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Crítica | Bloodline – 2ª Temporada

por Ritter Fan
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estrelas 3

Bloodline é uma série que se caracteriza pela queima lenta (slow burn, como os americanos dizem), ou seja, os acontecimentos vão se desenrolando vagarosa e uniformemente, sem grandes arroubos de ação ou reviravoltas espetaculares. É um drama quase novelesco que, como salientei diversas vezes na crítica da 1ª temporada, fia-se fortemente em seu ótimo elenco principal.

No entanto, na 2ª temporada, a trinca de criadores exagera na lentidão e demora a justificar a própria existência da temporada, criando um exceedingly slow burn ou queima excessivamente lenta. Perde-se muito tempo com os dilemas morais causados pelo assassinato de Danny Rayburn (Ben Mendelsohn) por seu irmão John (Kyle Chandler), que, por sua vez, traga Meg (Linda Cardelini) e Kevin (Norbert Leo Butz) para a situação, como se a tentativa de legitimar o feito tivesse alguma chance de funcionar. Ainda que, no começo da 1ª temporada, fosse possível ter alguma dúvida sobre a retidão moral dos membros da família Rayburn, com a morte de Danny, praticamente apenas a proverbial cereja no bolo, isso acabou ou deveria ter acabado. Mas a 2ª temporada continua tentando pintar os irmãos – e a mãe (Sissy Spacek), talvez a pior de todas – como pessoas com algum resquício de moralidade.

Em outras palavras, há muita hesitação em se mergulhar no cerne da questão – como a morte de Danny afeta a família e todos ao redor – e isso atravanca o desenvolvimento dramático da temporada. O estabelecimento de uma trama paralela envolvendo Nolan (Owen Teague, um clone mais novo de Mendelsohn), filho de Danny que, até o finalzinho da temporada anterior, era desconhecido pela família, Evangeline (Andrea Riseborough), mãe do jovem e Ozzy (John Leguizamo) malandro-mor e amante de Evangeline funciona muito mais como elemento principal de contraste com a família “legítima” Rayburn do que como algo que realmente funciona. Para começar, os três personagens são estereótipos de suas condições – jovem rebelde e desajustado, mãe desleixada, mas no fundo amorosa e bandidinho porcaria – e os três atores não têm muito o que fazer, perdendo em empatia, relevância e em praticamente todos os demais quesitos quando colocados de maneira antitética ao restante da família. Mesmo considerando que não há verdadeiros “mocinhos” na história, a inserção deste trio que vem de fora cria essa relação antitética conveniente para que continuemos achando (quem é que de verdade acha mesmo isso?) que John, seus irmãos e sua mãe são anjos incompreendidos.

O que realmente move a narrativa é a campanha eleitoral de John para xerife local. Esse é o ponto nodal que revela toda a sujeira e imoralidade do personagem. Ele acabou de cometer um crime horroroso e, mesmo assim, por pura húbris (um dos piores sentimentos que se pode ter, diria), realmente acha que tem direito a colocar-se como a autoridade policial máxima do que ele encara como seu feudo. Sua decisão de concorrer é, claro, o que catalisa o começo vertiginoso de sua queda, capitaneada por um furioso xerife Aguirre (David Zayas) que convence um também frustrado Marco (Enrique Murciano) a cavocar o passado recente de John e a morte de Danny. A bola de neve a partir daí é inevitável e muito bem construída, incluindo a discreta – mas essencial – inclusão de mais um jogador nesse tabuleiro, o milionário Roy Gilbert (Beau Bridges, sempre simpaticamente sinistro) como os bolsos profundos da campanha eleitoral de John. Ele é um mestre manipulador de marionetes e, provavelmente, o foco da 3ª e última temporada da série.

A grande questão, então, fica no equilíbrio entre as duas linhas narrativas. Muito tempo é investido no soturno Nolan sem que haja consequências reais e práticas. O mesmo vale para Evangeline, que parece fazer apenas figuração. E Ozzy, no final das contas, mesmo que venha a ter algum papel relevante na próxima temporada, não mostrou a que veio. O que parecia um plano estruturado bem no começo revela-se como algo bobo, simplista e que faz a temporada andar para os lados apenas.

A falta de Ben Mendelsohn no elenco também é sentida. Mesmo considerando que Kyle Chandler, que já estava ótimo na primeira temporada, dá um show na segunda, com especial destaque para o momento em que sua esposa revela a ele que ela sabe o que ele fizera (a estupefação/tristeza/desnorteamento no rosto dele é algo digno do Globo de Ouro e do Emmy), o grande destaque sempre foi Mendelsohn. Achei, porém, particularmente inteligente as inserções do personagem na trama, mas não falo dos flashbacks, estes muito mais com funções expositivas e, convenhamos, desnecessárias, do que qualquer outra coisa, mas sim como a contraparte psicológica de John, aquele proverbial “diabinho” no ombro. Danny, em oposição ao irmão, é a representação visual das dúvidas morais do personagem como o fantasma do pai de Hamlet é para o príncipe dinamarquês. São esses momentos que tiram a série do marasmo causado pela narrativa fragmentada e de certa forma presa às presenças menos do que úteis da trinca Nolan/Evangeline/Ozzy.

Em termos da fotografia, a 2ª temporada marcadamente ganha um tom mais sombrio, com cores mais mudas e “dias nublados”, claramente tentando – e conseguindo – emular um sentimento de futuro incerto e tempestade vindoura. É como se toda a ambientação condenasse as ações de praticamente todos os personagens, mesmo aqueles que em tese estão tentando fazer algo bom (como Marco investigando John, pois sabemos que ele não faz isso com base unicamente em seu senso de dever). É, como citei na crítica anterior, a metáfora do paraíso perdido miltoniano que perpassa toda a tragédia anunciada da família Rayburn. O único porém nesse quesito permanece o mesmo que vimos anteriormente: o uso de uma câmera subjetiva, normalmente parcialmente “escondida” por objetos, sem qualquer tipo de função narrativa, apenas realmente por estilo. A quebra da profundidade de campo em razão desse artifício chega a irritar tamanha é sua repetição em cada episódio.

Bloodline, no fundo, é uma tremenda série focada em seus personagens e nas atuações principalmente dos atores que vivem os quatro irmãos e a mãe. Todos estão perfeitos em seus respectivos papeis e esses trabalhos só se intensificam aqui. Além disso, o fechamento da temporada, criando cliffhangers simultâneos e separados para John, Kevin e Meg pode até ser dramaticamente exagerado, mas, narrativamente, é um primor, mas um primor que só realmente começa a aparecer depois da metade da temporada, que, mesmo reduzida de 13 para 10 episódios – alguns com mais de uma hora de duração -, passa a sensação de que tem dificuldade para progredir de verdade.

É como assistir algo que queremos que continue, mas ao mesmo tempo mal podemos esperar que acabe. Um sentimento contraditório, eu sei, mas que se aplica perfeitamente aqui. Talvez a forma mais justa de qualificar a 2ª temporada seja dizer que ela parece mais um “rabicho” da 1ª do que algo que se sustente por seus próprios méritos ou precise de tanto tempo para ser trabalhado. No final das contas, é uma novela de qualidade que, porém, poderia ter se beneficiado de cortes mais profundos.

Bloodline – 2ª Temporada (EUA, 27 de maio de 2016)
Showrunners: Todd A. Kessler, Glenn Kessler, Daniel Zelman
Direção: Ed Bianchi, Michael Morris, Jean de Segonzac, Daniel Zelman, Dennie Gordon, Stephen Williams, Todd A. Kassler, Mikael Håfström
Roteiro: Glenn Kessler, Carter Harris, Lizzie Mickery, David Manson, Chris Mundy, Barry Pullman, Lucas Jansen, Amit Bhalla, Arthur Phillips
Elenco: Kyle Chandler, Ben Mendelsohn, Linda Cardellini, Norbert Leo Butz, Jacinda Barrett, Jamie McShane, Enrique Murciano, Sam Shepard, Sissy Spacek, Chloë Sevigny, Katie Finneran, John Leguizamo, Andrea Riseborough, Glenn Morshower, David Zayas, Taylor Rouviere, Brandon Larracuente, Owen Teague, Beau Bridges
Disponibilidade no Brasil: Netflix
Duração: 49 a 68 min. por episódio (10 episódios)

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