Home QuadrinhosOne-Shot Crítica | Blacksad: Em Algum Lugar Entre as Sombras

Crítica | Blacksad: Em Algum Lugar Entre as Sombras

por Luiz Santiago
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Gêneros narrativos são coisas muito peculiares. Eles têm regras textuais e visuais, possuem uma cartilha para a construção de seus personagens, um modelo ideal de cenário, de época e um problemática sempre recorrente. No caso deste Blacksad: Em Algum Lugar Entre as Sombras, estamos em um Universo com personagens antropomórficos, temporalmente em torno de 1950 (ou talvez um pouco mais para o meio da década, mas definitivamente não antes disso) e considerando todos os ingredientes do noir, que é o gênero desta HQ franco-espanhola escrita por Juan Díaz Canales e ilustrada e colorida por Juanjo Guarnido.

Ter conhecimento do gênero proposto pelos autores é imprescindível para que o leitor aproveite a trama e entenda as escolhas e o modus operandi do detetive, que não segue a linha básica de investigação por lógica, astúcia, intuição e conhecimento técnico de algumas ciências. Não é assim que as coisas funcionam no noir e não é assim que as coisas funcionam em Blacksad. É preciso considerar o período clássico desse gênero (1940 – 1958), popularizado no cinema e vindo da literatura de suspense da Grande Depressão, para compreender melhor o foco na “miséria do mundo” através de tramas cínicas e de um mundo corrupto e cheio de conflitos, com pessoas de sangue frio subindo ao topo da hierarquia social. Some-se a isto os assassinatos, roubos e destruição de vidas acontecendo para que a jornada desses mafiosos não seja interrompida e seus rastros ensanguentados sejam encobertos.

Neste primeiro álbum — e aqui vai uma informação que, independente do que pareça, não é spoiler! –, temos a investigação do assassinato de Natália, ex-amante de John Blacksad, um gato preto que parece ter poucos meses em seu posto de detetive e já encontra algo bastante pessoal para resolver. Canales vai direto ao ponto trágico e a partir dele trabalha a personalidade do protagonista. Já neste primeiro momento, a verdadeira glória do álbum se faz perceber: a arte absurdamente expressiva e detalhista de Juanjo Guarnido.

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Quando o passado lhe sorri com boas lembranças e o presente lhe encara com ódio.

A percepção do espaço e o olhar para as diferenças sociais — porque é a partir delas ou considerando elementos relacionados a elas que os mais diversos crimes são cometidos, e isso não tem a ver com pregação ideológica dos autores, mas com o contexto histórico de origem do noir, ou seja, a Grande Depressão — são rapidamente destacados nos desenhos, que também possuem colocação diferente para marcar passado e presente; um, com maior saturação e paleta de cores quentes; outro, com filtros de cores frias e com destaque para o azul, o cinza e o marrom. O mesmo elemento é utilizado para pintar os diferentes bairros pelos quais o personagem passa e, progressivamente, iluminar ou escurecer uma sequência que o roteiro se encarrega de problematizar, fazendo dos diferentes males dos centros urbanos ingredientes que conduzam ao desfecho misto de vingança e justiça à la vigilantismo.

A violência e os impasses de relacionamentos humanos também aparecem no volume. Coisas como preconceito, discriminação e racismo são trabalhados aqui de maneira inteiramente coerente com as características dos animais, adequando-se também aos cenários. Não é à toa que o roteiro apresenta o “alto” e o “baixo” nível da cidade, onde é possível encontrar de tudo, de grandes empreendedores a vagabundos que passam a tarde jogando e traficando.

A crueza de algumas situações e o modo como a investigação é levada a cabo podem incomodar alguns leitores, mas, novamente, é preciso levantar a questão da observação do gênero no qual a obra se enquadra para poder absorver melhor as escolhas narrativas. A conclusão de Blacksad é triste, quase fatalista e perfeitamente localizada no ambiente onde ele vive, e com o momento pelo qual ele acabou de passar. A aventura mostra, através de uma arte cheia de surpresas, que por mais que a gente tente fugir ou ignorar, o horror desse mundo em que vivemos e que tentamos combater ou evitar, mais dia menos dia, irá bater à nossa porta. E o terrível sentimento que isso nos causa é também o rancor, o medo e a bravura de Blacksad diante dessa percepção ao final da história. Todos temos medo daquilo que se esgueira por entre algum lugar nas sombras da cidade.

Blacksad: Em Algum Lugar Entre as Sombras (Blacksad – Tome 1 : Quelque Part Entre Les Ombres) — França, Espanha, novembro de 2000
Editora original: Dargaud
No Brasil: Panini (julho de 2006) / Sesi-SP Editora (julho de 2017)
Roteiro: Juan Díaz Canales
Arte e cores: Juanjo Guarnido
52 páginas

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