Ambientado na longa fase do 6º Doutor entre o final de The Trial of a Time Lord e sua regeneração, Arrangements for War tem um roteiro bastante denso, investindo no desenvolvimento de Evelyn Smythe, tendo em vista uma situação de crise entre ela e o Doutor. É muito interessante observar que a maioria dos Doutores, em algum ponto de suas vidas ao lado de companheiros ou companheiras, enfrenta esse tipo de conflito. Para alguns desses amigos, o comportamento do Doutor diante de situações impactantes, especialmente diante da morte, é algo difícil de entender, aceitar e lidar. No caso de Evelyn, isso se torna ainda mais traumático porque eles estão vindo da primeira metade de Project: Lazarus, e existe uma grande tensão entre ela e o Time Lord justamente por conta desse tema, da forma como o Doutor parece não se importar com a perda de vidas e às vezes parece criar os cenários que coloca muita gente em perigo, só para “obedecer a certas regras do tempo“.
Paul Sutton investe bastante em um drama que desconstrói essa visão que Enelyn tem do Doutor, e ao mesmo tempo coloca o alien em uma situação tão emocionalmente massacrante, que ele tenta quebrar suas próprias regras, voltando no tempo e tentando modificar o encontro entre um casal que teria um fim trágico, após uma série de situações envolvendo intrigas políticas e diplomáticas. A trama se passa em Világ, um planeta dividido em três países, sendo os dois maiores as monarquias de Galeno e Malendia; e o terceiro, Kozepén, uma república. No momento em que o Doutor e sua companion chega ao planeta, após uma conversa muito séria sobre possivelmente se separarem (Evelyn diz que precisa de um tempo “afastada do Doutor”) há um casamento arranjado prestes a acontecer, o que poderia levar ao encerramento de uma longa guerra e a chegada de um novo período de quietude social.
Arte de Martin Geraghty para uma cena da trama, publicada na DWM #343.
A história se desenrola numa esfera ao mesmo tempo política, ética e moral. É uma luta entre o dever para com o Estado e a emoção e o amor por outra pessoa. No meio dessa confusão de caminhos a seguir, está o Doutor, que, afastado de sua amiga, acaba dando origem a algo que se encaminhará para um desfecho bem triste. Em outra parte do reino está Evelyn, que se alia à princesa, faz parte da vida e dos compromissos palacianos e tenta, a seu modo, aconselhar e influenciar o dia a dia da família real e do Exército. No fim das contas, nenhuma das duas posturas dão frutos. O roteiro, porém, não trata essas idas e vindas como algo banal, como um simples caso de “amor proibido”. Há muita substância política e muitos questionamentos internos para todos os envolvidos, com abertura para entendermos melhor os sentimentos da própria Evelyn e do Doutor, que no final, tem uma crise de choro e manifestação de luto ao perceber que tudo o que fez para evitar a morte… não foi o baste. E, curiosamente, quem acaba colocando senso no Time Lord é a companheira que tinha tentado se afastar dele justamente por achá-lo “frio demais”. É uma ironia doce, muito densa, que deixa o espectador tocado.
Com ótimas atuações de Colin Baker e Maggie Stables, uma boa edição de som e direção objetiva e interativa de Gary Russell, Arrangements for Wars é uma boa história de aprendizado, relações difíceis, conflito de ideias e diferentes concepções emocionais. É uma das aventuras com cenas mais tocantes com a presença do Doutor, num misto de raiva e pesar, algo que na atuação de Colin Baker, ganha contornos ainda mais intensos. Colocaria facilmente na lista de “merece ser ouvido por todos”.
Big Finish Mensal #57: Arrangements for War (Reino Unido, maio de 2004)
Direção: Gary Russell
Roteiro: Paul Sutton
Elenco: Colin Baker, Maggie Stables, Gabriel Woolf, Philip Bretherton, Geoffrey Leesley, Katarina Olsson, Lewis Rae, Kraig Thornber
Duração: 127 min.
