Eu fiquei muito surpreso com tudo o que aconteceu aqui. Lançado em abril de 2003, Doctor Who and the Pirates traz o 6º Doutor ao lado de Evelyn, em uma história… bem, de piratas, mas que é contada em flashbacks e tem uma tocante e pesada linha emocional no presente, com a visita da historiadora e companheira do Doutor à sua aluna Sally, que perdeu alguém em um acidente de carro “causado por ela” e está sofrendo de depressão, tendo enviado uma carta de despedida para a professora de quem tanto gostava. Sentimentalmente abalada após a morte de um jovem rapaz no Mar do Caribe (século XVIII), Evelyn faz o Doutor usar a TARDIS para visitar Sally antes de ela cometer suicídio.
Se vocês já passaram pelas minhas críticas de The Marian Conspiracy, Bloodtide e Jubilee, que são as melhores aventuras dessa dupla até agora, sabem o quanto eu gosto deles e o quanto o elemento histórico, emocional e da própria viagem no tempo é trabalhado com um cuidado todo especial nessa jornada do Doutor ao lado de Evelyn, o que é bem interessante porque amolece o 6º Doutor de uma forma tão bonita e tão fraterna, que dá gosto de ver. O que ele faz aqui para consolar Evelyn é mais uma prova disso.
Por se tratar basicamente de Evelyn chegando na casa de Sally para impedi-la de se suicidar, a abordagem que o roteiro de Jacqueline Rayner faz é de uma intervenção amigável e fartamente “intrometida”. Sally quer que Evelyn vá embora, mas a professora permanece ali, contando uma bizarra história de piratas, fazendo chá e procurando inserir sua aluna na conversa, provocando-a com incorreções históricas e “discutindo” clichês de piratas com ela. É uma abordagem correta do ponto de visto de distração da pessoa com tendências autodestrutivas, mas a partir do momento em que esse bloco começou a se alterar com a linha cômica e relativamente intricada da aventura de pirataria… a saga começou a perder um pouco de sua força e diversão para mim, já que não conseguia mais lidar com essas camadas tão distintas, criando basicamente duas histórias distintas dentro de um único capítulo.

Ilustração desse episódio feita por Martin Geraghty na DWM #329.
Doctor Who and the Pirates será eternamente lembrado pelas cenas musicais, com Colin Baker cantando e tudo mais! O único momento da série que eu lembro de ter visto isso foi em The Gunfighters, uma surpresa também. Aqui, por mais estranhas e deslocados que sejam, as canções são boas, engraçadas e muito bem cantadas! O hit do episódio é I Am the Very Model of a Gallifreyan Buccaneer, que na verdade é uma paródia da ária I Am the Very Model of a Modern Major General, da ópera cômica Os Piratas de Penzance ou O Escravo do Poder (1879) composta por Sir Arthur Sullivan e com libretto de W. S. Gilbert. Todas as outras canções também são versões de óperas cômicas dos mesmos autores, a primeira, HMS Pinafore ou A Moça Que Amou a um Marinheiro (1878) e a segunda, O Mikado ou A Cidade de Titipu (1885).
Como disse antes, eu gosto de todos os temas apresentados aqui, mas não sou muito fã do contraste dramático entre os dois momentos. De certa forma, é uma relação paradoxal, porque eu acho que essa linha cômica ou menos séria é a correta para cumprir o objetivo de Evelyn e do Doutor, mas ao mesmo tempo tenho problemas com essa dinâmica. Pois é, eu disse que era paradoxal. De qualquer forma, esta é uma aventura divertida em muitos pontos e captura bem o espírito de tramas clichês de pirata. Como cereja do bolo, ainda há boas canções, um prato cheio para quem é fã de musicais (e infelizmente um horror para quem não gosta).
Doctor Who and the Pirates (Big Finish Mensal #43) — Reino Unido, abril de 2003
Direção: Barnaby Edwards
Roteiro: Jacqueline Rayner
Elenco: Colin Baker, Maggie Stables, Dan Barratt, Helen Goldwyn, Bill Oddie, Nicholas Pegg, Mark Siney, Timothy Sutton
Duração: 120 min.