Home QuadrinhosOne-Shot Crítica | BRZRKR: Bloodlines – Vol. 2

Crítica | BRZRKR: Bloodlines – Vol. 2

Unute, o Pistoleiro e Unute, o Instrumento de Conquista.

por Ritter Fan
304 views

Encerrada a primeira e muito bem-sucedida maxissérie em 12 edições de BRZRKR publicada entre março de 2021 e março  de 2023, a BOOM! Studios começou a trabalhar na diversificação de sua ainda nascente franquia que faz uso proeminente do nome e das feições do ator Keanu Reeves em todo o material de divulgação, licenciando sua propriedade para adaptações literárias e audiovisuais. Na seara dos quadrinhos, a continuidade das histórias não foi esquecida, mas a editora multimídia partiu para uma estratégia mais econômica, por assim dizer, investindo em one-shots com mais do que o dobro do número usual de páginas das HQs americanas sobre o passado do imortal Unute – ou B – no lugar de efetivamente continuar a história da maxissérie, algo que ainda deve acontecer, mas que não parece estar nos planos imediatos da editora.

Os dois primeiros one-shots, Poetry of Madness (Poesia da Loucura) e Fallen Empire (Império Caído) foram lançados respectivamente em julho e novembro de 2023 e colecionados no Volume 1 de Bloodlines, com os dois seguintes, A Faceful of Bullets e The Lost Book of B sendo colecionados no Volume 2 de Bloodlines, que é o objeto da presente crítica. Como as equipes criativas são completamente diferentes, escrevi sobre cada um dos dois one-shots do vol. 2 separadamente. Vamos lá?

A Faceful of Bullets

Jason Aaron escreve a primeira história de Unute que se passa no Velho Oeste, em meados do séculos XIX e, claro, toda a ambientação em que a violência pode ser elevada ao volume 11, como é o caso aqui, é perfeita para BRZRKR. Afinal, desde seu início, os quadrinhos do personagem criado por Keanu Reeves e desenvolvido por Matt Kindt refestelam-se no festival de mortes extremamente gráficas patrocinadas pelo protagonista imortal e superforte que vive – e morre e vive novamente – há nada menos do que 80 mil anos. E, pelo menos no lado das HQs – o até agora único romance da nascente franquia é bem diferente, preocupando-se com outros aspectos do personagem -, não vejo essa abordagem simplista, mas cheia de espetáculo, por assim dizer, mudando tão cedo.

Resta, então, saber se há algo mais além da mortandade desenfreada, do show de sangue, tripas, decepações que pontilha página sim, página não dos quadrinhos do personagem. Em A Faceful of Bullets, título que brinca com a versão em inglês do clássico Por um Punhado de Dólares, primeiro filme da Trilogia dos Dólares, de Sérgio Leone, B, um pistoleiro que perambula pelas paragens dos EUA em formação, impede que mercenários levem uma noiva de volta ao seu pai depois que eles matam o noivo durante a cerimônia de casamento e passa a escoltá-la dos Ozarks, no Missouri, até o Kansas, em uma contínua fuga do violento e possessivo pai. Como se pode ver, a narrativa – contada a partir do ponto de vista da noiva – não tem relação, para além do título, com o citado filme de Leone, mas usa um tropo clássico de faroestes, que é a dama em perigo sendo ajudada por um pistoleiro durão e invencível (no caso, literalmente invencível), nada mais do que uma desculpa para muitas mortes infligidas das maneiras mais explícitas possíveis.

O interessante da história, e o que a diferencia, é que o estado incontrolável de berzerker do protagonista, uma efetiva vontade de se soltar completamente e liquidar o maior número de pessoas no menor tempo possível, afeta a “dama em perigo”, que passa a ser contaminada pela sede de sangue, especificamente pelo desejo de vingar-se de seu pai na medida em que os dois cavalgam para seu destino, abrindo espaço para que B conte um pouco de seu passado à ela. E essa contaminação é tão grande que é a mulher que toma providências para que eles sejam emboscados pelo pai e por uma tropa de lacaios, levando, claro, a mais violência extrema, valendo destaque para a cena em que Salvador Larroca, sempre no absoluto controle de sua arte, mostra, com todos os detalhes possíveis, como seria o encontro de Unute e seu cavalo (este infelizmente bem mortal) com uma metralhadora Gatling montada sobre uma carroça.

Trata-se de um conceito bem bolado, o de corrupção de uma mente inocente pelo banho de sangue que ela testemunha e o trauma que sofre, mas, como sempre, isso não é explorado como poderia ser porque todo o objetivo do one-shot é soltar Larroca para fazer o que sabe fazer muito bem e que ele não hesita nem por um momento em fazer, vale dizer, com o uso generoso de páginas inteiras e páginas duplas para impactar tanto quanto possível o leitor em um mundo dos quadrinhos em que esse tipo de violência tornou-se o padrão e que, portanto, fica cada vez mais difícil chocar alguém. Aaron, com isso, tem bem pouco a oferecer de verdade e o que ele escreve está mais para um esqueleto de roteiro do que para um roteiro do tipo que quem lê quadrinhos sabe que ele é capaz de construir. Mas, para uma HQ de BRZRKR, tudo está dentro do padrão e é mais uma leitura divertida que pinga sangue e tripas a cada virada de página.

The Lost Book of B

The Lost Book of B marca o retorno à BRZRKR da equipe original completa formada por Keanu Reeves e Matt Kindt no roteiro, Ron Garney na arte, Bill Crabtree nas cores e Clem Robbins nas letras desde o final da maxissérie original da franquia, no começo de 2023. E, com esse retorno, desta vez no formato mais focado de um one-shot, retornam também alguns temas importantes na mitologia do personagem, notadamente sua importância para a História do Mundo dada sua imortalidade e ao fato de que ele está vivo há 80 mil anos e como ele pode ser também uma marionete destrutiva nas mãos de quem sabe manipulá-lo, o que, claro, acrescenta ótimas camadas às tradicionais pancadaria e sanguinolência infinitas que sempre acompanham o personagem.

Na história, que se passa entre o final do século XII e começo do século XIII durante as campanhas de conquista de Gengis Khan, vemos um acólito de um culto à Unute usando seu conhecimento sobre seu “deus” para fazer primeiro com que uma tribo Búlgar e, depois, o próprio líder mongol, utilizem o imortal como instrumento de guerra e conquista. Com B ao seu lado, o Khan do Império Mongol expande seus territórios, finalmente conquistando a China por meio de um “Cavalo de Troia” muito bem bolado para tomar a Pequim fortificada e impenetrável da época. Unute tem tudo o que pode querer, mas ele é mantido sobe controle de Gengis Khan também pelo uso de entorpecentes, mais especificamente o ópio, que o mantém dócil (quando não está trucidando inimigos, claro) e incapaz de realmente pensar por si mesmo, o que o leva a cometer atos que contradizem o seu próprio código moral.

Diferente do que vemos em Poetry of Madness, por exemplo, em que ele está ao serviço do rei de Atlântida por sua própria vontade, em The Lost Book of B ele não passa de um peão a serviço de Gengis Khan e, mais ainda, do culto a ele que permanece nas sombras, fazendo o que religiões organizadas fazem de melhor, ou seja, usar seus deuses e divindades para seus próprios e escusos propósitos, normalmente relacionados com o vil metal. Mas é justamente nesse uso de Unute que entra o aspecto de sua importância para a História do Mundo que mencionei. Se Reeves e Kindt, ainda que de maneira acanhada, exploraram essa questão na maxissérie ao salientar o quanto B é um repositório de conhecimentos perdidos nas brumas do tempo, aqui vemos B como alguém que efetivamente faz História, mesmo que, depois, sua existência seja apagada por aqueles que o manipularam. Trata-se de um conceito fascinante que ganha um bom destaque na HQ.

E, melhor ainda, a transformação de Unute em uma arma paraleliza os acontecimentos tanto de seu passado longínquo em que ele fora manipulado por seu padrasto a constantemente lutar por sua tribo quando de seu presente nos dias atuais, em que ele trabalha como soldado para o governo dos EUA em troca da “cura” de sua imortalidade. Em outras palavras, essa one-shot conversa tematicamente com a maxissérie original e se torna, talvez, a mais importante das quatro até agora publicadas. Além disso, no departamento artístico, os traços rústicos e inacabados de Garney mais uma vez provam ser a melhor maneira de se retratar o protagonista e sua inesgotável capacidade de infligir danos extremos a exércitos inteiros. Será que a equipe original continuará reunida para uma eventual segunda maxissérie?

BRZRKR: Bloodlines – Vol. 2 (EUA, 2024)
Contendo: BRZRKR: A Faceful of Bullets (AFoB) e BRZRKR: The Lost Book of B (TLBoB)
Criação: Keanu Reeves
Roteiro: Jason Aaron (AFoB); Keanu Reeves, Matt Kindt (TLBoB)
Arte: Salvador Larroca (AFoB); Ron Garney (TLBoB)
Cores: Lee Loughridge (AFoB); Bill Crabtree (TLBoB)
Letras: Ed Dukeshire (AFoB); Clem Robins (TLBoB)
Editoria: Ramiro Portnoy, Bryce Carlson, Matt Gagnon (AFoB); Ramiro Portnoy, Matt Gagnon (TLBoB)
Editora original: BOOM! Studios
Datas originais de publicação: 24 de julho de 2024 (AFoB) e 21 de agosto de 2024 (TLBoB); 24 de dezembro de 2024 (encadernado)
Páginas: 56 cada história

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais