As problemáticas morais e éticas em torno dos fotógrafos que perseguem celebridades e figuras públicas para obterem imagens inéditas são abordadas desde que a palavra surgiu, como nome de um personagem em A Doce Vida, de Federico Fellini. É uma ocupação que alimenta toda uma indústria de fofocas sobre a vida de pessoas famosas/influentes sociais, e que aqui em Mazey Day ganha um tratamento inesperado e sobrenatural. Bo (Zazie Beetz) é uma paparazzo que acaba deixando a função por ter despertado em si o sentimento de empatia por uma celebridade assediada por dezenas de fotógrafos fazendo de tudo para ter um clique perfeitamente escandaloso. Até que as necessidades financeiras começam a aparecer e o misterioso comportamento errático, mais o consequente desaparecimento de uma jovem atriz em ascensão, fazem com que Bo volte a pegar sua câmera e procure a oportunidade para a foto que lhe ajudará a pagar as contas.
Dos episódios dessa 6ª Temporada de Black Mirror, Mazey Day é o que possui o tema mais fácil de ser identificado pelo público, a crítica mais abertamente simples de ser segmentada em vários caminhos de análise, e a escolha mais estranha do roteirista para colocar essas questões na tela. A diretora Uta Briesewitz faz o que pode com o enredo que tem em mãos, e ao menos no aspecto visual, cria o ambiente correto para o desenvolvimento desse tema sobrenatural. Dá para perceber que Charlie Brooker não quis repetir o grande foco no elemento de “seita“, “culto” ou algo mais macabro como motivador, porque de uma forma ou de outra, isso já tinha aparecido em Loch Henry e Beyond the Sea. Aqui, por mais que o roteiro brinque com essa possibilidade, a ação avança por uma outra trilha, revelando uma criatura mitológica.
SPOILERS!
A impressão é que estamos diante de dois roteiros que não se completaram e acabaram sendo costurados pelo autor. A temática da licantropia não orna com o restante da história, de modo que a revelação, a grande descoberta e a grande reviravolta do episódio acabam sendo nulas no escopo do drama, e só conseguem sobreviver na linha mediana porque a direção faz da perseguição da menina transformada uma excelente caçada, terminando com mortes graficamente chamativas e uma última piscadela para a corrupção moral de Bo: ela tem estômago para ficar no bar e tirar a última foto, imaginando a quantidade de dinheiro que o suicídio de uma lobisomem poderia lhe trazer.
Talvez o maior golpe de frustração em Mazey Day esteja no fato de que o autor colocou um cenário de fantasia em uma trama secular, urbana e realista, sem fazer esforço algum para introduzir a temática fantasiosa desde o início. Se a criatura vilã fosse um vampiro, talvez tivéssemos um resultado um pouco melhor, dada a integração social fácil que esse tipo de ser possui. Se encaixaria bem num enredo onde a fantasia aparece sem aviso, sem preparo. Já com um lobisomem, a situação é outra. Exibe-se como algo forçado, feito apenas para chocar, sem conseguir encontrar um aceitável pertencimento no cenário escolhido. Dá para curtir bem o suspense da investigação e acompanhar a crítica aos paparazzi. Todavia, quando passamos para a etapa das revelações, nossa vontade é incorporar o lobo interior, destruir a tela e uivar para uma Lua inexistente. Talvez isso fizesse mais sentido do que a presença de um lobisomem nessa aventura.
Black Mirror – 6X04: Mazey Day (EUA, Reino Unido, 15 de junho de 2023)
Direção: Uta Briesewitz
Roteiro: Charlie Brooker
Elenco: Zazie Beetz, Clara Rugaard, Danny Ramirez, Robbie Tann, James P. Rees, David Rysdahl, Jack Bandeira, Corey Johnson, Kenneth Collard, Charles Hagerty, Patrick Toomey, Marieta Sánchez, Yoojin Lee, Lucía Pemán, Marta Castellví, Alex Britt, Julio Perillán, Gary Anthony Stennette
Duração: 42 min.