Escrever muito sobre Caminhando para Aldebaran é um desserviço a quem se interessar em ler essa novela de ficção científica do prolífico autor britânico Adrian Tchaikovsky que quase não tem nenhum de seus escritos publicados no Brasil na data da presente crítica. Mesmo fazendo enorme esforço para me esquivar de spoilers, essa fascinante obra – uma daquelas que se lê em uma sentada e que dá vontade de recomeçar assim que acaba – beneficia-se tremendamente do lento processo de descoberta e realização do que ela é na medida em que as páginas são passadas, pelo que qualquer comentário, por mais inocente e bem intencionado, pode apontar o leitor para uma direção que seria melhor que ele descobrisse sozinho.
Como no clássico Encontro com Rama, de Arthur C. Clarke, Caminhando para Aldebaran (minha tradução direta de Walking to Aldebaran) lida com astronautas indo ao encontro de um gigantesco artefato alienígena detectado pelos instrumentos terrestres e que levam a uma coalisão internacional para alcançá-lo e estudá-lo. Mas, quando a novela começa, vemos apenas um astronauta, Gary Rendell, já há algum tempo perambulando sozinho e completamente perdido pelos gigantescos e cavernosos corredores do misterioso fruto de alienígenas com altíssima tecnologia. Quando digo sozinho, quero especificamente dizer sem outros humanos ao seu lado, pois, assim como ele, há diversas outras espécies alienígenas, umas mais diferentes das outras, por ali como ele, em grupo ou solitários, provavelmente passando pelo mesmo tipo de drama que Rendell passa.
A narração é em primeira pessoa e Rendell fala com o leitor como se o leitor fosse seu interlocutor em suas gravações diárias sobre como passa seus dias, o que ele vê e por que transformações fisiológicas ele passa para sobreviver ao que parece ser um aparelho de dimensões incomensuráveis e inimagináveis que contém buracos de minhoca para outras galáxias. Com isso, o tom é de uma conversa, como se o leitor estivesse realmente ali, ao lado do astronauta, vendo o que ele vê e compadecendo-se com o que ele sente, o que imediatamente cria uma conexão muito próxima com o protagonista e, para quem ler logo abaixo da superfície, enquadrando-o como narrador não confiável que trafega entre suas lembranças de todo o processo que o levou até ali e o que ele realmente precisa lidar a cada nova descoberta nesse lugar infinito, perigoso e assustador.
Ao fazer essa escolha narrativa, Tchaikovsky assume o risco que vem embutido nela, ou seja, de se trair a cada momento com observações que não poderiam vir da observação de uma pessoa comum (ok, não exatamente comum, pois estamos falando de um astronauta, alguém altamente treinado e especializado) caminhando por corredores monumentais de algo de origem e propósito completamente desconhecidos. No entanto, o autor consegue circunscrever-se brilhantemente à “visão limitada” do personagem, beneficiando-se de flashbacks que permitem vislumbres do artefato como um todo e que é incomparavelmente maior do que aquele que Clarke descreve eu seu citado romance. E, como é um monólogo de um homem desesperado, existe um misto de humor irônico e sarcástico com horror espacial que é até difícil descrever, com Rendell trafegando na fronteira entre a sanidade e a insanidade a ponto de fazer com que o leitor comece a realmente duvidar se o que é narrado realmente aconteceu ou está acontecendo. Caberá a cada um julgar, mas tenho para mim que de forma alguma Caminhando para Aldebaran é uma daquelas histórias que se passam apenas na cabeça do protagonista, até porque o que Tchaikovsky faz é uma releitura sci-fi de uma obra muito famosa da literatura ocidental que somente em retrospecto fica claro desde o início.
Para todos os efeitos, quando encaramos a novela como uma mensageira, notamos que o autor conversa com o leitor não exatamente sobre os detalhes que seu astronauta descreve, mas sim sobre a pequeneza da espécie humana, pequeneza essa que pode ser encarada tanto como o que a humanidade representa no enlouquecedor e descomunal tamanho do universo, como o que ela representa para si mesma, fazendo a boa e velha indagação – sem resposta – sobre o que exatamente nos torna humanos. Com exceção de algumas reiterações e repetições temáticas que Tchaikovsky poderia ter evitado em uma obra tão curta, Caminhando para Aldebaran é um texto tão cativante quanto assustador que nos leva às profundezas do espaço para algo que não conseguimos sequer começar a compreender e, também, às profundezas da mente humana que, igualmente, ainda não arranhamos a superfície. E é assim, caro leitor, que Gary Rendell consegue ser o melhor (o pior?) que ele (nós) pode(mos) ser.
Caminhando para Aldebaran (Walking to Aldebaran – Reino Unido, 2019)
Autoria: Adrian Tchaikovsky
Editora: Solaris
Data original de publicação: 28 de maio de 2019
Páginas: 144