Home TVEpisódio Crítica | Black Mirror – 7X05: Eulogy

Crítica | Black Mirror – 7X05: Eulogy

Reviver para perdoar.

por Luiz Santiago
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Neste quinto episódio da 7ª Temporada de Black Mirror, a tecnologia se integra às experiências mais pessoais, influenciando memórias, emoções e refletindo sobre a capacidade e os meios de se recordar de algo. O episódio acompanha Phillip, um homem solitário interpretado com impacto visceral por Paul Giamatti, que utiliza um dispositivo para mergulhar em fotografias antigas e revisitar sua relação com Carol, uma ex-namorada recém-falecida. Diferente de outros momentos da série, que muitas vezes pintam a tecnologia como vilã, aqui ela surge como uma janela para a cura, ainda que traga à tona dilemas sobre o quanto dependemos de máquinas para sentir, lembrar e, quem sabe, perdoar ou curar uma grande dor. A história mistura nostalgia e problematizações secundárias, costurando uma trama que explora as imperfeições da memória e a fragilidade das conexões humanas ao longo dos anos.

O roteiro de Charlie Brooker e Ella Road é um quebra-cabeça emocional, alternando entre o presente desolado de Phillip e os fragmentos de um passado que ele revisita e que tentou apagar, rasgando ou manchando as imagens de Carol por ira e culpa. Essa escolha de um fluxo não linear funciona como um espelho da mente, onde as lembranças não seguem uma linha reta, mas se quebram em pedaços que só ganham sentido quando vistos de longe. Há, contudo, um leve tropeço no ritmo, especialmente nas transições entre os blocos de memória, após as primeiras três fotografias, que poderiam ser melhor conectados para evitar uma leve sensação de vazio dramático. Ainda assim, a produção acerta ao usar a imagem como um portal visual: o contraste entre a luz fria e estéril do agora e os tons dourados das recordações cria uma atmosfera acolhedora e inquietante, contribuindo para a nossa impressão desse passado com filtros entre o sépia e o leitoso, não muito claros, mas perceptíveis o bastante para iniciar um processo de busca. A música também tem um papel importante aqui, com os acordes melancólicos do violoncelo — um eco da própria Carol — que embala o pêndulo entre tempos, elevando o peso emocional de cada revelação sem soar forçada.

A “eulogy.” é a tecnologia que dá nome ao episódio, e se refere a um sistema que deixa Phillip entrar fisicamente nas fotos e reviver instantes com uma clareza que a memória nunca permitiria, confundindo-se com atribuições falsas ou isolando percepções tortuosas que deixam “a verdade do que aconteceu” (ou pelo menos uma versão mais neutra dela) de fora. Diferente de Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças, que trata de apagar o passado, Eulogy inverte o jogo: é sobre mergulhar nas lembranças para entendê-las/recuperá-las, mesmo que isso signifique encarar verdades que o protagonista preferia esquecer. A presença de Kelly (Patsy Ferran, ótima em seu papel), filha de Carol e guia digital, adiciona uma camada sutil ao debate: até que ponto essas ferramentas podem nos ajudar a consertar o que foi quebrado? Quando elas apenas mascaram nossa incapacidade de lidar com a dor sem intermediários?

Phillip carrega o peso de um arquétipo que a gente conhece bem: o indivíduo que terceiriza a culpa e, convenientemente, só se lembra dos pontos onde “nunca fez nada de errado”. Sua transformação, de um homem endurecido pela amargura a alguém que encontra um fiapo de paz, é lenta, crua e, graças à entrega aplaudível de Giamatti, absolutamente convincente. Ele começa hesitante, relutando em contribuir para o memorial de Carol, mas aos poucos se deixa levar pelas memórias, descobrindo que as fotos rasgadas escondiam amor, arrependimento e uma chance perdida de redenção. O episódio reflete uma problematização atual sobre como guardamos nossas histórias, seja em álbuns digitais ou em rituais de luto mediados por telas, e questiona se essas camadas tecnológicas nos aproximam ou nos afastam do que realmente importa. Comparando esse enredo com o de O Senhor dos Mortos (2024), de David Cronenberg, com sua visão sombria do luto high-tech, notamos o quanto Eulogy se destaca por preferir a esperança à negatividade, mesmo que isso gere críticas sobre o uso da tecnologia para lidar com tragédias. O problema é que, se isso virar um hábito, as pessoas podem perder a capacidade de enfrentar seus próprios desafios sem depender de algo externo.

O clímax chega como um soco silencioso: Phillip, agora capaz de ver Carol sem os borrões da culpa, troca um olhar com Kelly durante o funeral, enquanto o som do violoncelo dela preenche o ar — um tributo que une mãe e filha, passado e presente, tecnologia e carne (notem que eles são os únicos sem o aparelho das memórias). É um final que planta uma semente de possibilidade, sugerindo que o legado de alguém, tecido por memórias de interações com outras pessoas, pode curar mesmo quando atravessado por máquinas. E aí repousa a força de Eulogy: na coragem de perguntar se queremos mesmo delegar à tecnologia o papel de guardiã das nossas emoções mais frágeis, ou se, no fundo, o que nos salva é o instante em que desligamos os aparelhos e olhamos nos olhos de quem ainda está aqui. É o limiar entre o que fomos e o que podemos ser, deixando-nos com o som de um violoncelo e a certeza de que, às vezes, lembrar, entender, reconhecer erros e revisar os exageros é o meio mais indicado para superar um trauma memorizado e, então, poder seguir em frente.

Black Mirror – 7X05: Eulogy (EUA, 10 de abril de 2025)
Direção: Christopher Barrett, Luke Taylor
Roteiro: Charlie Brooker, Ella Road
Elenco: Paul Giamatti, Patsy Ferran, Ramesh Nair, Declan Mason, Hazel Monaghan, Ava Galindez, Paul Kissaun, Dominic Bruce-Radcliffe, Michael Sotillo, Sophie Dragon, Rebecca Ozer
Duração: 46 min.

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