Um drama que se oferta como bom representante da safra de filmes do cinema brasileiro nos últimos anos. Com um feixe amplo de interpretações, Breve Miragem de Sol trata do homem urbano comum, perdido na selva que é a sociedade capitalista cotidiana, meritocrática, excludente, racista, dentre outras tantas coisas que demonstram o abismo psicológico de muitos que circundam o nosso atual tempo histórico. Numa leitura direcionada, podemos dizer que a produção é uma trama breve sobre a celeuma da uberização dos serviços, isto é, a atual precarização da mão de obra de pessoas que trabalham no setor de serviços. Produção exclusiva do Globoplay por aqui, o filme estreou no Festival de Londres e foi apontado por alguns espectadores como lento, algo que pode não atrair as plateias mais massivas.
Dirigido por Eryk Rocha, guiado pelo roteiro escrito numa parceria com Fabio Andrade e Julia Ariani, a narrativa não é uma história hermética. Na verdade, seu conteúdo é até muito simples. Torna-se complexa quando a interpretamos diante do nosso contexto sociopolítico marcado pelo desemprego, falta de perspectiva, economia favorável aos representantes das grandes corporações ou membros já nascidos ou alçados por algum motivo ao patamar da confortável vida de classe média-alta. Na trama, Paulo (Fabrício de Oliveira) é um homem recém-divorciado que atua momentaneamente como motorista de táxi no período noturno e da madrugada. Ele faz corrida para todo tipo de gente: os educados, as travestis, os bêbados, jovens inconsequentes e mulheres que seguem para as suas respectivas jornadas de trabalho.
Uma delas é Karina (Bárbara Colen), enfermeira que trabalho num hospital público do Rio de Janeiro e acaba se envolvendo com o motorista, homem fragilizado sentimentalmente e ainda angustiado por causa do distanciamento de seu filho, sob os cuidados da mãe do menino. Se por um lado Karina traz um sopro de vida para o seu cotidiano, por outro, há muitas questões não resolvidas em sua vida pessoal, estagnada por conta dos problemas financeiros e ausência de perspectiva em seu cenário de desemprego. Enquanto trafega pela cidade, conversa com outros taxistas, acompanha manifestações e outras ações dos cidadãos que circulam cotidianamente e ajuda a urdir o tecido de acontecimentos deste território sempre em movimento constante.
A ideia de movimentação, por sua vez, está no que observamos acontecer diante do olhar do motorista, neste drama de pouquíssimos diálogos e mais contemplação do tempo. Fosse mais um pouco dinâmico, talvez ganhasse ainda mais reverberação, principalmente por fazer parte de um serviço de streaming como o Globoplay, espaço voltado aos espectadores e suas mãos nervosas para mudar de conteúdo, haja vista o acervo disponível cheio de outras atrações e a não obrigatoriedade de ficar até o fim da sessão por ter pagado um ingresso, dentre outros inconvenientes que atravessamos no mundo do consumo da arte cinematográfica. Isso, no entanto, nega Breve Miragem de Sol de ser o que ele é: um filme calmo, ameno, reflexivo, talvez voltado mesmo para um público mais fechado, sem interesse em atender a qualquer um.
Quem assume a direção de fotografia é Miguel Vassy, setor muito eficiente na apresentação deste personagem esférico diante de um mundo agitado, visto muitas vezes de seu ponto de vista peculiar: o banco do motorista de um táxi que precisa faturar o mínimo para dar conta da pensão do filho e de sua própria sobrevivência. De volta ao esquema de uberização, o filme é uma trama sobre um homem empreendedor, mas alijado de outros direitos mais básicos, pois atua num serviço de valorização baixa e remuneração idem. Em sua jornada, não apenas ele é um sucateado, mas os seus colegas e até mesmo alguns passageiros com história nada fáceis de se enfrentar diariamente. Breve Miragem de Sol é muito coisa e abre possibilidades para um compêndio de reflexões, uma realização nacional que merece ser devidamente conhecida.
Breve Miragem de Sol (Brasil, 2019)
Direção: Eryk Rocha
Roteiro: Eryk Rocha, Fabio Andrade, Julia Ariani
Elenco: Fabrício Oliveira, Bárbara Colen, Cadu N. Jay
Duração: 90 min