Obs: Leia, aqui, as críticas das demais temporadas. Há spoilers.
É por episódios assim que Black Sails se mostra como uma série realmente impressionante. Em seu 30º capítulo, com todas as cada vez mais complexas linhas narrativas a pleno vapor, os showrunners Jonathan E. Steinberg e Robert Levine conseguem entregar nada menos do que uma aula de televisão.
Mesmo com a 4ª temporada começando com um episódio menos do que brilhante, não demorou para algo realmente próximo do perfeito aparecer e muito do que se vê na telinha em XXX é fruto do roteiro preciso e cirúrgico de Steinberg com Dan Shotz, que mergulha sem remorso no lado sombrio dos personagens ao mesmo tempo que costura as várias pontas em um trançado lógico e coeso. Mas vou começar mesmo pelo único elemento que me causou incômodo, ainda que ele seja oriundo, na verdade, do final do episódio anterior.
Trata-se da revelação, por Eleanor, que ela teria como equilibrar os problemas financeiros causados ao governador Rogers por seu divórcio e novo casamento (com ela). Enquanto no episódio precedente a informação pareceu jogada e completamente aleatória, aqui ela ganha um breve diálogo expositivo entre ela e o governador que nos relembra que ela vem de família aristocrata, acrescentando detalhes sobre a riqueza sem medidas de seu avô, o desejo dele de ser mais do que um membro esquecido da Coroa Britânica e seu afastamento de seu filho, pai de Eleanor, depois de sua aproximação dos piratas. Apesar do diálogo levemente forçado, temos que considerar que a explicação faz sentido e justifica Eleanor procurar sua família somente agora, em momento de extrema necessidade e depois de ela finalmente ter encontrado aquele que realmente parece ser o amor de sua vida e não talvez um “passatempo” sofisticado como Max ou sua paixão animal por Vane.
E esse germe de ideia plantado aqui, já no segundo episódio da derradeira temporada, permite-nos entrever o que pode vir por aí caso ela consiga chegar à Filadélfia. Mesmo com Edward Teach fazendo um cerco a Nassau, parece-me que o final do episódio demonstra que Eleanor realmente chegará a seu destino, o que pode significar uma armada para livrar a ilha de uma vez por todas dos piratas.
Teach, por sua vez, juntamente com Rackham, proporcionam, curiosamente, o único momento de leveza no episódio, quando o primeiro lembra, com saudades, de quando chegou na ilha junto com Charles Vane e teve a visão de um grande pássaro branco que ele interpretava como bom agouro e Vane simplesmente como comida. A interação entre os dois homens leais à memória e ideais do falecido pirata gerou excelente química entre Ray Stevenson, que realmente precisa aparecer mais na série, e Toby Schmitz, que costumeiramente rouba as cenas em que aparece.
No entanto, este breve momento de calmaria funciona apenas como um oásis em meio a uma tempestade de pensamentos sombrios permeando os demais principais personagens. O conflito entre o capitão Flint, enfraquecido e quase sozinho, e Billy Bones, líder de um grupo leal de piratas, chega às vias de fato de forma quase que completamente inconciliável, com Madi fazendo um jogo político potencialmente mortal entre os dois. Aliás, é muito interessante como, aos poucos, Flint vai abrindo espaço na série para algo maior do que ele. Se na 1ª e 2ª temporadas ele era sem dúvida alguma o protagonista, sua força presencial começa a ser equalizada por Charles Vane e John Silver na 3ª e, agora, na 4ª, ele realmente começa a ter sua importância reduzida diante do crescimento de Madi, Billy e, claro, do surgimento efetivo da lenda do “Rei Pirata” Long John Silver que, em A Ilha do Tesouro, é apresentado como o único homem que Flint já temera.
Silver, vale salientar, ganha mais um ótimo momento neste episódio e que inteligentemente ecoa o final da temporada anterior. Sendo resgatado por um amargo e vingativo Israel Hands (David Wilmot), mais um personagem pinçado da vida real (era efetivamente o segundo em comando de Edward Teach), Silver tem que incorporar a força do Rei Pirata criada pela lenda espalhada por Billy para encantar o velho e deformado pirata, colocando-o do seu lado. A câmera, neste momento crucial, aproxima-se das feições de Luke Arnold em extremo close-up e, com isso, testemunhamos sua transformação definitiva durante seu longo monólogo. O lado sombrio herdado de Flint – como ele previra, aliás – desceu sobre Silver e ele incorporou a persona que criaram para ele. Nasce Long John Silver, provavelmente o único capaz de reunir Flint e Billy mais uma vez, ainda que de forma efêmera. Se Arnold começou na série com um papel, diria, sem muito relevo e com atuação não mais do que burocrática, ele parece atingir sua completa maturidade aqui, algo que é refletido no excepcional arco de crescimento de Silver.
São muitos personagens entrando e saindo do episódio e todos ganham atenção. Os mais de 50 minutos de projeção passam voando em razão da agilidade do roteiro e da pegada mais pesada da direção de Alik Sakharov, que se esmera em uma fotografia enegrecida que reflete muito bem as almas de seus protagonistas. Com o fim à vista e com muita coisa ainda por acontecer – a nova “relação” entre Max e o capitão Berringer (Chris Larkin) promete ótimos momentos! – Black Sails vem navegando de maneira exemplar essas águas turbulentas. Se o segundo episódio é algum sinal, teremos um final verdadeiramente épico.
Reclamação: Será que os showrunners da série não pensaram que essa ideia de nomear os episódios com seus respectivos números em algarismos romanos poderia levar à constrangimentos? Estava eu feliz, procurando imagens para ilustrar a crítica, e inocentemente digitei “Black Sails XXX”. Vocês podem imaginar o que apareceu, não é mesmo?
Black Sails – 4X02: XXX (EUA, 05 de fevereiro de 2017)
Criação e showrunners: Jonathan E. Steinberg, Robert Levine
Direção: Alik Sakharov
Roteiro: Jonathan E. Steinberg, Dan Shotz
Elenco: Toby Stephens, Hannah New, Luke Arnold, Jessica Parker Kennedy, Tom Hopper, Toby Schmitz, Clara Paget, Hakeem Kae-Kazim, Sean Cameron Michael, Louise Barnes, Rupert Penry-Jones, Meganne Young, Nick Boraine, Tadhg Murphy, Angelique Pretorius, Anna-Louise Plowman, Andrian Mazive, Moshidi Motshegwa, Jason Cope, Jenna Saras, Ray Stevenson, Luke Roberts, Zethu Dlomo, David Wilmot, Chris Larkin
Duração: 55 min. aprox.