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Crítica | Better Call Saul – 6X07: Plan and Execution

As escolhas nossas de cada dia.

por Ritter Fan
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  • Há spoilers da série. Leiam, aqui, as críticas dos episódios anteriores e, aqui, de todo o Universo Breaking Bad.

Sei muito bem que eu talvez devesse começar a presente crítica pelo grande e chocante momento do final do episódio, mas eu sou do contra e prefiro começar afirmando que eu me escangalhei de rir com o trecho de Plan and Execution em que vemos Joey Dixon, diante de seus alunos, comparar câmeras de filmar, elogiando a modernidade de uma delas, digna somente de obras autorais, e reduzindo a outra a algo que no máximo seria digna de filmar o “segundo casamento de sua irmã”. Não só a cena em si é realmente hilária, mesmo que fora de contexto, pois comenta, sem papas na língua, as abordagens oito ou oitenta para tudo hoje em dia, como ela, pelo menos para mim, pareceu-me meta-textual, uma mensagem nada humilde sobre como Vince Gilligan e Peter Gould veem suas próprias criações em comparação com as “outras” que existem por aí. Pode ser que isso seja eu querendo ver essa mensagem, mas a grande verdade é que, mesmo que ainda estejamos na alongada Era de Ouro da Televisão, com novos grandes exemplares sendo lançados todos os anos (vide Ruptura e Pachinko só recentemente) o trabalho da dupla é realmente fora de série o suficiente para que um “arrogante” auto-tapinha nas costas desse tipo soe como absolutamente verdadeiro e devido.

Pois devido ele mais do que é. O episódio que marca o final da primeira metade da temporada de encerramento de Better Call Saul não é apenas um episódio perfeito em cada um de seus próprios detalhes, mas sim, muito mais do que isso, um encerramento de arco que torna toda aquela alegada “lerdeza” dos dois ou três episódios anteriores algo absolutamente necessário para a trama chegar ao ponto em que chega. O assassinato frio, como se não fosse nada demais (e não é mesmo para Lalo), de Howard Hamlin não teria quase impacto algum se todo o lado Kim e Saul da temporada não tivesse o advogado como alvo de forma a forçar um acordo no caso Sandpiper. Howard precisava ser a vítima da dupla em um golpe complexo para que ele pudesse ser, ato contínuo, a trágica vítima das circunstâncias em um caso de “lugar errado, na hora errada”. Ele precisava ser a culminação desse golpe de forma a colocar o peso de sua brutal morte nos ombros dos protagonistas, possivelmente funcionando como a gota d’água para o destino final de Kim que ainda não temos ideia do que poderá ser.

Mas o mais interessante de tudo é que as partes móveis do plano bolado por Kim e a maneira perfeita com que tudo acaba se encaixando mesmo depois que eles têm que desesperadamente fazer uma nova sessão de fotografias com o dublê de corpo do mediador da ação judicial, algo que a cuidadosa direção de Thomas Schnauz captura com uma sensacionalmente enlouquecedora câmera frenética que não nos deixar respirar, em absoluto contraste com a calma da câmera parada com que Lalo executa o dele nos esgotos de Albuquerque (olha o aspecto autoral saltando aos olhos!), são apenas detalhes. Não detalhes insignificantes, mas, mesmo assim, detalhes. Afinal, o que realmente importa, no final das contas é a sequência catártica – para Howard – em que ele inteligentemente desmascara Jimmy e Kim do apartamento deles, deixando muito claro que ele jamais foi enganado por eles, o que é também verdade. Howard, naquele momento que antecede a tragédia, desnuda a dupla chegando a equipará-la aos notórios Leopold e Loeb, e já ali afirma para Kim que o que ela fez, diferente do caso de Jimmy, foi escolha dela e apenas dela. E isso reverbera fortemente quando o que ele diz é a literal verdade de algumas horas antes quando ela, ao final de Axe and Grind, abre mão de seu importante almoço em Santa Fé, que tinha tudo para marcar um caminho honesto para sua vida, e retorna para ajudar o marido a resolver o imbróglio causado pelo braço quebrado de Casimiro.

E mais. Nós tivemos que conhecer alguns detalhes da vida pessoal de Howard para tudo realmente funcionar à perfeição, pois era essencial que soubéssemos que, por trás de sua casca bronzeada, altiva e sorridente, havia um homem frágil e sofredor. E sim, faz absoluta parte do jogo aquilo que muita gente diz sobre Howard, que ele não merecia essa vingança de Kim. De fato, não merecia. Ele pode tê-la tratado mal vez ou outra, mas nunca foi nada que, mesmo com efeito cumulativo, pudesse resultar no que parece ser ira incontida. E ele sabe disso, ele diz isso em detalhes para Kim. Se desapontamento é profundo com sua derrota e a vingança que ele promete executar com seus algozes é que seria justificada, isso se, claro, ele tivesse alguma chance de começar a planejá-la e não morresse sem sequer entender o porquê, o que torna tudo ainda mais trágico e triste.

A morte de Howard, portanto, é o resultado conjunto de duas macro-escolhas. A primeira delas a de Jimmy – agora Saul – em enveredar pelo lado da advocacia para o cartel que, por sua vez, é resultado direto de suas escolhas de vida, algo que Chuck, cuja presença se faz sentir fortemente no episódio naquela sensacional sequência em que Howard ensina a seu estagiário como fazer para uma lata de bebida carbonada não explodir depois de sacudida, sempre avisou a todo mundo que quisesse ouvir. A segunda delas a de Kim em deixar seu vício – acho que podemos chamar disso – por adrenalina nublar seu julgamento e enveredar pelo caminho de seu grande golpe, jogando fora uma oportunidade de ouro para sua carreira legítima. Temos, aqui, uma lição dolorosa sobre causas e consequências e, desconfio, ela terá importância fundamental no que está por vir na série no que se refere à relação de Kim com Jimmy e, claro, o que acontece com ela.

Temos, também uma lição em atuação. Não, minto, uma não. Pelo menos quatro aulas magnas nesse sentido. A primeira prova de minha afirmação aparentemente superlativa é Tony Dalton que faz de seu Lalo Salamanca uma força da natureza que não só é fisicamente ameaçador mesmo quando sorri, como também tem olhos de uma intensa inteligência que vemos trabalhando a cada momento, algo que fica evidente na sequência em que ele liga para Hector e altera seu plano ali na hora. A segunda prova é Patrick Fabian que, como Michael Mando em Rock and Hard Place, se despede da série com uma performance arrebatadora que vai da educação extrema quando fala com sua cliente, passando pela excitação causada pela droga plantada nas fotografias que manuseia, culminando com seus dois monólogos, o com seu parceiro Clifford Main e, depois, acabado, com Kim e Saul. As duas últimas provas eu sequer precisaria mencionar aqui, pois são evidentes para qualquer um que assista dois minutos dessa série, mas vou mencionar mesmo assim, apontando apenas para o fantástico momento em que Lalo entra off-screen na cena dominada por Howard: simultaneamente, Rhea Seehorn faz sua Kim ter o semblante de alguém que vê seu maior medo materializar-se à sua frente e Bob Odenkirk explode em um misto de surpresa, pavor e realização de que sua vida acabou, tudo em uma cena que dura alguns segundos e que consegue ser mais expressiva do que muitos momentos semelhantes em filmes de horror.

Plan and Execution é, portanto, a culminação do plano de Gilligan e Gould para a metade da derradeira temporada de Better Call Saul que Schnauz executou duplamente ao escrever o roteiro e comandar a direção (o que aconteceu outras quatros vezes, em Pimento, Switch, Expenses e Bad Choice Road, sempre com resultados incríveis) que leva as duas narrativas centrais, a de Lalo planejando seu ataque contra Gus e Kim e Saul executando seu plano contra Howard, a uma convergência que não é exatamente natural (e não falo isso negativamente), mas que funciona imaculadamente dentro da lógica perversa de tudo que esses showrunners maravilhosos fazem, com direito ao tremeluzir de vela que existe para anunciar a chegada de Howard e prenunciar a de Lalo, como se estivéssemos assistindo um grande longa de horror. Gilligan e Gould podem e devem se gabar do que estão criando, pois, mesmo com o sarrafo alto do mercado, não é sempre que vemos Televisão do tipo que no mínimo dos mínimos merece ser grafada em negrito e com a inicial em letra maiúscula.

Obs: Better Call Saul entrará em hiato a partir de agora, retornando dia 11 de julho (dia 12, no Netflix) para sua estirada final de seis episódios.

Better Call Saul – 6X07: Plan and Execution (EUA, 23 de maio de 2022)
Criação e showrunners: Vince Gilligan, Peter Gould
Direção: Thomas Schnauz
Roteiro: Thomas Schnauz
Elenco: Bob Odenkirk, Jonathan Banks, Rhea Seehorn, Patrick Fabian, Michael Mando, Tony Dalton, Giancarlo Esposito, Mark Margolis, Daniel Moncada, Luis Moncada, Ed Begley Jr., Jeremiah Bitsui, Ray Campbell, Rex Linn, Javier Grajeda, Lavell Crawford, Julie Pearl, Julia Minesci, Andrea Sooch
Duração: 50 min.

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