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Crítica | Blackenstein (1973)

Uma decepcionante versão paródica do clássico monstro, desprovida de qualquer discussão racial vibrante de seu contexto histórico.

por Leonardo Campos
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Além das tramas policiais, os realizadores de filmes do movimento Blaxploitation investiram em suas versões paródicas de clássicos do terror. Blácula: O Vampiro Negro é um dos exemplos, ao dialogar com o famoso conde macabro imortalizado na literatura por Bram Stoker e depois transformado em imagens icônicas nas interpretações de Bela Lugosi (Universal) e Christopher Lee (Hammer). Frankenstein, por sua vez, não ficaria de fora e o resultado é o estranho, desastroso e equivocado Blackenstein, dirigido por William A. Levey e escrito por Frank R. Saletri, narrativa de 78 minutos lançada em 1973.  Quando pensamos no que a cultura do Blaxploitation proporcionou, isto é, uma plataforma onde personagens afro-americanos não eram meramente acessórios ou estereótipos, nós afundamos na decepção com essa leitura do romance de Mary Shelley. Os filmes desse movimento mostravam protagonistas negros como heróis e heroínas fortes, engenhosos e complexos. Isso permitiu que os espectadores negros se vissem representados de uma maneira positiva e relevante, o que contrastava fortemente com as representações limitadas e muitas vezes caricatas dos afro-americanos em Hollywood tradicional.

Ademais, até o surgimento do Blaxploitation, os afro-americanos eram frequentemente retratados de forma subserviente ou negativa em filmes de Hollywood. O movimento desafiou esses estereótipos ao apresentar personagens que eram independentes, intrépidos e, muitas vezes, que lutavam contra sistemas opressivos. Esses filmes, mesmo que por vezes criticados por exagerar em certos aspectos, ajudaram a quebrar as correntes de estereótipos raciais e abriram portas para uma representação mais diversificada e matizada dos negros no cinema. Além do simples entretenimento, o movimento Blaxploitation foi crucial para o empoderamento cultural e de elementos de formação da identidade. A música, a moda, e os temas ligados à luta por justiça social e pelos direitos civis transcendiam a tela e influenciavam a cultura popular afro-americana mais ampla. Era uma estratégia de resistência ao apagamento e à subjugação histórica, permitindo que os afro-americanos se orgulhassem de sua herança e identidade. Não que Blackenstein tivesse que se dissociar do livre entretenimento, mas o que reside como maior problema é a sua incapacidade de se sustentar como um filme, mesmo que falho.

Muitos filmes de Blaxploitation possuíam uma crítica implícita (e às vezes explícita) às instituições de poder, incluindo a polícia, o governo e o sistema judicial, que eram frequentemente retratados como corruptos e opressivos. Essas narrativas permitiram uma exploração das realidades sociais e políticas enfrentadas pelos afro-americanos e serviram como uma plataforma para a crítica social e a conscientização, incentivando o público a questionar e resistir às injustiças sistêmicas. Tudo isso, por sua vez, parece esquecido em Blackenstein. Descuidados, os realizadores resolvem brincar com o clássico monstro potencializado pela Universal e depois pela Hammer, mas deixam de lado um tom ácido crítico ao esquema hegemônico racista hollywoodiano, ao entregar um filme medíocre, não pela estética em si, mas por evitar problematizar um tema pela via do humor com toques macabros.

Na trama, Eddie Turner (Joe De Sue), um soldado afro-americano que perdeu os braços e as pernas ao pisar em uma mina terrestre durante a Guerra do Vietnã, recebe apoio da sua noiva, Dra. Winifred Walker (Ivory Stone). Ela acredita que seu antigo professor, Dr. Stein (John Hart), um renomado pesquisador que ganhou um Prêmio Nobel, poderá ajudá-lo com suas inovações em transplantes. Em uma visita à casa de Stein, uma estrutura imponente em Los Angeles, Winifred conhece outros pacientes que se beneficiaram dos tratamentos do médico. Entre eles, está Eleanor, de 90 anos, que aparenta ter apenas 50, e Bruno (Nick Bolan), que recebeu pernas novas através de técnicas avançadas. Contudo, Winifred se preocupa ao notar que uma das pernas de Bruno possui listras de tigre, resultado de uma “anomalia desconhecida de RNA”, algo que Stein promete corrigir. Claramente focado no sucesso da versão vampiresca dos clássicos, aqui os realizadores desenvolvem essa trama no desleixo, num contexto onde as questões raciais do movimento não possuem uma fagulha sequer de pertinência. Se o começo ainda é relativamente curioso, do meio para o final o ritmo é hediondo, arrastado e burlesco.

No hospital, Eddie enfrenta abusos verbais de um soldado branco, retratando a hostilidade que frequentemente enfrenta como veterano. Quando Winifred e Stein oferecem a Eddie a chance de se submeter a uma cirurgia experimental de transplante, ele aceita sem hesitar. Stein utiliza sua solução de DNA para dar a Eddie novos braços, resultando em uma recuperação inicial promissora. Entretanto, Malcomb (Roosevelt Jackson), assistente de Stein, demonstra interesse por Winifred. Ao ser rejeitado, ele se vinga ao contaminar a solução de DNA com RNA alterado durante as cirurgias de Eddie. Como resultado, Eddie começa a sofrer uma transformação grotesca, desenvolvendo características primitivas, como mãos peludas e semblante de Neandertal. À medida que sua condição se agrava, Eddie perde sua capacidade de raciocínio e se torna uma figura monstruosa, reminiscentes do Monstro de Frankenstein, mas representando um estereótipo afro-americano, agravando a crítica social sobre preconceito e desumanização. O trágico desenlace do personagem reflete não apenas suas lutas físicas, mas também um intenso simbolismo sobre identidade e a batalha contra a opressão. Só que tal como mencionado, tudo isso é trabalhado de maneira muito equivocada, num combate aos estereótipos raciais que acaba reforçando muito mais aquilo que provavelmente seria a ideia inicial de discurso.

Blackenstein (EUA, 1973)
Direção: William A. Levey
Roteiro: Frank R. Saletri (baseado no romance de Mary Shelley)
Elenco: John Hart, Ivory Stone, Joe De Sue, Roosevelt Jackson, Andrea King, Nick Bolin, Karin Lind, Yvonne Robinson, John Dennis, Liz Renay
Duração: 78 min

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