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Crítica | Blues da Antimatéria (Mickey7 #2), de Edward Ashton

A bomba da salvação.

por Ritter Fan
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O que Edward Ashton faz na continuação de seu mediano Mickey7 pode ser muito facilmente visto como ousado, no mínimo libertador, especialmente nos dias de hoje em que sequências em geral – audiovisuais ou literárias – tendem a ser apenas uma repetição do material original, sem nenhum tipo de risco. Não é um ousado excelente, incrivelmente fantástico, de deixar o leitor de queixo caído, mas é ousado mesmo assim, o que de imediato já ajuda a distanciar Blues da Antimatéria (minha tradução direta do título original, já que não houve ainda publicação no Brasil) daquela pegada cheia de gatilhos cinematográficos desavergonhados que Ashton colocou no papel em seu romance de 2022 cujos direitos de adaptação para o Cinema foram adquiridos antes mesmo do lançamento.

Mas que ousadia é essa que menciono? Simples: o autor deixou para trás, ainda que não de maneira absoluta, a premissa que justifica a própria existência de Mickey7, ou seja, a clonagem sucessiva de um humano “prescindível” ou “descartável” para tarefas que podem muito provavelmente matá-lo em um contexto de exploração espacial e colonização e terraformação do planeta Niflheim a partir de Midgard, uma colônia da Terra já estabelecida há tempos. No entanto, há um preço alto cobrado por essa escolha, preço esse que Ashton não consegue pagar totalmente. A narrativa que entra no lugar da discussão de cunho filosófico que indaga sobre a natureza da sexta cópia de um humano original, Mickey Barnes, é consideravelmente prosaica, simples, não sendo mais do que uma jornada perigosa pelo planeta em início de colonização humana para a recuperação da bomba de antimatéria que o protagonista escondera ao final do primeiro livro, já que a energia que ela libera precisa servir de combustível para a base prosperar.

Quando o romance começa, dois anos se passaram e Mickey7 aposentou-se de sua posição de prescindível para desgosto profundo do líder da colônia, que considera que, agora, ele basicamente não faz nada de útil para uma comuninade pequena que precisa que tudo esteja funcionando de maneira otimizada, sem gargalos, sem falhas. Quando ele recebe a ordem de recuperar a bomba, ele logo desconfia que há algo mais por trás disso e, mesmo tomando precauções, nada descobre, tendo que, então, localizar a arma de destruição em massa somente para perceber que ela sumiu. Isso, então, dá azo a uma expedição mais ampla, em que Mickey ao lado de sua namorada, melhor amigo e outros membros da colônia, atravessam o planeta na direção sul a bordo de um transporte terrestre com a ajuda de uma criatura cuja colmeia Mickey estabelecera contato antes que se dispõe a ajudá-lo.

Com exceção da estrutura simpática, mas extremamente batida da história e da interação de Mickey com humanos e insetoides, o que fica é aquela lição de moral didática ao extremo sobre a importância de estudar e conhecer as criaturas de determinado habitat, especialmente se esse habitat, agora, também será o seu próprio, com pitadas de críticas ao colonialismo e aspectos semelhantes que, porém, sempre ficam em segundo plano em relação à aventura. Como acontece com o primeiro livro, o resultado é uma história que entretém daquele jeito rasteiro, sem grandes arroubos de originalidade, valendo destaque para a narração em primeira pessoa que Ashton conduz muito bem com seu jeito sarcástico e ao mesmo tempo autodepreciativo de escrever Mickey.

Blues da Antimatéria, admito, chegou a dar-me esperanças de que Ashton, livre da camisa de força de sua premissa original que ele esgotara no primeiro livro, ofereceria algo a mais ao leitor, algo que compensasse essa sua escolha definitivamente ousada de fazer de Mickey7 apenas Mickey Barnes, não mais do que apenas outro colonizador do planeta Niflheim que conseguiu estabelecer comunicação com uma das espécies inteligentes que preexistiam por ali. Infelizmente, porém, tudo o que o autor tem a dizer no segundo livro da série é uma repetição levemente melhorada do que ele já havia abordado antes, como um livro clone, só para usar uma analogia “esperta”. Será que Ashton retornará a esse universo? Desconfio que a resposta a isso dependerá do sucesso da adaptação cinematográfica do primeiro capítulo da saga…

Blues da Antimatéria (Antimatter Blues – EUA, 2023)
Autoria: Edward Ashton
Editora: St. Martin’s Press
Data original de publicação: 14 de março de 2023
Páginas: 304

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