Em seu terceiro longa-metragem, O incrível Resgate, Bob Esponja sai em mais uma missão, dessa vez atrás de sua lesma de estimação, Gary, que foi raptada. Ao longo de sua jornada para a Cidade Perdida de Atlantic City, a esponja de calça quadrada e seu melhor amigo, Patrick “estrela do mar”, precisam lidar com diversas ameaças. Se algumas partes da proposta do filme parecem um pouco parecidas com o primeiro longa do personagem, de 2004, já aviso que a reciclagem de tramas e até piadas não para por aí.
Esse filme serve tanto como uma prequela para a série animada de Bob Esponja, como uma continuação, alternando entre a missão atual dos personagem em busca de Gary e flashbacks do primeiro dia da esponja no acampamento Kamp Koral. A direção ficou por conta de Tim Hill, responsável por vários roteiros da animação original e do ótimo filme de 2004, mas talvez não seja a melhor ideia deixá-lo por trás das câmeras, considerando que também já dirigiu desastres como Garfield 2, que já é a continuação para o maior acidente da história do cinema (um dia meu ódio pelo primeiro filme de Garfield desaparecerá, mas antes vou precisar de muita terapia).
O que mais chama a atenção aqui é o estilo de animação, bem mais estilizado, com personagens e cenários “realistas”, o que traz um visual mais sofisticado e orgânico quando temos o protagonista interagindo com convidados em live action, mas ao mesmo tempo há um certo desconforto ver que esse traço mais definido tira um pouco do diferencial da animação mais absurda e quase experimental característica da série, que fez bastante sucesso por conta das expressões exageradas dos personagens. Isso não é algo que afeta negativamente esse novo longa, mas pode deixar alguns espectadores menos envolvidos em algumas sequências em que esse traço mais exagerado seria muito bem-vindo.
Como mencionei anteriormente, Tim Hill esteve envolvido em diversos roteiros da série, mas é estranho ver como esse longa parece ter esquecido pontos chave da mitologia do personagem, ou será que foi uma forma de retcon? Durante os segmentos do acampamento no passado, temos Bob Esponja conhecendo a esquilo Sandy, o que vai na contramão do que a série estabeleceu, já que nela os dois só chegam a se encontrar depois de adultos. Mas esse é o menor dos problemas do roteiro (ainda tenho algumas coisas para dizer sobre ele nos próximos parágrafos), carregado de subtramas desnecessárias e aleatórias que, ao contrário de filmes anteriores, não possuem qualquer consistência entre os temas que apresenta.
Se o longa de 2004 desenvolve suas piadas em volta do drama pessoal do protagonista, que não é considerado adulto o suficiente para assumir um cargo no restaurante onde trabalha, O Incrível Resgate não compreende que o humor nonsense não é engraçado apenas por ser inesperado e aleatório, mas pode ser uma forma de criar humor contradizendo a premissa inicial. Longe de mim querer explicar comédia para alguém, principalmente porque humor é subjetivo, mas a estrutura de Bob Esponja sempre foi bem clara, e esse novo filme não parece entendê-la.
Isso me leva a outro ponto que deve ser relevado e pode deixar alguns fãs ainda mais incomodados, que é o fato do próprio criador do personagem, Stephen Hillenburg, que morreu em 2018, ser totalmente contra algumas das decisões criativas de O Incrível Resgate. Hillenburg sempre teve regras bem claras sobre sua criação, e uma delas envolve o desenvolvimento de futuros derivados da série (ou spin-offs), algo considerado desnecessário por ele. O roteiro de Tim Hill não só possui seus próprios problemas de estrutura, como comete o pecado de fazer com que o terceiro ato sirva como uma propaganda descarada para uma futura série (já anunciada e em produção) sobre o passado dos personagens no acampamento Kamp Koral, parando toda a história para uma longa sequência onde cada personagem explica como conheceu Bob Esponja no mesmo lugar.
A propaganda não só fica ridiculamente óbvia, como evidencia um enredo fraco, que precisa constantemente lembrar o protagonista de seu objetivo. Em diversos pontos da trama, algum personagem relembra a esponja que ela está em uma missão de resgate e não pode continuar se distraindo ao longo do caminho, um que está novamente recheado de participações especiais, algo bem comum da franquia. Felizmente, aqui temos um enorme acerto em trazer celebridades como Danny Trejo e Keanu Reeves, que estão bem engraçados, mas eu ainda não sei como me sinto sobre um número musical surpresa de um rapper que eu gosto, mas não sei se combinou com a cena.
Mesmo com um novo estilo animado mais sofisticado, Bob Esponja: O Incrível Resgate se atrapalha em um roteiro fraco que recicla narrativas e piadas da série e filmes anteriores. Pode ser um entretenimento completamente válido para a família, considerando que ainda há várias sequências divertidas e nunca é ruim rever os personagens que adoramos, mas é uma pena terem desperdiçado a chance de fazer algo melhor com uma equipe que contava com os dubladores originais, ótimos convidados especiais e até Hans Zimmer nas composições musicais.
Stephen Hillenburg foi o gênio por trás da criação da Fenda do Biquíni e de alguns dos personagens mais icônicos da TV, e é uma pena ver que produções como essa podem até separar alguns segundos para colocar seu nome nos créditos finais como dedicatória, mas também não perdem tempo para desrespeitar sua visão. É curioso como os roteiros de Bob Esponja sempre pareciam estar um passo à frente do espectador nas piadas, mas O Incrível Resgate acaba sendo o alvo delas.
Bob Esponja: O Incrível Resgate (The SpongeBob Movie: Sponge on the Run – EUA, 2020)
Direção: Tim Hill
Roteiro: Tim Hill, Glenn Berger, baseado na obra de Stephen Hillenburg
Elenco: Tim Hill, Clancy Brown, Bill Fagerbakke, Rodger Bumpass, Carolyn Lawrence, Mr. Lawrence, Awkwafina, Tom Kenny, Jill Talley, Reggie Watts, Matt Berry, Antonio Raul Corbo, Keanu Reeves, Veronica Alicino, Danny Trejo
Duração: 91 min.