Dialetos são parte fundamental da constituição de povoados. São parte de uma cultura única, criando senso de pertencimento daqueles que praticam a fala. O filósofo Didi-Huberman aponta que governos ditatoriais têm como prática a extinção de dialetos em prol de uma suposta união do povo – o que ocorre, na verdade, é o apagamento cultural de pequenos povos. É nesse meio que Camaco se apresenta. O filme de Breno Alvarenga conta a história de uma região interiorana de Minas Gerais voltada historicamente para a mineração, cujo povo, para se diferenciar dos chefes das mineradoras, inventou uma linguagem própria que dá nome ao filme. A regra é simples: a segunda sílaba torna-se a primeira e, pronto, surge uma nova palavra.
É evidente que o documentário Camargo é um filme de resistência. A criação desse dialeto surge justamente em um momento no qual a cidade foi tomada por grandes empresas mineradoras responsáveis por inúmeros crimes ambientais. Por mais que conte uma história sobre superação e união de um pequeno povo, a linguagem do documentário não parece seguir a inventividade da linguagem criada. É evidente, no entanto, que existem momentos de inspiração estética: algumas imagens de arquivos revisitadas criam uma narrativa paralela toda narrada no dialeto camaco.
O problema é que, além disso, o que vemos são incansáveis talking heads contando a história da pequena cidade e reiterando sempre que possível a importância do dialeto. E é uma abordagem possível, sem dúvida alguma. Mas é uma escolha estético-narrativa que não abre diálogo com a ousadia política com o dialeto. As imagens de arquivo, que representam maior inventividade da linguagem do filme, ficam em segundo plano. As entrevistas, muitas vezes repetitivas, distanciam o espectador da história do povo e do dialeto.
O filme parece cair em um território já estudado por Glauber Rocha por volta de 1965, quando foi lançado o ensaio Eztetyka da fome. Nele, o diretor diz que um dilema da arte brasileira é tentar ser claro e didático para o estrangeiro compreender exatamente nossa situação enquanto nação. Para Glauber, no entanto, o didatismo não é o caminho: é necessária uma revolução de estruturas de linguagem do cinema não para dialogar com o outro, com o estrangeiro, mas sim para desenvolver uma forma artística única e específica. É aqui que cabe ser encaixado o filme de Breno Alvarenga: é um recado direto para o outro, mas que não consegue acompanhar a própria inventividade do povoado e do dialeto camaco.
Camaco – Brasil, 2022
Direção: Breno Alvarenga
Roteiro: Breno Alvarenga
Duração: 95 min.