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Crítica | Bring Them Down

A guerra das ovelhas.

por Ritter Fan
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O desconhecido Chris Andrews começou sua carreira no cinema no começo dos anos 2000 como assistente de câmera e operador de câmera quase que exclusivamente na televisão em nove produções diferentes e, entre 2009 e 2019, dirigiu três curtas metragens, um deles também escrito por ele, e corroteirizou um quarto curta. Não se pode dizer que é uma vasta carreira preparatória para a cadeira de diretor de longas metragens, mas talento não é algo que se aprende e sim algo que se tem, e com certeza esse é o caso dele a julgar por Bring Them Down, sua estreia no cinema. Pode ser que estejamos falando de diretor de um filme só, que nunca mais acertará de verdade, mas isso é apenas especulação e só o tempo dirá, mas tenho para mim que existe muito potencial latente nele.

Para começo de conversa, seu primeiro longa é em parte falado em gaélico irlandês, língua completamente ininteligível mesmo para quem tem o inglês como língua nativa, uma escolha que deixa evidente que Andrews não quer facilitar nada para ninguém e nem, pelo menos nesse começo de carreira, curvar-se às exigência do cinema comercial. Além disso, a premissa é enganosamente simples, lidando com uma disputa entre rivais criadores de carneiros no interior da Irlanda, pois o que ele realmente quer discutir é uma combinação de conflito de gerações com masculinidade tóxica com a ideia de um infindável ciclo de violência que remonta provavelmente à Idade Média, com clãs lutando contra clãs até que um deles fosse exterminado por completo da face da Terra.

Não é, portanto, o tipo de filme que tem amplo apelo, já que ele é difícil de ver seja pelo crescendo de violência de homens contra homens, mas também contra animais, seja pela direção de fotografia de Nick Cooke que faz magistral uso de uma paleta de cores lúgubre, desesperadora e claustrofóbica em tons de cinza que consegue fazer com que até mesmo as raras cores fortes que são usadas pontualmente fiquem desbotadas, perdendo completamente seu vigor. É como a representação visual da culpa e da raiva que Michael (Christopher Abbott) guarda dentro de si, do azedume de seu pai quase inválido Ray (Colm Meaney), e da inveja do criador vizinho Gary (Paul Ready) que impregna seu filho Jack (Barry Keoghan).

A tensa e ao mesmo tempo intrigante primeira sequência de Bring Them Down já dá o tom da obra: alguns anos antes, Peggy (Susan Lynch), enquanto seu filho Michael (que não vemos) dirige o carro pelas estreitas estradas irlandesas com a namorada Caroline (Grace Daly) no banco de trás, conta para ele que vai se separar do pai, o que faz com que Michael acelere até bater, matando sua mãe e desfigurando a namorada. No presente, descobrimos que a morte da mãe foi mantida em segredo do pai – a ele foi contado apenas que ela foi embora – e que Caroline (agora vivida por Nora-Jane Noone), afastou-se de Michael e casou com Gary. Essa raiva, essa dor e esse segredo ancestral é como a lava só esperando para escapar e o sumiço de dois cordeiros reprodutores da fazenda de Michael é o estopim de uma inevitável espiral de violência que Andrews costura como um poema sombrio, como um tornado que destrói tudo em seu caminho.

Estruturalmente, o longa usa montagem não-linear, mas não no estilo clássico e sim algo que poderia ser classificado como semi-rashonônico, ou seja, usando a visão de pontos de vista diferentes para contar uma única e trágica história, mas sem que os eventos sejam exatamente recontados. Talvez a melhor maneira de descrever o que Andrews faz é usar o quebra-cabeças como metáfora. Até a metade do filme, com exceção do salto temporal do preâmbulo sobre a mãe de Michael, tudo segue linearmente, mas com o diretor deixando imperceptíveis buracos na narrativa, cujas peças ele, então, finalmente mostra na segunda metade, quando, então, passamos a compreender o quadro que ele planejava montar desde o início.

Não se trata, aqui, de um mero artifício narrativo para chamar atenção, vale dizer, mas sim uma maneira perfeitamente legítima de se contar uma história, já que grande parte do longa é visto pelos olhos de Michael que, claro, não sabe de tudo o que ocorreu. E, no lugar de usar os batidos flashbacks, o que vemos a partir de certa altura é uma sucessão de novas informações – que, vale salientar, nunca parecem tiradas da cartola de Andrews, pois tudo mantém uma excelente lógica interna – que vão terminando de estabelecer todo o panorama para o nosso benefício, reiterando inclusive o aspecto cíclico da história sendo contada, com a perpetuação e recrudescimento de atitudes que muito claramente vêm de profundos traumas que alimentam novos traumas. Imaginem os novos círculos do inferno conforme Dante Alighieri, só que com todos os personagens masculinos da produção em uma corrida enlouquecida para chegarem ao mais profundo, mas sem que os horrores de homens contra homens sejam sequer por um momento glamourizados. Muito ao contrário, o que Andrews faz é desnudar o quanto todos ali são patéticos subprodutos da humanidade presos a um microcosmo de autodestruição.

Se Chris Andrews continuar pelo caminho que inaugura com Bring Them Down, sem deixar-se levar pela tentação do lado comercial da Indústria Cinematográfica, consigo perfeitamente visualizar obras ainda mais perturbadoras vindo dele em futuro próximo. Com certeza essa é uma carreira nascente a ser devidamente acompanhada.

Bring Them Down (Irlanda, 2024)
Direção: Chris Andrews
Roteiro: Chris Andrews (baseado em história de Chris Andrews e Jonathan Hourigan)
Elenco: Christopher Abbott, Barry Keoghan, Colm Meaney, Nora-Jane Noone, Paul Ready, Susan Lynch
Duração: 105 min.

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