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Crítica | Brazil – O Filme

Sorria! Você está sendo filmado!

por Rodrigo Pereira
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Sam Lowry em uma cadeira prestes a ser torturado.

Sam Lowry (Jonathan Pryce) é um homem sem grandes ambições que trabalha para o governo em um setor extremamente burocrático. Mesmo com sua mãe, interpretada por Katherine Helmond, sendo uma influente mulher da mais alta classe, Sam não possui interesse em ascender socialmente, pretendendo seguir com seu emprego e sua vida comum. Porém, ele é atormentado por um sonho em que ocupa o posto de um herói tentando salvar uma linda donzela. Em meio a isso, é enviado para consertar um erro do governo e cruza com Jill Layton (Kim Greist), a mulher dos seus sonhos, na vida real. Agora, ele precisa encontrar um jeito de evitar que Jill também seja vitimada pelos enganos governamentais. Essa é a trama de Brazil – O Filme, uma obra sobre distopia, burocracia, aparências e abuso de poder.

Com direção de Terry Gilliam, um dos integrantes do Monty Python, era de se esperar que a comédia nonsense e surreal, característica do grupo britânico, estivesse presente no longa (o que não só se confirma como também funciona maravilhosamente). Ao construir o universo de Brazil, Gilliam brinca com situações triviais, como a relação mãe e filho dos Lowry, trazendo o absurdo para o contexto, como as incessantes cirurgias plásticas da mãe que a tornam cada vez mais jovem e irreconhecível para o filho, criando interações hilárias. Sem contar, claro, com a crítica pela busca da juventude eterna e o efeito manada de fazer algo só porque outros estão fazendo, mesmo que isso signifique colocar sua vida em risco, tal qual a Sra. Alma Terrain (Barbara Hicks).

O diretor também expõe muito bem os temas que pretende abordar através dos cenários. A burocracia extrema, presente em praticamente todas as ações da população, é representada por toda a parafernalha existente em quase todas as casas e locais de trabalho. Destacaria a sala do Sr. Kurtzmann (Ian Holm), chefe de Sam, como o melhor exemplo, com uma quantidade tão grande de itens, mobílias e acessórios que sentimos desconforto com tamanha poluição visual, refletindo a burocracia exagerada e desnecessária que compõe aquele e todos os demais setores do governo.

Com um governo absolutamente controlador, abusivo e viciado em informação (informação é poder, afinal), vemos como os moradores de Brazil são submetidos ao consumismo descontrolado desde a mais alta classe, representada pelo núcleo de Ida Lowry, até os “meros mortais”, representados pelo núcleo do Sr. Buttle (Brian Miller). As casas dessas pessoas, além de repletas de aparelhagens diversas, são totalmente equipadas com tubulações enormes que ficam à mostra e passam por todos os cômodos. Muito similares aos tubos que levam informações para todo canto dos prédios governamentais, sugerindo que o governo passa por dentro de todas as casas coletando as informações, controlando, assim, a vida da população.

Um ponto interessante é perceber as semelhanças estéticas e de narrativa entre Brazil – O Filme e Metrópolis, de Fritz Lang. A concepção da cidade, assim como no clássico alemão, é extremamente verticalizada, com prédios enormes e imponentes, principalmente quando se está no asfalto. Isso reforça a sensação de opressão e vigilância governamental constante e da separação de classes, com aqueles mais próximos do céu sendo possuidores de uma vida melhor às custas da exploração dos que ficam abaixo. Da mesma forma, a relação entre Sam e Jill se assemelha com a de Freder e Maria, pois pertencem a classes radicalmente opostas.

Também é curioso notar o vislumbre de Sam quando se aproxima de Jill e adentra seu mundo. Por ser proveniente de um local onde as dificuldades cotidianas não são comuns e a monotonia toma conta de sua vida de adulto, ele fica encantado simplesmente por estar próximo de Jill, seu grande amor. Sua irresponsabilidade, fruto tanto da desconexão com o mundo real quanto do entusiasmo romântico, coloca em risco a vida de ambos, expondo a completa falta de noção da realidade e a inconsequência que acomete a alta classe social.

Se o governo é capaz de controlar e influenciar as pessoas a ponto de moldá-las dessa forma, o que acontece com quem não segue suas regras? O que costuma ocorrer com quem desafia poderosos tirânicos: criminalização e perseguição. E essa questão está perfeitamente bem representada com Archibald “Harry” Tuttle (Robert De Niro), um engenheiro térmico que conserta o ar-condicionado da casa de Sam e é procurado pelo governo. Ele realiza seus serviços fora dos protocolos e formulários, fugindo da burocracia e, portanto, sendo visto como inimigo público.

Sua figura representa o perigo para a ordem vigente, tendo em vista que oferece uma alternativa mais funcional e, logo, deve ser eliminada. Afinal, como alguém se atreve a oferecer algo diferente daquilo que os atuais regentes sociais oferecem? Quem sabe o que é bom ou ruim para todos é quem já comanda tudo e todos. Sem perguntas!

Ainda que tenham sido cidadãos exemplares e jogado o jogo conforme as regras, saibam que, em caso de questionamentos ou afrontas, receberão visitas dos agentes da ordem para colocá-los em seu devido lugar. Caso insistam pela não cooperação, não haverá alternativa a não ser o mesmo futuro destinado a Sam: a reclusão ao imaginário para sentir-se livre de alguma forma.

Brazil – O Filme (Brazil) – Estados Unidos, Reino Unido, 1985
Direção: Terry Gilliam
Roteiro: Terry Gilliam, Tom Stoppard, Charles McKeown
Elenco: Jonathan Pryce, Robert De Niro, Katherine Helmond, Ian Holm, Bob Hoskins, Michael Palin, Ian Richardson, Peter Vaughan, Kim Greist, Jim Broadbent, Terry Gilliam, Derrick O’Connor, Roger Ashton-Griffiths, John Pierce Jones, Barbara Hicks, Charles McKeown, Kathryn Pogson, Bryan Pringle, Nigel Planer, Terence Bayler, Gorden Kaye, Jack Purvis, Howard Lew Lewis, John Flanagan, Sheila Reid, Ray Cooper, Brian Miller, Simon Jones, Derek Deadman
Duração: 143 min.

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