- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.
Inteligentemente usando a quebra da criptografia do aparelho que Elle tinha com ela como uma forma de se trabalhar um flashback estendido, A Caça às Bonecas revela os detalhes do que já havia sido visto de relance antes: Elle e outros Replicantes foram criados com o propósito específico de figurar em um cruel e sádico reencenamento do clássico O Jogo Mais Perigoso (conhecido por aqui também apenas como Zaroff), de Richard Connell, com o agravante de inibidores de agressão terem sido inseridos em sua programação. E, com isso, completa-se parte do quebra-cabeças que é a protagonista, reiterando que ela é artificial, diferentemente do que Joseph dissera para ela talvez por querer poupá-la do sofrimento de saber que não é mais do que um “brinquedo” ou por alguma razão mais profunda que ainda não sabemos.
Como era de se esperar de um episódio dessa natureza, o foco dele fica na ação e a direção de Shinji Aramaki consegue estabelecer um bom ritmo de aventura que tem como único maior inimigo a pouca duração do episódio para a construção de sequências mais relevantes, especialmente no que se refere à conexão de Elle com Miu (Yurie Kozakai/Charlet Chung) de forma que possamos sentir melhor o impacto de seu assassinato e a dor da protagonista que, então, consegue sobrepujar sua programação e tornar-se uma máquina de matar. Há um ótimo uso de veículos, uma perfeita sensação de velocidade e uma fotografia que consegue trabalhar muito bem a paisagem desértica na medida em que o tenso e mortal dia passa. O mesmo vale para o cenário, que é muito bem construído em toda sua simplicidade, já que, pela primeira vez, somos levados de verdade para longe do opressivo, escuro e cheio de neon centro de Los Angeles para uma região aberta, com espaços amplos e que depende da emulação mais próxima da luz natural, tarefa muito bem cumprida pela equipe de computação gráfica.
No entanto, assim como a premissa da falta de memória de Elle, a caçada não é terrivelmente original como ponto de partida para a personagem. Black Lotus, até agora, não mostra muita ousadia em sua história, não passando de uma costura não particularmente inspirada de tropos narrativos que ainda não disse a que veio. Não há as discussões mais existenciais dos filmes ou, talvez melhor ainda, do romance que deu origem a tudo, mas sim, apenas, uma aventura de ficção científica como tantas por aí. Em outras palavras, falta aquele elemento que realmente diferencie a série de seus pares e a faça realmente parecer parte do Universo Blade Runner para além da replicação da Los Angeles distópica cyberpunk.
Claro que ajuda muito a escalação da trama para um outro nível de complexidade. Afinal, além de Joseph ser um personagem que ainda tem muito a explicar – afinal, como é que ele tinha uma máquina do teste Voight-Kampff ali em seu apartamento e porque exatamente ele mentiu para Elle? -, vemos a novata Alani Davis, que aprendemos que não conseguiu passar na prova de Blade Runner, levar o caso e suas conclusões ao chefe de polícia Earl Grant (Hoshu Otsuka/Stephen Root) que, como havia sido revelado logo antes, é um dos caçadores de “bonecas”, juntamente com o senador Bannister. E não podemos esquecer que o misterioso tatuador da lótus no ombro de Elle parece ser ninguém menos do que Niander Wallace, Jr., talvez oferecendo “serviços” sem conhecimento de seu pai a autoridades importantes de forma a construir seu próprio império e, claro, reverter as leis que proíbem a fabricação dos androides.
Sem dúvida que essa ampliação da linha narrativa principal, ainda que tímida, promete dar mais estofo à temporada ao tornar a presença de Elle em Los Angeles um risco à máfia de “entretenimento mortal adulto”. Há muito espaço ainda para que esse início mais burocrático alcance outros patamares nos próximos capítulos, fazendo Black Lotus desabrochar de vez e passar a realmente merecer seu lugar no fascinante universo audiovisual iniciado por Ridley Scott. Basta ousar.
Blade Runner: Black Lotus – 1X04: A Caça às Bonecas (EUA/Japão, 28 de novembro de 2021)
Direção: Shinji Aramaki
Roteiro: Kenji Kamiyama, Eugene Son
Elenco (em japonês): Arisa Shida, Takayuki Kinba, Shinshu Fuji, Takaya Hashi, Takehito Koyasu, Masane Tsukayama, Takako Honda, Yurie Kozakai, Hoshu Otsuka
Elenco (em inglês): Jessica Henwick, Barkhad Abdi, Will Yun Lee, Brian Cox, Wes Bentley, Gregg Henry, Samira Wiley, Charlet Chung, Stephen Root
Duração: 22 min.