Filmes de ação genéricos com títulos pouco inspirados povoam os catálogos mensais da Netflix, pipocando no top 10 do serviço de streaming antes de serem esquecidos tão rapidamente quanto chegaram. Temos diversas críticas desses exemplares aqui no site, muitas das quais sequer me lembro. No entanto, Caos e Destruição, em tese, deveria ser algo diferente, porque é uma produção encabeçada por Gareth Evans, diretor/roteirista responsável por Operação Invasão (2011) e sua sequência de 2014, dois longas representativos do divertido cinema asiático de pura pancadaria, em crescente desde a década anterior, principalmente na Indonésia. O artista ficou afastado dos filmes de ação nos últimos anos, então sua volta ao gênero com uma obra protagonizada por Tom Hardy parecia ser um retorno à fórmula que lhe deu sucesso, quem sabe para iniciar uma nova franquia, o que, como já suspeitam pela nota, não é o caso.
O roteiro, como esperado, é um fiapo que serve apenas para dar base e contexto ao mayhem narrativo. Em miúdos, Hardy interpreta um policial corrupto chamado Walker, que é um “consertador” de problemas para o prefeito Lawrence Beaumont (Forest Whitaker), além de ter um passado sombrio com um grupo de policiais também corruptos chefiados por Vincent (Timothy Olyphant). Quando o filho do político (Justin Cornwell) se vê no meio de uma guerra de gangues, incluindo a Tríade chinesa, Walker é obrigado a salvar o jovem enquanto todo mundo quer matá-lo, incluindo seus antigos parceiros. A premissa básica é funcional para filmes dessa ordem, mas o roteiro de Evans é ruim até para o seu típico texto formulaico, com dificuldades para dar algum sentido para as motivações dos personagens, de um mal uso de arquétipos (ninguém na obra é carismático, tampouco temos algum vilão divertido, mesmo pensando na abordagem clichê e caricata desse tipo de obra) e de reviravoltas estranhas dentro da logística confusa da obra, onde nenhum personagem ou organização tem um pingo de personalidade ou de inteligência.
É possível ver um interesse de Evans em mitologia, expandindo o submundo do crime à medida que Walker mergulha no caos desse universo, no estilo John Wick ou até do seu Operação Invasão 2, mas tudo muito mal trabalhado e mal desenvolvido num roteiro que não consegue nem ser convencionalmente razoável. Vale pontuar que Tom Hardy não ajuda também, com uma interpretação preguiçosa e sem nenhum interesse em ter aquele tipo de simpatia de heróis de ação – aliás, sejamos honestos, Hardy vem entregando muitas performances ruins nas telonas há uma boa década já. O restante do elenco ganha pouco com o que trabalhar, seja em termos de diálogos, seja em termos de combate (mais disso à frente), então nenhuma figura da história ganha aquela simpatia ligeira das audiências ou aquele mínimo de conexão emocional com os personagens (muito sinceramente, uma premissa mais padrão de vingança faria bem à obra).
Dito isso, mesmo se relevarmos o roteiro, o drama, a caracterização e qualquer outro aspecto da história da obra, Caos e Destruição ainda decepciona no seu foco: a porradaria. Logo de cara, Evans quer nos situar de uma ambientação estilizada e underground, o que é louvável, mas que tem diversos problemas técnicos, começando pelo CGI. O submundo aqui compartilha de elementos com uma Gotham noir ou até com cenários de cyberpunk, com aquela fotografia sombria e luzes de neon, mas o filme tem um filtro granulado extremamente artificial, que fica ainda pior quando a história exige o uso de efeitos especiais, como nas sequências de perseguições de carros, todas com um estilo gamificado que também soa artificial e sem polimento, como se fosse algo inacabado. Visualmente, é uma obra feia mesmo em seus conceitos estilizados.
Quando a pancadaria chega, o filme entretém, mas com limitações. O combate corpo-a-corpo é decepcionante, com poucas coreografias nesse sentido, talvez porque não seja o estilo do Hardy – alguns coadjuvantes são especialistas em artes marciais, mas todos com curto tempo de tela. O encaminhamento da ação é mais com armas de fogo, com inspirações no gun-fu, além do uso esporádico de armas brancas. Algumas sequências nesse sentido convencem, particularmente porque Evans tem um olhar cinético para o gênero, com poucos cortes e movimentações engenhosas de câmera com diversos planos-sequências, giros vertiginosos de 360º, exploração espacial cuidadosa da câmera e uso de vários aspectos dos cenários incorporados às lutas, inclusive com muita variedade de locações, de grandes espaços até locais fechados, no trabalho bem pensado de encenações. No entanto, as várias cenas de ação são mais sanguinolentas do que rítmicas, se conseguem me entender, com uso excessivo de gore e uma abordagem relativamente cansativa do cineasta, principalmente no uso exacerbado de tiroteios. Sinto que faltou a mesma variação de combates do que temos de cenários, com várias set-pieces da obra sendo repetitivas e contendo mais sangue do que os esperados balés coreográficos.
Diferente dos trabalhos anteriores de Evans ou até de exemplares recentes como A Noite nos Persegue, Caos e Destruição fica aquém do mesmo nível de tensão e diversão extravagante do cinema de pancadaria. O diretor tem, sim, um tato com a câmera e conceitos visuais próprios que distinguem sua obra do lamaçal de produções enlatadas do gênero, mas esse filme é feio, mal estruturado, com um roteiro ruim mesmo para narrativas dessa ordem, personagens convencionais que não geram simpatia e uma porradaria que, sim, tem seus momentos dinâmicos com um nível de técnica acima da média, mas que no geral é um acúmulo de sequências exageradas, repetitivas e pouco inspiradas para um cineasta que já fez muito melhor no gênero.
Caos e Destruição (Havoc) | EUA, Reino Unido, 25 de abril de 2025
Direção: Gareth Evans
Roteiro: Gareth Evans
Elenco: Tom Hardy, Jessie Mei Li, Justin Cornwell, Quelin Sepulveda, Luis Guzmán, Yeo Yann Yann, Timothy Olyphant, Forest Whitaker, Michelle Waterson, Sunny Pang, Jim Caesar, Xelia Mendes-Jones, Richard Harrington, Jeremy Ang Jones
Duração: 107 min.