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Crítica | Black Box: Armadilhas da Mente – A Série Completa

por Leonardo Campos
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Nas duas últimas décadas, o crescimento exponencial de dramas médicos exibidos por emissoras de médio e grande porte tornou as salas de roteiristas deste tipo de programa num espaço para um exaustivo exercício da escrita mirabolante. Com a longevidade de Plantão Médico e suas quinze temporadas, recorde ultrapassado recentemente por Grey’s Anatomy, além dos derivados, minisséries, dentre outros, criar algo novo dentro deste segmento ainda é uma tarefa hercúlea. Por isso, alguns programas começaram a investir em novas perspectivas, tais como A Gifted Man e seu médico envolvido numa trama sobrenatural, Heartbeat e sua médica ao estilo House, dona de posturas e métodos peculiares, Rush – Medicina Vip e a irreverência do médico dos ricos e empoderados de Los Angeles, atendidos em circunstâncias comprometedoras, e Black Box, série foco da crítica em questão, narrativa sobre uma excelente neurocirurgiã que precisa lidar com os desafios do transtorno bipolar.

Interessante observar que todos os programas mencionados trouxeram oxigenação para o campo dos dramas médicos, mas ainda assim, não sobreviveram ao cancelamento após a temporada de estreia. Com exceção da trajetória de Meredith Grey, do Dr. House e dos médicos de Plantão Médico, os demais exemplos não conseguiram se fixar na grade de programação e dar o retorno para os realizadores. No caso de Black Box, acredito que a série merecia um desfecho mais amarrado, nem que fosse por meio de um telefilme. A jornada evolutiva da protagonista é trabalhada de maneira muito interessante e ofertava um diferencial em comparação aos produtos do mesmo estilo, com médicos divididos entre suas vidas pessoais e profissionais, tomadas por muitos desafios. A criadora da série, Amy Holden Jones, soube dosar situações hospitalares com dilemas sentimentais sem dispersões ao longo dos 13 episódios lançados em 2014.

Acompanhamos nesta jornada dramática a prática da neurocirurgiã Dra. Catherine Black (Kelly Reilly), excelente no desenvolvimento de seu personagem bipolar que atravessa a série por um caminho de autodestruição não apenas perigoso para si, mas para os seus pacientes, amigos e familiares. Ela é diagnosticada com transtorno bipolar e precisa usar a medicação corretamente para evitar ataques súbitos. Quem a ajuda é a Dra. Harttramph (Vanessa Redgrave), sua terapeuta, alguém sempre sob vigília, atenta aos comportamentos da médica que precisa de uma nova chance constantemente, olhada com descrença por muitos que gravitam ao redor de sua vida errante. Ela é uma médica excepcional: elegante, esperta, dinâmica, muito instruída e atualizada sobre os procedimentos que envolvem a sua área, mas por conta das tentações de sua condição de saúde, acaba sendo metida em confusão.

Dos momentos de bebedeira e vexames públicos ao possível risco de atendimentos comprometedores, a Dra. Catherine Black não coloca apenas a sua reputação em jogo, mas perde a confiança das pessoas que a ajudam na limpeza de suas bagunças. O maior de todos é o seu irmão, Joshua Black (David Chisum), homem que cria a sobrinha como filha, juntamente com a esposa, Reagan Black (Laura Fraser), mulher que sempre dialoga com desconfiança e irritabilidade com a médica. Eles assumem a garota, Esme Black (Slobhan Williams) como filha legítima, conflito pronto para se tornar tensão lá pelo meio da série. Incapacitada de criar a criança, a Dra. Black age na função de tia, muito querida por sinal, em detrimento da “mãe”, tratada como chata e castradora pela “filha” adolescente e relativamente agressiva. A protagonista começa a série noiva de Will Van Renseller (David Ajala), homem que faz de tudo para ajudar, mas precisa desistir para não afundar com as ações da companheira.

Na seara das subtramas, temos o residente Leo Robinson (Tasso Feldman), dedicado e muito inteligente, mas tomado por uma condição médica que o fará ser ainda mais desafiado para conseguir um posto avançada no hospital, espaço também disputado por Ali Henslee (Aja Naomi King), colega residente no mesmo patamar. Juntos, eles acompanham os casos investigados pela Dra. Catherine Black e demais especialista do local. Para acrescentar mais drama ao caudaloso conteúdo de Black Box, a protagonista precisa lidar com as lembranças do passado, principalmente quando o seu pai retorna, após tê-la abandonado, junto ao irmão, ainda quando crianças. Sem capacidade de lidar com a esposa, ou seja, a sua mãe bipolar, responsável por fazê-la herdar a condição, o pai da Dra. Black surge para ser perdoado ou rechaçado, além de apresentar condições médicas que farão os personagens se envolverem não apenas em suas dimensões pessoais, indo também para a esfera social.

Com seus habituais episódios em torno dos 42 minutos, Black Box trouxe diferenciais, inclusive, na estética constantemente nublada e sombria. Há muita elegância na direção de fotografia de Donald E. Thorin, sempre com filtros acinzentados durante o dia, com iluminação branca pelos corredores do hospital e amarelada nas cenas noturnas, paletas criadas para exprimir ao máximo os processos mentais da protagonista e coloca-los além dos diálogos. Sem uma edição muito entrecortada, a série possui excelente material para captação de imagens no design de produção assinado por Lester Cohen, setor de cores mais escuras, predominância do amadeirado com couro, preto, cinza e tons próximos, com exceção do consultório da terapeuta da protagonista, uma explosão de claridade e branco, ideal para entendermos que ali é onde a personagem é colocada para ser mais desafiada, sair do que chamamos de “zona de conforto”.

As suas elucubrações enquanto atravessa momentos de crise são contempladas pelos ótimos efeitos visuais supervisionados por John Myers, responsáveis por nos fazer viajar pelas conexões mentais nos momentos de crise e nas análises de pacientes quando a médica está devidamente equilibrada. É um recurso já utilizado em outros programas, mas aqui não é inserido apenas para fazer bonito esteticamente, mas possui função dramática coesa e coerente. Além da importância dos figurinos de Stephanie Maslansky para a melhor exploração das dimensões sociais e psicológicas dos personagens, em especial, da quase sempre elegante protagonista, Black Box também ganha pontos por sua eficiente condução musical de Oliver e Clare Manchon, textura jazzística, improvisada e inconstante, tal como a trajetória da Dra. Catherine Black.

Ademais, além dos desafios que surgem ao ocupar uma posição tão importante num centro hospitalar renomado, sendo acometida pelo transtorno bipolar, a protagonista e sua equipe cuidam de casos bem curiosos, vistos com menor frequência em outros programas do tipo. Aqui, em suas 13 unidades dramáticas, a série apresentou casos neurais, vítimas de violência urbana, narcolepsia, além da Síndrome de Capgras e da Síndrome da Mão-Alheia. No primeiro caso, temos um transtorno que faz a pessoa acreditar que alguém muito próximo, isto é, um cônjuge, amigo ou talvez um colega, tenha sido substituído por um impostor com características idênticas. No segundo caso, temos uma desordem neurológica incomum que faz os membros dos pacientes adquirirem “vida própria”, tarefas involuntárias que a pessoa às vezes sequer percebe que está executando. Ao explorar casos tão curiosos e surpreendentes, a série relaciona os dilemas dos pacientes com os conflitos pessoais dos próprios médicos. Em suma, um trabalho bem conduzido que teve desfecho aberto, cheio de ganchos conflitantes para continuidade.

Black Box: Armadilhas da Mente (Black Box, Estados Unidos/2014)
Criação: Amy Holden Jones
Direção: Vários
Roteiro: Vários
Elenco: Kelly Reilly, Ditch Davey, David Ajala, Ali Wong, David Chisum, Siobhan Williams, Terry Kinney, Laura Fraser
Duração: 42 min. (Cada episódio – 13 episódios no total)

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