Num mundo extremamente globalizado e interconectado, pós-moderno, a nova jornada do protagonista Borat (Sacha Baron Cohen) pela América acalenta o anseio por algo mais claro na frustrante ambiguidade de tempos modernos e incessantemente rápidos para compreender críticas elaboradas além do informativo. Por isso, se o personagem fictício que adentra na realidade americana para a expor, agora, é amplamente popular, a nova mecânica humorística e agregação narrativa aposta no duplo sentido, que tanto corresponde a uma mudança de paradigma para uma autoconsciente sequência cinematográfica, como reflete de imediato a problemática ativa da sociedade americana atual, de extremos políticos. Tudo se parece um grande talk show fora do palco ou estúdio, programado para um ativismo anti-Trump e disposto a desgastar-se como função de resposta ao momento atual.
A empreitada de Borat rumo aos Estados Unidos evidencia-se como desgostosa pela repetição e como duplo sentido negativo, em que o povo do Cazaquistão, dentro do filme, não mais o apoia pela justificativa de que ele popularizou negativamente o país no cinema com sua primeira reportagem no país estrangeiro, mas serve também como apresentação e representação no filme da imagem xenofóbica defendida pelo governo Trump para os americanos, em que o país acaba por não ser mais uma terra almejada, e também porque ela não querer estrangeiros. Essa múltipla interpretação caminha por toda a obra, uma ação que na verdade é uma reação provocativa que vai se desvendando. Os termos ficcionais são apoios secundários, toda a história da filha de Borat, Tutar Sagdiyev (Maria Bakalova), dramaticamente tem apelo emocional pelas respostas de acolhimento ou de choque dentro dessa ideia reativa, assim como todo o processo de Borat fantasiar-se baseado na desculpa conectada do mundo real e ficcional que ele é um personagem popular.
São sempre meios novos de renovação da mesma história no contato cultural de Borat, que agora se torna mais uma afirmação de protesto e discurso do que uma exposição de algum defeito social da América. Não há mais com o que se divertir na ambiguidade, a fantasia de Klu Klux Klan que logo em seguida é trocada dentro do banheiro por uma caricatura de Trump, com prótese facial, para entrar num comício conservador carregando Tutar nos ombros é o objetivo claro da crítica, mesmo que a iniciativa ficcional disso por Borat seja um presente conivente ao machismo permeado pelos aliados trumpistas do governo para uma amizade com o governo do Cazaquistão. Logo, não há dúvida ao longo do filme, o projeto sequência de Sacha Baron Cohen é bem mais contextual que narrativo de maneira incessantemente consciente.
Nesse sentido, a autoconsciência vem da valorização da imagem mais documental para ilustrar esse novo espírito direcionado para o presente. Qualquer aspecto mais claramente teatral fica submetido a um amadorismo, mas contém a corrente cômica pautada pelo refúgio do sufoco presente nas denúncias polêmicas, ou para cenas consideravelmente ajustadas por um reforço emocional para o público contemporâneo. A atriz Maria Bakalova insere o centro necessário de amarra tanto para a crítica feminista ao conservadorismo de Trump quanto para acrescentar pretextos imprevisíveis e mais cômicos para concorrer com Sacha e seu Borat já conhecido pelo espectador. É dela também o princípio mais irreverente do longa-metragem, tendo em vista a realidade conhecedora da ficção de Borat.
A filha Tutar assume um papel mais intenso dentro da lógica do duplo sentido, “frontalizando”, como personagem desconhecida, os perigos abusadores de homens sulistas e políticos importantes, assim como ela recebe apoio feminino quanto à compreensão de sua liberdade como mulher, para depois ensinar liberdade sexual às mulheres conservadoras. Isso se torna mais forte porque não se perfura a dimensão ficcional, Tutar na verdade vai se tornando mais realista, e a fotografia documental contribui para que a atriz se transforme nesse formato de maneira impressionante numa absorção estranhamente desenvolvida por conceitos modernos, distante do estereótipo machista cazaque que Borat sempre apresentou à filha. Bakalova é central para inovar nessa fita sequência diante da memória invariável e comparativa de quem assiste ao filme, pois ela apresenta o humor estereotipado e o realismo jornalístico diante das câmeras, tornando o pai Borat um aparador de arestas que, diante da mudança temporal da realidade, necessita de subterfúgios para trabalhar por seu país.
Diante desse quesito, a autoconsciência mediadora para o espectador e as mudanças temporais abrem brechas para comentários diretos e novas situações cômicas que agregam para reviravoltas mais ficcionais. Mesmo quando o filme ressoa como uma grande esquete aproveitadora da frustração moderna do estado político de extrema direita com visões desumanas, como o tratamento de mexicanos e mulheres, o fruto do humor permite que o filme aproveite o duplo sentido para afunilar questões mais imediatas, como a pandemia do Coronavírus e as eleições americanas de 2020. Se ao longo da obra o protesto de Borat não é claro, ele se utiliza de sua introdução no Cazaquistão para ser o resultado vingativo e objetivo aos ianques e conservadores dentro de uma linha fina de drama paterno que circunda toda a trama. Assume-se, assim, um caráter mais corrente e bem harmonioso com todo o projeto crítico e humorístico, em que a filha Tutar é transformada pela sociedade americana, e Borat importa pensamentos americanos de proporções reversas para a cultura machista cazaque em roteiro de humor, como a comercialização de noivos como nova empreitada comercial.
Porém, dentro dessa dimensão há agulhadas na degradação cultural americana; enquanto o início do filme é o desestímulo a ir para os Estados Unidos, sua finalização é acometida de um rancor ácido dentro da transformação hollywoodiana ficcional nos resquícios do efeito menos documental e mais artificial das cenas. Tais agulhadas são abrangentes, como o efeito extrafilme intencional esclarecido, observar alguns trumpistas mostrando-se moralmente confrontados com questões sexuais e o tratamento abusivo de mulheres, e como Borat na verdade era uma bomba virulenta que Trump não esperava receber em seu país por parte do Cazaquistão. É, desse jeito, um filme extremamente sagaz para o seu momento, e qualquer efeito desgastante disso no tempo, seja da piada ou dos contextos representativos de mudanças temporais com celular, sustenta-se por ser uma obra que tem uma extensão demarcada, como um talk show numerado e seu tema escolhido a dedo para o lançamento.
Por fim, é uma obra que se baseia na pauta da necessidade, como se Borat lançasse no período certo e de maneira apontável a essa intenção. Não existe espaço para narrativas paralelas, é um filme fundamentado em justificativas que envolvem o conhecimento prévio de quem é Borat e de como o mundo parece ter ficado mais errado do que qualquer exagero do preconceituosamente imaginado Cazaquistão. Quando o Facebook e as redes sociais tornam-se os livros principais da sociedade, o termo fake news não precisa ser citado no filme para a compreensão da involução que aparenta a crença histórica da negação do Holocausto. Embora Borat comemore a existência dele erroneamente, são nesses duplos sentidos que o filme demonstra a loucura sã que Borat passa a representar, mesmo que fantasiado na maior parte do longa. Até num período de pandemia, quando abraçar pessoas, especialmente idosos, representa um risco, uma judia velhinha abraçando e beijando Borat é o acalento doloroso dentro da proposta presente, ou imediatista, que se convém necessária inevitavelmente como efeito de memória, porque é um filme assumidamente sequencial e ativista nas eleições americanas. Se antes Borat era um expositor humorado, torna-se ficcionalmente um vilão pandêmico e um herói cazaque-americano em algumas medidas reais. Esse é o grande duplo sentido que comporta ambiguidades que fora do ponto imediato podem perseverar o filme no tempo.
Borat: Fita de Cinema Seguinte (Borat Subsequent Moviefilm: Delivery of Prodigious Bribe to American Regime for Make Benefit Once Glorious Nation of Kazakhstan) – EUA | Reino Unido, 2020
Direção: Jason Woliner
Roteiro: Sacha Baron Cohen, Anthony Hines, Dan Swimmer, Peter Baynham, Erica Rivinoja, Dan Mazer, Jena Friedman, Lee Kern
Elenco: Sacha Baron Cohen, Maria Bakalova, Tom Hanks, Dani Popescu, Manuel Vieru, Miroslav Toji, Alin Popa
Duração: 95 min.