que realmente segura a qualidade razoável do filme é a dinâmica entre Sam e Ross. Começando pelo ex-general, temos um arco surpreendentemente bacana de transformação, arrependimento e redenção de um indivíduo complexo e por vezes detestável dentro das narrativas da Marvel, tanto no cinema, quanto nos quadrinhos. Felizmente, o roteiro não suaviza o personagem, nem floreia demais sua mudança de coração, deixando-o empático o suficiente para acreditarmos em sua jornada – com rápida, porém boa participação de Betty Ross (Liv Tyler) como norte moral do mesmo -, mas realisticamente infame para não relativizarmos seus pecados. Ford caminha muito bem nessa linha fina entre carisma e antipatia, entre um suposto salvador do mundo e um autoritário com senso de grandeza, tornando seu personagem sempre o centro das atenções em qualquer cena. Por mais problemas que o roteiro do filme tenha, a forma como Ross é escrito e especialmente o espaço e a minutagem dada para trabalhá-lo não é um deles, com um possível antagonista tornando-se um baita coadjuvante que às vezes parece coprotagonista.

O mais interessante da participação extensa de Ross é que o roteiro consegue dar os holofotes a ele sem ofuscar o protagonista. Desde o início da produção, eu gosto da abordagem do texto com Sam, trazendo sua difícil posição – tanto por seguir Steve, por não ter poderes e, claro, por ser negro – ainda se encontrando como um Capitão América que não é um super soldado e que precisa seguir líderes em que não acredita. O roteiro acaba não se enveredando tanto por questões ideológicas – é um narrativa até politicamente mais branda do que eu imaginava -, mas constrói com qualidade esses conflitos internos do personagem em ser ou não suficiente, no sentido duplo da palavra, olhando objetivamente para a parte física, mas com um subtexto racial muito claro. As cenas de Sam com Bradley, Bucky – Sebastian Stan em um cameo curto, mas importante para acenar para o buddy cop da dupla – e com Joaquin, em especial a bonita sequência no hospital, revelam bastante do personagem, trazendo aquele tipo de herói mais humano, mais identificável e mais clássico do gênero. Encontro muitas correlações do roteiro aqui com o próprio arco do Miles Morales, na narrativa de “Imma Do My Own Thing” com o manto icônico das HQs que vem cercada de personagens negros e suas perseguições sem sentido e expectativas desmedidas.

Inclusive, gostaria de abrir um grande parênteses na crítica aqui, para falar um pouco de questões externas à produção. Muitas críticas negativas ao filme parecem seguir uma leitura equivocada de que a obra de alguma forma não potencializou sua críticas políticas ou culturais ao deixar de ironizar o contexto sociopolítico estadunidense atual ou então que perdeu a oportunidade de colocar Sam contra o presidente (sendo que a proposta do filme é exatamente o oposto disso, mas sem nunca deixar de problematizar a relação complicada entre ambos, espelhando questões sociais maiores), como se um filme de bonequinho tivesse que salvar o mundo e como se por simplesmente ter um personagem negro, a história tem o “dever” de levantar uma bandeira progressista-agressiva contra problemas fundamentais da sociedade moderna. O filme talvez poderia ter ido nessa onda, talvez poderia ter satirizado Donald Trump – que, na minha visão, nem funcionaria aqui, porque Ross é mais Nixon do que MAGA -, talvez poderia ter ido mais à fundo em seus comentários sociais, mas são muitos talvezes dentro de expectativas pessoais. Os problemas do filme são de outra ordem, de questões estruturais, narrativas e técnicas (mais disso à frente), que não potencializam o que é apresentado no bloco inicial do longa.

Tecnicamente falando, a produção não impressiona, mas também não deixa de ser eficiente. Falta um senso de urgência e de perigo à medida que o filme anda, mas penso que isso é mais culpa da história morna do que necessariamente da direção de Julius Onah, que se esforça bastante nas sequências de ação terrestres que tentam emular O Soldado Invernal – sem o mesmo efeito prático e tenso dos Russos, claro – e que entrega um trabalho até bem competente nos combates aéreos, de longe os melhores momentos que o blockbuster oferta pura adrenalina. Penso que é até fora da ação que Onah tem maior dificuldade em estabelecer algum tipo de trabalho visual de personalidade, nunca encontrando o tom de thriller que parece buscar, seja pela forma como a narrativa, como disse anteriormente, não é coesa ou esperta o suficiente para criar uma atmosfera de espionagem e conspiração como sugere inicialmente – a própria fotografia fria e a trilha sonora de suspense tentam empregar algo, mas sem sucesso -, seja pela falta de um antagonista marcante. Pergunto-me o que o filme pareceria com Esposito ganhando um espaço de verdade.

De qualquer forma, acho que Sam é bem usado dentro das limitações de Onah. Mesmo com um trabalho bem protocolar e burocrático, o cineasta consegue incorporar o estilo de luta do personagem ao corpo da ação de uma forma que seus “poderes” ganhem algum tipo de presença visual. A luta final com o Hulk Vermelho também me agradou – vi muita gente reclamando do CGI, mas não notei nada grosseiro -, tanto pelo peso dramático em torno da transformação do Ross, chegando a ser curioso e uma quebra de expectativa inteligente tornar o maior chamariz visual da obra um momento “ruim” para o personagem, quanto pela forma que encontram diferentes maneiras de equilibrar a luta sem negar as limitações de Sam – e potencializando seu arco de ser o Capitão América sem o super-soro, até com muito bom humor. O próprio uso da tecnologia de Wakanda, que de início parece uma saída cretina, é um artificio bem usado para nivelar a diferença de força e criar bons momentos na coreografia.

A pergunta que ficou na minha mente ao final de Capitão América: Admirável Mundo Novo foi a de se o filme foi suficiente, como Sam indaga na terna cena com Joaquin no hospital. Não sei se é uma pergunta adequada para o filme, ainda mais um que passou por um processo criativo complicado de mudanças constantes. Mas o mais próximo que consigo enxergar de uma resposta é que o longa tem problemas demais para realmente destacar-se dentro do UCM, com o peso negativo de prometer muito em seu bloco inicial e decepcionar à medida que não vemos os elementos iniciais de destaque serem desenvolvidos. Ainda assim, o resultado final está bem longe de ser um desastre, entregando uma produção relativamente competente, que resgata muita coisa da franquia da Marvel nos cinemas e propõe tramas interessantes para o futuro, enquanto ainda mantém-se como um entretenimento satisfatório e temporário, muito por conta da ótima dinâmica entre Sam e Ross; e, claro, Mackie e Ford, que entregam tudo que podem. No final, diria, porém, que esse Capitão América é mais do que suficiente, sendo um personagem muito interessante e que espero ver mais vezes nessa nova fase do UCM, quem sabe com um entorno narrativo a contento que possa fazer jus ao protagonista.

Capitão América: Admirável Mundo Novo (Captain America: Brave New World – EUA, 2025)
Direção: Julius Onah
Roteiro: Rob Edwards, Malcolm Spellman, Dalan Musson, Julius Onah, Peter Glanz
Elenco: Anthony Mackie, Harrison Ford, Danny Ramirez, Shira Haas, Carl Lumbly, Xosha Roquemore, Jóhannes Haukur Jóhannesson, Giancarlo Esposito, Liv Tyler, Tim Blake Nelson, William Mark McCullough, Takehiro Hira, Sebastian Stan
Duração: 118 min.

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