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Crítica | Bright

por Ritter Fan
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Uma aposta audaz de 90 milhões de dólares do Netflix que tem todos os predicados de arrasa-quarteirão de verão americano, com elenco encabeçado por Will Smith, Bright é uma mistura de comentário social desengonçado, filme buddy cop fortemente inspirado no clássico oitentista Missão: Alien com mais do que apenas pitadas de O Senhor dos Aneis dentro de uma estrutura de “espaço confinado” que vemos, dentre outros vários possíveis exemplos, em Os Aventureiros do Bairro Proibido. E o resultado é decididamente divertido, ainda que muito aquém de seu potencial.

Pareando Will Smith como o policial veterano humano pai de família Daryl Ward com Joel Edgerton como o recruta novato e primeiro orc policial Nick Jakoby, a inusitada e ao mesmo tempo familiar dinâmica entre parceiros que precisam trabalhar juntos em ambiente hostil apesar de não se gostarem é imediatamente estabelecida pelo roteiro de Max Landis, que não perde tempo em dar uma história pregressa bem simples e objetiva à dupla, com Ward ressentido com Jakoby por ele ter falhado em capturar o orc que o atingira dias antes. A distância entre os dois, inevitavelmente presos um ao outro, é o que serve de estopim para que, durante os 30 minutos iniciais, a narrativa empurre goela abaixo sua crítica social, ou seja, preconceito racial e violência policial em um mundo cuja diferença para o nosso é que humanos convivem com os tais orcs, além de duendes, fadas e a casta superior dos elfos, que tem uma espécie de Valfenda urbana no coração de Los Angeles.

Esse primeiro terço da narrativa é bem conduzido por David Ayer, que bombardeia o espectador com curiosidades deste mundo tão igual, mas tão diferente do nosso, desde o grafite que abre a projeção, passando pela fada que importuna Ward e sua esposa e marcando fortemente o delineamento de Jakoby como um pária rejeitado por sua própria raça por ter recusado o sistema de clã e também pelos humanos, em razão de um conflito apenas mencionado brevemente aqui e ali que ocorreu há dois mil anos.  Estabelecida essa introdução, que é quase um capítulo separado dentro da estrutura narrativa total, os dois são imediatamente jogados em meio à ação que primeiro parece trivial, mas que logo se revela como uma caçada a um MacGuffin, no caso uma cobiçada e extremamente poderosa varinha mágica que só pode ser empunhada pelos chamados brights, alguns poucos (normalmente elfos) que podem tocar no objeto sem explodir.

Usando um artifício mágico bastante conveniente, a fuga da dupla e da elfa Tikka (Lucy Fry) com a varinha fica circunscrita a alguns quarteirões da cidade dominados por gangues locais que também os caçam em concorrência à elfa Leilah (Noomi Rapace) que quer reviver um tal de Lorde das Trevas que é sem dúvida uma nada discreta referência a Sauron, aquele mesmo do “um anel” e à força federal anti-mágica (impossível não lembrar do Ministério da Magia) que tem no elfo Kandomere (Édgar Ramírez) seu estoico e empolado símbolo máximo. O que segue daí é muita pancadaria, muito tiroteio, muito diálogo espertinho e, claro, muita mágica em uma progressão narrativa absolutamente previsível em seus mínimos detalhes, mas que cumpre sua função de ser um espetáculo pirotécnico hollywoodiano para ser esquecido assim que os créditos começam a rolar.

Depois que o terço introdutório acaba, a direção de Ayer descamba para a mais completa normalidade, com pecados de uma fotografia escurecida crivada de cortes rápidos, muitas vezes lembrando o tipo de confusão que sua outra parceria recente com Will Smith criou. A vantagem de Bright em cima de Esquadrão Suicida, porém, é que o foco é em apenas dois personagens e a história não é completamente idiota, apenas simplória, daquelas que já vimos dezenas – senão centenas – de vezes por aí. Também como em Esquadrão Suicida, ainda que de forma bem mais orgânica, há uma presença marcante de uma trilha musical variada com obras que variam do rap ao heavy metal, passando pelo pop que emprestam cores às variadas raças que populam a fita.

A maquiagem de Joel Edgerton é um belo e delicado trabalho que, ao mesmo tempo que camufla as feições originais do ator, deixa-nos ver o suficiente para termos lampejos de reconhecimento e, mais do que isso, abre espaço para que o ator efetivamente mostre seu trabalho. Não é uma atuação que marque ou que seja particularmente especial, pois a fotografia noturna impede que vejamos detalhes, mas ela é honesta e crível o suficiente para construir um personagem de fantasia que por vezes o espectador esquece que é um orc. Smith, por seu turno, é Smith. O ator, apesar de sempre carismático, é praticamente a mesma coisa em filmes desse naipe desde que derrubou alienígenas invasores com seu caça em Independence Day. O que realmente importa, porém, é que há química entre os dois que transparece com facilidade diante das câmeras.

O mesmo não pode ser dito de Rapace, que faz uma vilã tão rasa quanto a aliada da dupla, vivida por Fry. As duas, “elfadas” por meio da mistura de um trabalho de prótese e maquiagem com leves toques de computação gráfica na escola de O Senhor dos Aneis, são quase que decorações de cenário, sem passado, sem motivações, sem qualquer elemento que permita uma ligação maior com elas. Mais um desperdício do talento de Rapace, sem dúvida.

Fundindo gêneros mais do que conhecidos em um resultado sem qualquer originalidade, ainda assim Bright consegue divertir quem estiver procurando matar quase duas horas com alguma coisa que não exija muito da massa cinzenta. A jogada arriscada do Netflix de criar sua própria franquia cinematográfica de fantasia pode não ser muito mais do que um passatempo, mas não há nada intrinsecamente ruim nisso, não é mesmo?

Bright (Idem, EUA – 22 de dezembro de 2017)
Direção: David Ayer
Roteiro: Max Landis
Elenco: Will Smith, Noomi Rapace, Lucy Fry, Joel Edgerton, Veronica Ngo, Jay Hernandez, Edgar Ramirez, Ike Barinholtz, Andrea Navedo, Dawn Olivieri, Chelsea Rendon, Brad William Henke, Nadia Gray, Happy Anderson, Nea Dune, Kenneth Choi, Enrique Murciano, Laura Vallejo
Duração: 117 min.

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