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Crítica | Capitã Marvel (2012-2014)

por Ritter Fan
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  • spoilers dos quadrinhos.

Graças às incansáveis renumerações da Marvel Comics, a primeira publicação solo de Carol Danvers como Capitã Marvel teve, apenas, 17 edições publicadas entre setembro de 2012 e janeiro de 2014, com direito a um crossover com Avengers Assemble Kelly Sue DeConnick quase que completamente à frente de tudo. A mesma roteirista continuaria escrevendo Capitã Marvel quando a publicação foi zerada e reiniciada, mas esse outro volume será analisado em seu devido tempo.

Para facilitar a compreensão de todos e também a minha organização (e sanidade), optei por abordar cada um dos dois primeiros arcos narrativos separadamente, In Pursuit of Flight e Down, como foram batizados nos encadernados americanos. No entanto, esses dois arcos só cobrem até a edição #12. As duas edições seguintes – #13 e 14 – fizeram parte de um crossover de cinco partes com Avengers Assemble, começando com um one-shot batizado de Avengers: The Enemy Within e depois intercalando as edições #16 e 17 de Avengers Assemble com as de Capitã Marvel. Esse crossover foi analisado como os arcos anteriores, ou seja, separadamente.

Encerrado The Enemy Within, porém, a publicação solo da personagem continuou diretamente com duas edições que são tie-in da saga Infinito, que ganharam o título Kiss Today Goodbye (#15 e 16). Novamente, abordei esse mini-arco, se é que posso chamar assim, separadamente.

Somente depois do tie-in é que a revista foi encerrada com a edição #17, especial, sem título e com mais páginas, e que realmente funciona como um epílogo, além de preparar o terreno para o futuro da heroína. Pode parecer confuso, mas confiem em mim que essa divisão que resolvi fazer faz sentido e está, espero, abordado a contento abaixo.

Vamos lá?

In Pursuit of Flight
(Capitã Marvel #1 a 6)

Apesar de Carol Danvers ter estado no radar dos leitores da Marvel Comics desde 2006, com o segundo e longevo título solo da Miss Marvel, além da presença constante da heroína em Poderosos Vingadores, a grande verdade é que Kelly Sue DeConnick tinha uma missão difícil pela frente, que era repaginar a heroína e posicioná-la como uma das mais relevantes dos tempos bem recentes da editora. E ela não perde tempo ao fazer o que deveria ter sido feito há muitos e muitos anos, ou seja, fazer com que a heroína adotasse o mesmo nome do saudoso Capitão Marvel original, já que foi nas aventuras clássicas do herói Kree que Danvers ganhara seus poderes. Além disso, claro, um novo uniforme era necessário para fazer a personagem graduar visualmente de Miss, para Capitã Marvel.

E a autora faz isso sem perder tempo com explicações e já apresenta Danvers usando seu novo uniforme e recebendo uma sugestão do Capitão América de adotar o codinome honorífico. E uma sugestão do Capitão América não pode ser simplesmente descartada, não é mesmo? Com isso, a legitimação da heroína é imediata. Mas DeConnick não poderia parar apenas por aí. A Capitã Marvel precisava de mais para firmar-se como tal.

Mas, no lugar de fazer o mais fácil, que seria ignorar o passado e só olhar para a frente, o que tira o peso da continuidade e tornaria mais simples qualquer leitor, mesmo que nunca tivesse ouvido falar de Carol Danvers, usasse a primeira edição como ponto de entrada, DeConnick faz o inesperado e justamente mergulha completamente no passado, tirando de lá não só o material para esse primeiro arco, mas para todo esse primeiro volume da Capitã Marvel, inclusive – e especialmente – o tal crossover com os Vingadores que mencionei acima e abordarei em detalhes abaixo.

E, como ela faz isso? Usando o artifício sci-fi mais comum possível: a viagem no tempo. Mas não só a viagem no tempo. Para começar, a roteirista desencava Tracy Burke lá do baú da Marvel Comics. A personagem surgira lá atrás em Miss Marvel #8, como uma jornalista que é retirada da aposentadoria por Danvers para que ela a ajude na editoria da revista Woman. Burke, que já não era nada simpática nesse passado longínquo, continua extremamente antipática e briguenta agora, mesmo diagnosticada com câncer e sendo constantemente ajudada por Danvers. Esse resgate do passado começa a firmemente ancorar o arco na mitologia da personagem. Além disso, em um retcon de leve e completamente benigno, DeConnick revela que Helen Cobb, uma das pilotos femininas mais importantes dos EUA fora ídolo de uma Danvers ainda jovem e sua morte, anunciada no início do arco, é o catalisador para que Carol herde seu avião e, com ele, misteriosamente, comece a viajar pelo tempo, primeiro na 2ª Guerra Mundial ajudando um batalhão de mulheres – o Esquadrão Banshee – lutando em uma ilha na costa do Peru contra japoneses usando tecnologia Kree e, depois, no começo dos anos 60, conhecendo uma Helen Cobb ainda jovem e lutando para poder ser astronauta.

Com isso, o que a roteirista faz é amarrar a narrativa firmemente ao redor do “psyche-magnitron”, a máquina Kree cuja explosão fundiu o DNA de Mar-Vell com o de Danvers, resultando na criação da Miss Marvel. Não é um roteiro completamente original, mas DeConnick tem claramente como objetivos fazer um panorama completo de Carol Danvers. A Capitã Marvel não surgiu do nada e, para a autora, seu passado é o que dá estofo para seu futuro e esquecê-lo, para ela, é um grande erro. E ela está absolutamente certa. Não é necessário varrer origens – mesmo que complexas e cheias de vai-e-vem – para debaixo do tapete. Uma narrativa inteligente, como certamente é essa aqui do primeiro arco, consegue costurar a essência de tudo em um conjunto harmônico que constrói muito bem a heroína que ela quer. Claro, os retcons sobre o passado de Danvers como piloto, algo que vinha já desde o volume 2 de Miss Marvel, tem um peso aqui, mas não é o único peso. O olhar de conjunto é importante e beneficia tanto os leitores novos como os veteranos, encontrando um equilíbrio.

A arte do arco, até a edição #4, ficou por conta de Dexter Soy, uma escolha bem arriscada, especialmente considerando a dificuldade da missão de DeConnick. Digo isso porque o filipino não tem uma arte tradicional, capaz de universalmente agradar, algo que um título em seu início normalmente precisa fazer. Pessoalmente, acho o trabalho dele pintado em guache – ou talvez o equivalente digital disso – extremamente interessante e visualmente apaixonante, com personagens mais “trogloditas” e sequências de ação ricas em detalhes e cores cheias de nuances. Por vezes ele erra nas feições dos personagens, algo especialmente notável no caso do Capitão América, que parece um Skrull, mas não é nada que detraia do todo. Nas edições #5 e 6, Soy sai e entra Emma Rios, artista com lápis mais delicado, mas também longe do tradicional, com corpos esguios no estilo “ultra deformado”, que existem uma curva de aclimatação mais alongada, pelo menos no meu caso.

Assumindo vários riscos, Kelly Sue DeConnick é bem-sucedida em espanar a poeira de Carol Danvers e em reposicioná-la como Capitã Marvel já nesse primeiro arco. Às vezes, o caminho mais complexo é o mais aconselhável e, equilibrando passado, presente e futuro, a roteirista da forma à nova persona da tradicional personagem do panteão da Marvel Comics.

Down
(Capitã Marvel #7 a 12)

O segundo arco começa com uma divertida e leve reunião da Capitã Marvel com a primeira Capitã Marvel, Monica Rambeau. Então com o codinome Pulsar, Rambeau pede ajuda para Danvers em uma missão submarina para entender o porquê de tantos naufrágios no Golfo do México, na costa de Nova Orleans. Monica tem um trauma do passado com mergulhos e o uso de seus poderes debaixo d’água e convoca Carol para descobrir o que está acontecendo.

A reunião é interessante e inusitada pela forma como Rambeau cobra de Danvers o uso de “seu” codinome, o que mantém as duas em um “pé de guerra amistoso” do começo ao fim, com direito até mesmo da fusão momentânea das duas para lidar com a ameaça da vez, um robô gigantesco que parece retirado de algum ferro-velho de Círculo de Fogo (e não escrevo isso pejorativamente, que fique claro!). Além disso, Kelly Sue DeConnick aproveita a oportunidade para trazer à tona (sem trocadilho), outro personagem do passado remoto de Danvers, o repórter bonitão Frank Gianelli, que passa a fazer parte da lista de coadjuvantes fixos da personagem.

Mas o foco do arco passa a ser abordado depois dessa historieta original: o diagnóstico de uma estranha formação no cérebro de Carol que faz com que voar seja arriscado para ela. DeConnick trabalha bem a lógica por trás dessa doença, um legado de sua fusão com o DNA Kree e porque voar é que é o problema, com a consequência sendo potencialmente um tipo de derrame que não matará a personagem nem a incapacitá-la fisicamente, mas sim apagará todas as suas memórias, algo que é relacionável para todos, mas mais especificamente para ela, já que seus poderes e memória foram, uma vez, absorvidos por Vampira.

Com se isso não bastasse, vilões do passado de Carol começam a aparecer, com um misterioso vilão por trás de tudo. Aqui, vemos o direto desenrolar da trama que DeConnick iniciara no primeiro arco, mostrando que a roteirista tinha um claro plano desde o começo e sempre lidando com a memória, com o passado, com o legado da personagem. E, sem trair a lógica, o final do arco revela que a mente por trás de tudo é ninguém menos do que o próprio Yon-Rogg, primeiro vilão do Capitão Marvel e responsável pela transformação de Danvers em Miss Marvel. Fica no ar como as coisas se conectam, o que só seria resolvido no crossover de Capitã Marvel com Avengers Assemble.

Dexter Soy novamente começa na arte nas duas primeiras edições do arco, depois abrindo espaço para Filipe Andrade com seu estilo mega-deformado, que transforma os personagens em seres extremamente esguios, sem se preocupar muito com proporções anatômicas. Confesso que não é do meu estilo e Andrade ainda estabelece uma progressão narrativa dos quadros que pode confundir os menos atentos, exigindo algumas breves releituras.

O segundo arco de Capitã Marvel começa descompromissado e, depois, aborda questões que mexem com os fundamentos da heroína. Carol Danvers sem voar não é ninguém e ela tem que lidar a duras penas com isso e, ainda por cima, enfrentar sua galeria de vilões que surge do nada de seu passado remoto, em mais um exemplo de como DeConnick sabe trazer o passado para o presente para estabelece o futuro.

The Enemy Within
(crossover de Capitã Marvel #13 e 14 com
Avengers: The Enemy Within e
Avengers Assemble #16 e 17)

Ambiciosa a estratégia de Kelly Sue DeConnick e da Marvel Comics para encerrar a história macro iniciada pela roteirista na primeira edição de Capitã Marvel. No lugar de deixar a aventura circunscrita à super-heroína, com eventuais convidados especiais, houve a conversão da história em um crossover propriamente dito em cinco partes, duas edições de Capitã Marvel, duas de Avengers Assemble e uma one-shot que dá o pontapé inicial ou, para ser mais exato, pega o gancho do arco anterior e continua a narrativa, preparando-a para o final potencialmente cataclísmico.

Apesar de transformar sua história em um grande evento, com Yon-Rogg, agora rebatizado – com direito a uniforme de super-vilão – de Magnitron (sim, o nome foi retirado da máquina Kree que criou Miss Marvel), usando os Sentinelas Kree para reconstruir Hala (???) e fazê-la repousar em cima de Nova York, destruindo a cidade e matando todo mundo no processo. A magnitude da história tem ares de pastiche e desconfio muito fortemente que foi algo proposital de DeConnick, considerando a jocosidade com que ela vinha abordando Capitã Marvel desde o começo, mesmo considerando os temas sérios que ela aborda. E, diria, é só assim, meio na galhofa, que o plano-mestre de Yon-Rogg realmente funciona, pois, se o levarmos a sério, ele é apenas mais um daqueles planos de dominação mundial que eram comuns nas Eras de Ouro e de Prata dos quadrinhos, mas que, hoje, parece datado e deslocado.

O que realmente importa é como os eventos do passado remoto de Carol Danvers vão em um crescendo constante, na mesma proporção em que sua saúde deteriora. É a desconstrução e reconstrução da personagem, esse sim um plano-mestre interessante de DeConnick. Como já disse antes, ela usa o que veio antes para estabelecer as bases para o que quer construir para a frente e, nesse tocante, ela é bem-sucedida.

No entanto, quando mergulhamos com mais vagar no plano vilanesco, ele é estranho e conveniente demais em termos narrativos. Os invencíveis Sentinelas são derrotados no atacado pelos Vingadores, inclusive pelo Gavião Arqueiro e suas flechinhas. A explicação para tudo é desconjunta e exige mais do que suspensão de descrença. Exige um completo fechar de olhos para que possamo glosar as inconsistências. Sem dúvida diverte, mas um crossover dessa natureza precisava de algo mais coeso e chega a ser desapontador que a roteirista não consiga entregar o desfecho narrativamente lógico que ela vinha preparando.

O quesito arte é mais difícil de abordar de maneira direta, já que a transição entre revistas significou a transição de times criativos e ao mesmo tempo que temos o estilo mais sóbrio de Scott Hepburn em um canto e os traços mais “infantis” de Matteo Bufagni em outro, temos algumas páginas por outros artistas ainda, como Gerardo Sandoval. A inconsistência não ajuda, mas também não é o fim do mundo.

Kiss Today Goodbye
(Capitã Marvel #15 e 16
tie-in da saga Infinito)

Tenho a impressão que a 15ª edição de Capitã Marvel seria a última, mas o advento da saga Infinito deve ter feito a Marvel Comics manter viva a publicação por duas edições a mais para servirem de tie-in. Quem me acompanha aqui no site sabe como eu detesto tie-ins em meio à publicações normais das editoras, mas esse aqui, apesar dos pesares, é até passável.

O primeiro problema é que Infinito é uma saga bem complexa e ler esses tie-ins sem conhecê-la não faz sentido algum, já que somos jogados imediatamente no meio da ação, sob o ponto de vista de Carol Danvers, claro. O outro problema é que The Enemy Within acaba com um grande sacrifício da Capitã e o tie-in começa não o ignorando, mas forçando uma elipse de passagem de tempo que incomoda, deixando o assunto com uma abordagem didática pelos balões de pensamento de Carol, o que até diminui o que ela fez para salvar Nova York.

Mas não havia espaço para lidar com isso aqui. A vantagem é que DeConnick pelo menos não desperdiça o tie-in completamente e tenta não só situar o leitor em meio à (boa) mixórdia que é a união intergalática contra os Construtores, como também aproveita para trabalhar outro aspecto do passado remoto de Carol: sua persona super-poderosa Binária. Usando a pancadaria para mostrar que a personagem ainda consegue canalizar os poderes cósmicos, a roteirista estabelece a possibilidade do aumento exponencial de seus poderes, algo sempre útil em momentos apertados.

No final das contas, tie-in é tie-in e temos que aturar. Esse aqui, apesar de não ser dos piores, pode ser muito facilmente pulado se o leitor quiser. Afinal, o verdadeiro encerramento do maxi-arco de DeConnick dá-se na edição seguinte, que encerra o volume.

Capitã Marvel #17

Ao longo de todo o volume, Kelly Sue DeConnick introduziu a fofíssima menininha Kit, vizinha e fã número 1 da Capitã Marvel, desenvolvendo ternamente esse laço de amizade entre as duas. E, aqui, a roteirista faz um belo uso dessa fofice toda como uma forma de reconstruir as memórias perdidas de Carol Danvers, ao final de The Enemy Within.

Esse é ponto focal da história, que conversa de maneira circular com tudo o que vinha sendo trabalhado desde a primeira edição: o passado e a memória com alicerces do futuro. Kit é, basicamente, a Carol do futuro, tendo ou não poderes, pois isso não é o que importa.

E, seguindo essa tendência e lidando de maneira esperançosa com o futuro da heroína, DeConnick introduz uma nova vilã, uma desenvolvedora de aplicativo de celular que tem obsessão por ser famosa e adorada, invejando Carol no processo. A maneira como a vilã é abordada e meteoricamente transformada em uma ameaça parece muito forçada, como aquele cliffhanger de série de TV marretado ao final do último episódio. Não era necessário ver a vilã como vilã ainda, mesmo que tudo desemboque em um “momento Spartacus” que é sempre bonito, mas clichê até a raiz do cabelo. Teria sido bem mais interessante se a roteirista cozinhasse a personagem por mais tempo.

Ah, claro, é aqui que vemos Kamala Kahn pela primeira vez. Mas só de costas e sem falas em um momento estranho se a compararmos com o que sabemos dela hoje.

Capitã Marvel (Captain Marvel, EUA – 2012/4)
Contendo: Capitã Marvel (2012-2014) #1 a 17
Roteiro: Kelly Sue DeConnick, Christopher Sebela, Jen Van Meter
Arte: Dexter Soy, Rich Elson, Will Quintana, Karl Kesel, Javier Rodriguez, Al Barrionuevo, Emma Rios, Filipe Andrade, Scott Hepburn, Gerardo Sandoval, Patrick Olliffe
Arte-final: Alvaro López, Emma Rios, Drew Geraci
Cores: Jordie Bellaire, Veronica Gandini, Andy Troy, Tom Nguyen
Letras: Joe Caramagna
Editoria: Sana Amanat, Stephen Wacker
Editora original: Marvel Comics
Data original de publicação: setembro de 2012 a janeiro de 2014
Páginas: 23 por edição; 33 a edição #17

Avengers: The Enemy Within #1 (EUA – 2013)
Roteiro: Kelly Sue DeConnick
Arte: Scott Hepburn
Cores: Jordie Bellaire
Letras: Joe Caramagna
Editoria: Stephen Wacker
Editora original: Marvel Comics
Data original de publicação: julho de 2013
Páginas: 23

Avengers Assemble #16 e 17 (EUA – 2013)
Roteiro: Kelly Sue DeConnick
Arte: Matteo Buffagni
Cores: Jordie Bellaire, Matthew Wilson
Letras: Clayton Cowles
Editoria: Lauren Sankovitch, Sana Amanat
Editora original: Marvel Comics
Data original de publicação: agosto e setembro de 2013
Páginas: 22 cada

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