Séries de comédia abordando ambientes de trabalho e séries sobre policiais não faltaram por aí nos últimos anos, a maioria delas com pouco fôlego de qualidade. Por esse motivo, quando Brooklyn Nine-Nine foi anunciada, no primeiro semestre de 2013, muito se questionou a capacidade do futuro programa em sustentar, ao longo de 22 episódios, um cenário que mesclasse duas tendências bem comuns de ‘comédias curtas’, com cerca de 22 minutos por episódio e uma linha narrativa que não nos trouxesse, mais uma vez, os chateantes “casos da semana”.
Contudo, bastaram alguns poucos episódios para percebermos que não se tratava de qualquer sitcom ambientada em uma realidade já familiar ao público. Ao contrário, os criadores Daniel J. Goor e Michael Schur (parceiros na ótima Parks and Recreation) satirizam, citam e referenciam os mais diversos clichês de séries policiais e investigativas, adicionando pitadas de cultura pop, algumas coisas do mundo geek e nerd e até elementos cinematográficos, com predileção especial por blockbusters e grandes diretores franceses como Jean-Luc Godard e François Truffaut. Talvez como uma sequência desta última predileção ou pela conveniência cinéfila e irônica (se considerarmos o indivíduo), ganhamos de brinde um engraçado personagem chamado Hitchcock.
O resultado final não poderia ser menos que muito bom. Mesmo que conserve os problemas estruturais de uma temporada bastante longa (embora saibamos que isso não é uma boa desculpa, basta olharmos para o caso de Modern Family — só para citar um exemplo atual), Brooklyn Nine-Nine não só conseguiu um lugar no coração da maioria do público como também se destacou com facilidade na grade das séries de comédia americanas que nasceram mais ou menos no mesmo período, perdendo apenas para Silicon Valley.
O segredo do sucesso veio da opção dos roteiristas em não assumirem o público como imbecil e evitarem o humor baixo, escrachado. Nos 22 episódios da temporada, apenas um deles trouxe piada escatológica, por exemplo (clássico absoluto das sitcom, quase uma tara) e ela nem foi colocada da forma abobada que normalmente se vê em pastelões no cinema e na TV. Manter o nível do humor e não ter medo de apostar em coisas inusitadas ou transformar as coisas mais comuns em algo interessante de se ver na tela foi o grande acerto dos showrunners.
Como os episódios acompanham o dia a dia da 99ª Delegacia de Polícia do Brooklyn, o foco central dessa primeira temporada pode ser tranquilamente bipartido. Nos dez episódios iniciais temos uma compassada apresentação e amplitude dramática geral dos personagens, cada um deles assumindo um motivo que servirá de marca para o roteiro, como a gastronomia, os filmes de ação, a dança, a violência e mistério envolvendo a personagem Rosa, as esquisitices diversas, etc. A partir de Pontiac Bandit há uma guinada para a construção de uma história mais ampla, e é onde temos a maioria dos fillers da temporada, todos eles no mínimo bons, mas definitivamente encheções de linguiça.
Com uma técnica de fotografia urbana simples (imagens sóbrias, com nada de contrastes de luz e pouco apuro na iluminação, com exceção às cenas de festa, especialmente em bares); direção de arte predominantemente objetiva (exceção à casa de Gina, a alguns espaços da delegacia e aos bares) e elenco que cresce em qualidade no decorrer dos episódios (Andy Samberg assume com simpatia o personagem principal da série, mas no decorrer dos capítulos todos vão ganhando importância, com um bom destaque para Andre Braugher, que interpreta um austero capitão gay, e Terry Crews, o eterno Julius de Todo Mundo Odeia o Chris), esta primeira temporada de Brooklyn Nine-Nine é uma ótima opção para quem procura uma série leve e inteligente, com uma história que diverte a maioria do tempo e cuja finalização, com gancho para o próximo ano, nos faz querer começar a segunda temporada imediatamente.
Como já foi dito, há um grande número de citações cinematográficas, mas o leitor não deve esperar nada no estilo elegante e vanguardista de Community (na primeira era Dan Harmon). Espere citações bem contextualizadas nos diálogos e ditas como algo que não torne a cena cifrada, se bem que boa parte dos filmes são definitivos para marcar o riso nestas cenas; se o espectador não conhece a obra, perde a piada, mesmo que não rejeite a cena.
Abaixo, apresento as principais referências pescadas durante os episódios deste ano inicial do programa. E que venha o próximo!
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Referências, citações e homenagens cinematográficas
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No episódio Piloto, Rosa assume que Cidadão Kane é um filme terrível. Boyle cita Intriga Internacional e Jake faz um comentário citando Donnie Brasco.
Em The Tagger (1X02), Trevor Podolski refere-se ao filme Highlander – O Guerreiro Imortal (1986).
Em The Slump (1X03), há uma sequência inteira em que os personagens citam os filmes policiais favoritos e o que temos é: Terry (Acossado, 1959); Amy (Máquina Mortífera, 1987; Fargo, 1996 e Dia de Treinamento, 2001); Rosa (RoboCop – O Policial do Futuro, 1987); Jake (Duro de Matar, 1988); Boyle (Uma Dupla Quase Perfeita, 1989); Gina (Os Bad Boys, 1995).
O ótimo episódio Halloween (1X06), faz citações diretas de A Noiva de Frankenstein (1935), Marcas do Destino (1985), Missão Impossível (1996) e Harry Potter e a Pedra Filosofal (2001), além da série Sex and the City.
Old School (1X08), um interessante episódio mostrando as diferentes gerações policiais, cita, além de obras que já apareceram em outros episódios (como o filme favorito de Jake, Duro de Matar), as seguintes obras: Serpico (1973), Desejo de Matar (1974), Super Tiras (2001) e Guerra ao Terror (2008).
No inteligente Pontiac Bandit (1X12), temos uma saga de citações interessantes: Blade Runner, o Caçador de Androides (1982), Tron – Uma Odisseia Eletrônica (1982), O Vingador do Futuro (1990), Um Conto Americano – Fievel Vai para o Oeste (1991), Gravidade (2013) e as séries Crocodile Hunter e Downton Abbey.
O hilário Operation: Broken Feather (1X15) faz uma mistura de clássicos e modernos: Othello – O Mouro de Veneza (1952), Jogos de Guerra (1983), Os Caça-Fantasmas (1984), Karatê Kid – A Hora da Verdade (1984), Aladdin (1992), Titanic (1997) e O Homem Que Mudou o Jogo (2011).
The Party (1X16), um episódio que marca a chegada de capítulos um pouco mais chatinhos, é uma verdadeira máquinha de brincadeira com o cinema, citando ou relendo Acossado (1960), Dança com Lobos (1990), A Bela e a Fera (1991) e as séries Bones e Sherlock.
E, para finalizar, as referências que vemos na dupla de episódios finais, Unsolvable (1X21) e Charges and Specs (1X22): O Planeta dos Macacos (1968), Esqueceram de Mim (1990), Questão de Honra (1992), Clube da Luta (1999) e Matrix (1999).
Brooklyn 9-9 / Brooklyn Nine-Nine (EUA, 2013)
Direção: Diversos
Roteiro: Daniel J. Goor, Michael Schur e equipe
Elenco: Andy Samberg, Stephanie Beatriz, Terry Crews, Melissa Fumero, Joe Lo Truglio, Chelsea Peretti, Andre Braugher, Dirk Blocker, Joel McKinnon Miller, Peter Janov
Duração: 22 min. (cada episódio)