Um documentário feito para a televisão que parece feito por encomenda. Britney Spears: Breaking Point, lançado em 2019, traz uma série de questões exaustivamente discutidas pela mídia ao longo dos últimos anos e se propõe a demonstrar, mais uma vez, dentre tantas outras desde então, que a cantora de enorme potencial artístico, bem como conta bancária pomposa, se perdeu pelas penumbras da vida e se tornou um produto para mercantilização de um jornalismo apodrecido. Cenas de bastidores, registros dos surtos captados milimetricamente pelas câmeras de fotógrafos ensandecidos por imagens comprometedoras e depoimentos de pessoas que relativamente viveram perto de Britney Spears durante os seus momentos de suplício psicológico. Assim é o desenvolvimento desta produção irregular, que apesar de ter alguns bons momentos, deixa transparente o seu posicionamento quando, no final, um dos entrevistados, pessoa que esteve bastante próxima da cantora em seus momentos fora das câmeras, destaca: “foi bom o que o pai dela fez por ela, salvou a sua vida”. Sim, caro leitor, o documentário se posiciona.
Se posicionar, por sua vez, não é ruim. Demonstra sinceridade dos realizadores, mas o grande problema de Britney Spears: Breaking Point é focar em informações demasiadamente debatidas. Chega a ser desconfortável ver que, ao versar sobre a cantora, a narrativa volta no tempo para detalhar o seu casamento com um amigo de infância que durou algumas poucas horas, as tatuagens e o cabelo raspado depois de uma negociação ruim com o ex-marido, o dançarino Kevin Federline, dentre outras pressões sofridas por alguém perseguida até mesmo quando precisava ir ao banheiro em um local público. Além do mais, cercada de pessoas com ética questionável, a artista teve a sua vida interpretada livremente por quem bem quis, culminando num arsenal de histórias mal contadas que se acumularam ao longo do período em que esteve sob a curatela do pai, um assunto midiaticamente fervoroso.
Em seus primeiros minutos, o documentário traz uma pergunta que eu mesmo me fiz enquanto lia a autobiografia A Mulher em Mim, publicada recentemente por Britney Spears: diante de tanta pressão e angústia, como a cantora não cometeu suicídio? Num cenário que traz histórias como a de George Michael e Whitney Houston, curioso observar como a artista conseguiu sobreviver até então depois de tanta coisa. É um jogo de resiliência para pouquíssimas pessoas. Ademais, apesar do seu desenvolvimento irregular, a produção também lança questões importantes para a nossa reflexão: pode o dinheiro nos proteger de todos os males? No caso de Spears, a resposta é um sonoro não. Conforme a tese do documentário, Britney sempre foi uma jovem em busca do amor, sentimento negado em sua sinceridade no turbulento lar em que viveu, por isso, acabou se entregando com muita vulnerabilidade aos companheiros que demarcaram a sua fase de trevas.
É um ponto de vista interessante, coadunado com as informações expostas por fotógrafos, dançarinos, colunistas sociais, psicólogos e psiquiatras depoentes da produção. O que se revela é que a sua vida se tornou um aquário, ela como sangue dentro de águas dominadas por tubarões. A produção também revela o quão rentável era uma foto de Britney Spears, seja lá a atividade que ela estivesse fazendo. Sendo assim, se estabeleceu um mercado em torno do sofrimento psíquico alheio, cenário alimentado também pela artista, de certa maneira, em situações totalmente fora de orientação, tal como dirigir com o bebê no colo, dentre outras pequenas coisas, transformadas em gigantes pela mídia sempre sedenta por mais um capítulo desta história.
Diante de uma vida insuportavelmente midiatizada, a cantora enfrentou dramas profundos, tinha que dar uma declaração pública a cada processo que ocorria em sua jornada, se sentido constantemente humilhada diante destas obrigações de uma celebridade. Essas são as informações peneiradas enquanto conferia o documentário, narrativa que delineia um ponto de sua autobiografia não destacado nas produções que focam em tratar do “caso”: a morte de sua tia Sandra, alguém de confiança para a artista, luto que ajudou a potencializar as suas dores. Mas, no geral, Britney Spears: Breaking Point falha por, já em 2019, requentar algo que, tal como já mencionado, havia sido esgotado em tantas publicações desde 2004. Com o orçamento disponível e os depoentes, o documentário tinha o potencial para fazer um tratado sobre saúde mental e análise do jornalismo contemporâneo, mas se perde em suposições, opiniões divididas entre o interessante e o muito raso, culminando num produto genérico demais.
Britney Spears: Breaking Point (Britney at Breaking Point, EUA – 2019)
Direção: Lee Salisbury
Roteiro: Lee Salisbury
Com: Daniel Ramos, Rick Mendonza, Kate Thornton,
Duração: 45 min.