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Crítica | Cadê Você, Bernadette?

por Gabriel Carvalho
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“Você acha que está chato agora? Então, apenas fica mais chato.”

Mesmo que ambos carreguem virtudes notórias, Bernadette (Cate Blanchett), assim como o longa-metragem que protagoniza, é problemática. Dentre as suas qualidades, ao mesmo tempo que ela se comporta como a melhor amiga de sua filha, Bernadette guarda em sua cabeça a genialidade de uma arquiteta sem precedentes. Uma conversa rápida entre a personagem e uma estranha aponta essa grandeza da mulher, por meio de uma boa sugestividade, porém, que se desmancha posteriormente, quando a exposição gratuita de seu triste passado ganha mais peso. Entretanto, a rispidez no comportamento da protagonista atua em paralelo com o seu cotidiano, cada vez mais prejudicado por uma depressão tão silenciosa quanto escandalosa – os problemas com as demais mães e o contato confessional com uma completa estranha marcam isso. Bernadette chega ao ponto, como o filme contextualiza bem, de ser má, embora essa caracterização não diminua o grau de empatia que se constrói entre espectador e personagem. Bernadette, antes de qualquer coisa, é uma pessoa perdida, que precisa se encontrar – e ser encontrada também, após sumir do nada. Logo, de todas as possíveis complicações que o seu longa, uma adaptação da obra de Maria Semple, termina enfrentando, ao menos mantém-se um carinho pela protagonista e suas dores em um campo dramático competente, que engrandece – mais outra vez – o talento por trás da direção.

Dentre os problemas carregados pelo terceiro longa-metragem que Richard Linklater dirige depois do grande sucesso conquistado com Boyhood: Da Infância à Juventude, sua estrutura narrativa é o maior. Para uma obra que começa tratando do desaparecimento de Bernadette, justo a premissa do longa-metragem, o que surge depois da primeira cena é decepcionante. Ora, com o começo do filme – numa cena da mulher na Antártida, mas sem rumo -, e o voice-over de Emma Nelson, que interpreta a filha da artista, o que se entende é uma busca dos que amam Bernadette por ela. No entanto, esse segmento do enredo só retorna bem mais tarde, em vista de um rejeito por se construir trama a partir dele. Nem o voice-over de Bee consegue manter coerência, representando, contudo, um didatismo excessivo que contraria o minimalismo de Linklater. As pequenas cenas, as menores decisões, são as suas mais competentes no fim das contas. De qualquer maneira, esse projeto, com várias desventuras pela Antártida, é um passo curioso na carreira do cineasta. Essa rápida amostra do que está por vir para a personagem perde lugar, porém, para um esquema procedural mais simples. Parece que alguém mexeu na montagem. O longa, então, retorna ao passado, mas já sabendo do que o aguarda, sem grandes surpresas no caminho no que tange a sua protagonista, que esperneia uma necessidade por ajuda sem conseguir realmente expressá-la.

Os relacionamentos da personagem enquanto mãe e esposa são essenciais para o drama, mesmo que, no fim das contas, seja o relacionamento da mulher consigo o que precisa ser encontrado. Quando, no encerramento, Linklater explora o que os principais coadjuvantes, tanto Bee quanto o marido Elgin (Billy Crudup), sentem por Bernadette naquele momento, comprova-se uma riqueza sentimental explorada pelo cineasta. O papel de Crudup, por sinal, é precioso para complexar as emoções e razões em jogo, em especial numa cena de confronto num restaurante. De um possível arquétipo narrativo – o marido que se distancia -, a obra o reinventa para alguém tão parte quanto do caos familiar – embora a sua trama particular seja menos empolgante. Mesmo com engasgos, Linklater, no entanto, consegue concretizar o seu propósito derradeiro, que é o arco narrativo da personagem principal. Os demais coadjuvantes, como a garota que não aceita que sua maior amiga seja problemática, por sua vez, assessoram a mãe, esposa e artista que Bernadette é a ser quem ela é, precisando passar por um processo prático e extremamente complicado: procurar ajuda. O desmoronamento nas relações interpessoais de Bernadette, como a sua inércia perante a sua própria natureza problemática, é encenado minuciosamente por Linklater, partindo do cachorro que se aprisiona sem querer em um armário, até chegar na fuga que impulsiona a jornada contada.

Em suma, Cate Blanchett precisa convencer como uma personagem excêntrica, mas, ao mesmo tempo, extremamente depressiva – uma caracterização que, em certos casos, por parte de outros cineastas, recai para o campo da caricatura. A artista, por sua vez, desenvolve sua personagem com nuances que a torna crível, como, por exemplo, quando ela enfim demonstra um conforto perante o ambiente ao seu redor. De alguém extremamente constrangida em estar em meio a pessoas ou agressiva frente a outras que querem a ajudar ou querem ajuda dela, Blanchett cresce em conjunto com Linklater, que é um cineasta conhecido por sustentar conversas entre pessoas. Por sinal, os monólogos de Cate, mesmo que reiterados algumas vezes e estruturados pela ótica da verborragia, capturam parte do excelente processo de construção da personagem. Linklater retira o cerne do seu longa de conversas conduzidas com extrema precisão por ele, tanto num âmbito particular a Bernadette, no que se refere a exemplificar os sentimentos dela, quanto no contexto familiar complexo, permeado por um desencontro entre pessoas que moram, na verdade, juntas. Num pequeno filme, que não ganhará o espaço de outros projetos de Linklater e nem de Blanchett, o diretor repete o que tão bem propiciou em demais momentos de sua carreira. Cate Blanchett – como se isso fosse alguma novidade – é um monstro, mas Richard Linklater também é.

Cadê Você, Bernadette? (Where’d You Go, Bernadette) – EUA, 2019
Direção: Richard Linklater
Roteiro: Richard Linklater, Vincent Palmo Jr., Holly Gent Palmo (adaptado de obra de Maria Semple)
Elenco: Cate Blanchett, Emma Nelson, Billy Crudup, Kristen Wiig, Judy Greer, Laurence Fishburne, Troian Bellisario, Jóhannes Haukur Jóhannesson, James Urbaniak
Duração: 103 min.

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