O movimento blaxploitation abordou uma diversidade imensa de temáticas, sendo os vampiros uma de suas peculiaridades narrativas. Realizados com orçamentos enxutos e produzidos por vieses independentes, estes filmes traziam em suas abordagens, questões raciais tensas, criminalidade, uso de drogas, equipes compostas por pessoas negras, tendo como alvo este mesmo público, num direcionamento voltado aos que não se viam contemplados nas produções de grandes estúdios. Ao trafegar da comédia ao terror em suas narrativas, os filmes do blaxploitation delineavam, na década de 1970, como um feixe de histórias que confrontavam o sistema estadunidense e suas produções cinematográficas que encaixavam as pessoas negras em posições nada favoráveis, sem privilégios, em suma, fora da representatividade. Polêmicos, as tramas deste movimento refletiam os ideais do Black Power, focado na tomada de consciência em relação ao processo utópico sobre democracia racial nos Estados Unidos.
Músicos negros definiam a sonoridade das trilhas sonoras: James Brown, Quincy Jones, Marvin Gaye, Barry White, dentre outras grandes referências. Temáticas de tribunal, western, esquemas policiais e variadas exposições narrativas sobre a tensa relação social dos negros no território estadunidense demarcavam os roteiros do blaxploitation, tramas que ecoavam as batalhas da década de 1960 pelos direitos civis da população negra. Como radiografado pelo percurso histórico destas lutas, a segregação era demasiadamente sufocante, questão que integra estas produções, numa época também demarcada pela evasão das classes médias brancas dos grandes centros urbanos, para os subúrbios, situação que promovia fortes tensões sociais.
Diante do cenário, Blácula: O Vampiro Negro é uma das tantas iniciativas do movimento pela seara do terror. Irregular em diversos aspectos, este clássico dirigido por William Crain traz o ator William Marshall como o conde vampiro mais famoso do cinema e da literatura. Em muitas passagens, o filme flerta com elementos que demonstram uma simbiose com o cômico, mas a sua proposta central é, de fato, o terror. Ao longo de seus 93 minutos, contemplamos o roteiro de Joan Torres e Raymond Koening, responsáveis pela seguinte proposta: após morder o príncipe africano Manxwalde (Marshall), o conde Drácula (Charles Macaulay) o prende num caixão. Depois de ficar por séculos em aprisionamento, a figura transformada em vampiro consegue escapar. Dois decoradores compram materiais raros num leilão e um deles é o tal caixão.
Assim, a dupla nova-iorquina liberta o monstro que sai em busca de novidades. As coisas ficam tensas com a presença do Dr. Gordon Thomas (Thalmus Rasula), um equivalente ao Van Helsing do romance de Bram Stoker, figura responsável por tentar eliminar o vampiro e retomar a tranquilidade face ao caos social instalado. Com direção de fotografia de John M. Stephens e design de produção de Walter Scott Herndon, Blácula: O Vampiro Negro não traz nada de irreverente ou de destaque na composição visual de sua história. Falta, inclusive, um pouco de autenticidade, algo possível mesmo para filmes com orçamentos reduzidos. Havia uma “câmera na mão”, mas as “ideias na cabeça” não estavam devidamente organizadas. Gene Page, na textura percussiva, traz uma composição que embala a narrativa num ritmo envolvente, mas nada de excepcional também, mantendo a trama na média, sem requisitos que a tornem esteticamente memorável.
Ademais, ainda sobre o blaxploitation, temos registrado que o movimento produziu em média 200 filmes em apenas dois anos, alcançando a sua saturação em 1976, uma fase em que o público já havia se cansado da repetição de determinadas temáticas, algo muito comum para um fluxo de muita intensidade dentro de um parco espaço de tempo. Criticados pelo próprio Movimento Negro, haja vista a inadequada adequação com estereótipos negativos em relação aos integrantes da densa população negra do país, os filmes deste segmento traziam abordagens paradoxais para as questões que debatiam em suas tentativas de parodiar o sistema mais dominante da época, incorrendo em erros gritantes que, vistos na atualidade, apresentam um forte grau de incoerência geral com o contexto. Mas, independentemente das críticas, são filmes que buscaram ousar, manifestar um ponto de vista, postura importante para sair da sensação de sufocamento oriunda dos meandros da parca representatividade.
Blácula: O Vampiro Negro teve continuação, Os Gritos de Blácula, ainda mais inferior ao seu ponto de partida.
Blácula: O Vampiro Negro (Blacula, EUA– 1973)
Direção: William Crain
Roteiro: Joan Torres, Raymond Koenig
Elenco: William Marshall, Vonetta McGee, Denise Nicholas, Thalmus Rasulala, Gordon Pinsent, Charles Macaulay, Emily Yancy, Lance Taylor Sr.,Ted Harris, Elisha Cook Jr
Duração: 85 min.