Esta é a primeira de três histórias em um período específico da Big Finish Mensal em que apareceram tramas sobre tentativas de invasão/dominação dos Cybermen à Terra; sendo as outras duas The Reaping (episódio #86, com o 6º Doutor) e The Gathering (episódio #87, com o 5º Doutor). Na presente história, lançada em junho de 2004, temos uma situação curiosa em termos de continuidade e situação do planeta no Universo de Doctor Who. Isso não é dito em nenhum momento da aventura, mas diante das informações que os personagens nos passam através dos diálogos, fica claro que esta não é a linha do tempo oficial da série ou da humanidade como conhecemos. O texto está ambientado na primeira quinzena de outubro de 2021, e se passa majoritariamente no St. Gart’s Bankside Hospital, em Londres. Ocorre que muitas sugestões sobre a geopolítica do mundo não combinam com a projeção curtíssima a respeito do futuro da Terra: de 2004 para 2021 são apenas 17 anos, portanto, não justifica dizer que, neste ano, a China coloniza e é proprietária da Lua, não é mesmo?
Além disso, o roteiro de Dan Abnett sugere ajustes tecnológicos que parecem deslocados nesse tempo, novamente conflitando com as questões de organização. Sou normalmente muito maleável quando se fala de continuidade na série oficial e no Universo Expandido, porque quase sempre consigo organizar em justificativas ou possibilidades de criação de linhas paralelas os mais absurdos dramas com o Doutor. Infelizmente, isso nem sempre funciona. E esta aventura é um desses poucos casos. Não que seja obrigatória uma localização definitiva na timeline para cada evento na vida do Doutor (que isso é impossível, inclusive), mas convenhamos, qualquer whovian que acompanha as muitas linhas de produção do show procura fazer esse tipo de ajuste. Não tem como dizer o contrário. Por isso que a história fica desengonçada, com um misto de elementos tecnológicos, conversas e atitudes que ora parecem realmente fazer parte de 2021, ora parecem jogar a trama para um século à frente.
À parte o problema de construção da história, a presença dos Cybermen em um hospital é algo realmente sensacional. O autor discute abertamente a prática criminosa que já vimos muitas vezes denunciadas, de hospitais, médicos e outros agentes de saúde (ou políticos) que causaram/facilitaram a morte de pacientes apenas para se aproveitarem da doação de órgãos. É basicamente esta a trama que se desenrola aqui, embora nem todos os profissionais envolvidos saibam que existe algo verdadeiramente criminoso ocorrendo. Ainda assim, o experimento em cena não passa batido pela ética médica, portanto, todos possuem culpa no cartório. Embora seja um tantinho carente de explicações, a justificativa para os Cybermen estarem na Terra neste momento é boa, e eu também gosto do tipo de transformação a que eles se submetem. É algo que vemos acontecer mais vezes com os Daleks, mas aqui, mudando o vilão, temos uma sensação completamente diferente.
Senti muita falta de uma construção de plano a longo prazo pelo 7º Doutor, que infelizmente demora para entrar em cena. Esse Senor do Tempo tem uma postura mais irônica em relação aos Cybermen, então vê-lo apenas seguir um padrão ao longo de todo o enredo me decepcionou. Por outro lado, Ace está muitíssimo bem representada e tem mais presença no episódio que o próprio Doutor. The Harvest ainda nos traz a primeira aparição de Hex (Thomas Hector Schofield) na série, um enfermeiro do hospital onde toda a ação se passa e que, a partir deste ponto, torna-se companion do 7º Doutor por um bom tempo. Ele é o típico jovem terráqueo do século XXI (?) que se encontra com tecnologia alienígena e só sabe fazer exclamações meio bobas (falo isso no melhor sentido do termo!) e agir com uma coragem irresponsável que acaba sendo um grande charme. Gostei de imediato do personagem e estou curioso para vê-lo em outras aventuras ao lado de Ace e desse Sr. Manipulador que pronuncia 75 “r’s” a cada palavra.
Big Finish Mensal #58: The Harvest (Main Range 58) — Reino Unido, 26 de junho de 2004
Direção: Gary Russell
Roteiro: Dan Abnett
Elenco: Sylvester McCoy, Sophie Aldred, Philip Olivier, William Boyde, Richard Derrington, David Warwick, Paul Lacoux, Janie Booth, Mark Donovan
Duração: 124 min.