Mal acabou sua primeira temporada e Blood Drive, a aposta radical da SyFy no estilo grindhouse de ser, foi cancelada. No entanto, o material que acabou indo ao ar, apesar de problemático, merece ser apreciado por quem gosta de muita sanguinolência, muito sexo e um mar sem fim de esquisitices em geral.
Se espremermos, não há muita história, certamente nada que justificasse 13 episódios, talvez o maior erro do criador e showrunner James Roland, que poderia ter sido menos ambicioso e apresentado o projeto como uma minissérie ou como duas temporadas curtas, talvez. Estamos no “futuro distópico de 1999” e um musculoso policial da ContraCrime e uma femme fatale de corpo escultural com pouquíssima roupa são obrigados a juntar-se em uma corrida pelo interior dos EUA – ou do que sobrou do país depois que gigantescos terremotos destruíram tudo – em um Chevrolet Camaro vermelho. Mas há um twist: o combustível utilizado não é gasolina ou algo tão banal, mas sim sangue humano obtido por intermédio de corpos que são literalmente “mastigados” pelo motor do automóvel. Sim, isso mesmo que você leu.
Mas não é só isso. Cada dupla de pilotos é conectada com um par de explosivos implantados na base do crânio que os impede de fugir ou mesmo de se separar e o carro que chega em último lugar a cada final de dia de corrida tem seus pilotos explodidos. Isso tudo, claro, é uma desculpa para um desfile das coisas mais absurdas possíveis, algo como se os manuais de todos os órgãos reguladores de idade de programação de TV tivessem sido estudados de forma a só colocar em tela aquilo que é mais chocante aos censores. Só para o leitor ter uma ideia, logo no primeiro episódio, depois que todo mundo é apresentado, o policial gostoso Arthur Bailey (Alan Ritchson) e a motorista gostosa Grace D’Argento (a espanhola Christina Ochoa) têm que fazer sexo anal enquanto pilotam o carro para impedir que seus mecanismos explode-cérebro entrem em ignição. Está bom ou quer mais?
Pois tem mais…
Na outra ponta, o policial parceiro de Arthur, o também sarado Christopher Carpenter (Thomas Dominique) passa a ser o objeto de tortura e de tara de uma androide maluquinha da Heart Enterprises, empresa que parece controlar absolutamente tudo nessa distopia, inclusive a tal corrida, batizada de Blood Drive (uma expressão que faz perfeito sentido na série por significar “campanha de doação de sangue” em um sentido e “corrida de sangue” em outro). Aki, a androide torturadora vivida por Marama Corlett, é como se fosse a materialização de um sonho pervertido de
Roy Batty ou, talvez, a perfeita fusão de Pris com Elle Driver (viram o que fiz aqui?), ou seja, diversão ininterrupta garantida.
Unindo essas duas narrativas paralelas há, ainda, o bizarro mestre de cerimônias Julian Slink (Colin Cunningham) que parece guardar todos os segredos do conglomerado que domina o país, manobrando tanto a corrida quanto Arthur e Grace para alcançar seus objetivos escusos. O personagem é, talvez, o mais interessante de toda a série, por transitar entre a vilania e a “bondade” hesitante em meio a membros decepados, canibalismo, sexo grupal, ordenhamento de esperma e tudo o que jamais alguém em sã consciência imaginaria que faria sentido dentro de uma mesma série.
Blood Drive cumpre sua função de divertir chocando o espectador com exageros inacreditáveis que vão sendo ultrapassados a cada episódio, como se fosse uma competição interna entre os roteiristas escrever os textos mais doentios e situações mais toscas para popular a temporada. E, em grande parte, se o espectador entrar no espírito trash a que a série se propõe, misturando Corrida da Morte – Ano 2000 com Mad Max com pornochanchada da Boca do Lixo com filmes slasher e todo o tipo de exploitation movie dos anos 70, haverá muita diversão descompromissada.
No entanto, como salientei mais acima, simplesmente não há material para 13 episódios e a temporada cansa com a repetição temática em cima de um roteiro que anda muito mais de lado e que está muito mais preocupado em fazer a tela sangrar do que efetivamente avançar a narrativa. Mas, talvez, o objetivo tenha sido esse mesmo: jogar litros de sangue falso na tela, mostrar o máximo de corpos esculturais semi-nus e explicitar tudo o que fosse possível sobre sexo sem que a série fosse taxada de pornográfica.
Esteticamente, a produção trabalha cores saturadas e fortes, além de fotografia esmaecida para parecer algo vindo diretamente dos anos 70, incluindo a emulação de cortes e transições da época e de celuloide gasto. O mais recente esforço nessa linha – ainda que bem mais sofisticado – foi o da dupla Quentin Tarantino e Robert Rodriguez em Grindhouse, que procurou resgatar esse tipo de atração dos cinemas americanos setentistas. Aqui, a tentativa se repete, o que é um ponto positivo, sem dúvida, mas há um certo exagero nos maneirismos com a câmera que potencializam o cansaço e o desnorteamento do espectador.
Blood Drive não é nenhuma obra-prima, mas é uma série com cojones e, melhor ainda, autoconsciente do que é, jamais levando-se a sério. É entretenimento puro que diverte e entrega bons momentos catárticos ao espectador que souber em que está se metendo.
Blood Drive – 1ª Temporada (EUA – 14 de junho a 06 de setembro de 2017)
Criador e showrunner: James Roland
Direção: David Straiton, James Roday, Roel Reiné, Lin Oeding, Meera Menon, Gregg Simon
Roteiro: James Roland, Marc Halsey, James Roland, Nina Fiore, John Herrera, Harrison Weinfeld, Daniel Zucker, Ben Wolf, John Hlavin, Alex Ebel
Elenco: Alan Ritchson, Christina Ochoa, Thomas Dominique, Marama Corlett, Colin Cunningham, Andrew Hall, Darren Kent, Sean Cameron Michael, Carel Nel, Aidan Whytock, Brandon Auret, Craig Jackson, Jenny Stead, Alex McGregor
Produtora: SyFy
Duração: 43 min. por episódio (13 episódios no total)