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Crítica | Better Call Saul – 4X05: Quite a Ride

por Ritter Fan
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  • Há spoilers da série. Leiam, aqui, as críticas dos episódios anteriores.

Considerando o final do episódio anterior, estava claro que Vince Gilligan prometia uma metade de temporada bombástica, mas, como o showrunner também adora surpreender seus espectadores, o que ele entrega em Quite a Ride é bem diferente do que pelo menos a maioria de nós esperava. Eu pelo menos não poderia imaginar nada daquilo que vi, a começar pelo sensacional prólogo não com Jimmy, muito menos com Gene ou mesmo com Jimmy Sabonete, mas sim com ninguém menos do que o próprio, o grande, o sensacional Saul Goodman em um flashforward para os momentos finais de Breaking Bad, com o advogado pilantra recolhendo todo seu dinheiro e Francesca moendo a papelada incriminadora em seu icônico – e sensacionalmente brega – escritório em Albuquerque.

Aqueles cinco minutos não poderiam ter sido mais divertidos e satisfatórios, daqueles de abrir sorrisos e de nos fazer “rebobinar” (adoro essa palavra!) para ver a sequência pelo menos umas outras três vezes. No entanto, além da nostalgia em si, o roteiro de Ann Cherkis usa esse momento para plantar suspeitas em nossas mentes. Afinal, de quem foi o cartão que Saul entregou a ela? E que encontro no dia 12 de novembro é esse? Será que estamos vendo as pontas finalmente se fecharem de verdade, com a compreensão exata do destino de Kim que, por não aparecer na série original, sempre deduzimos que foi uma inclusão de Gilligan para permitir alguma tragédia? Mas os mistérios ficam no ar para fazer a ciranda da especulação girar. O que realmente importa, porém, é como essa sequência inicial é eficiente em sua energia e em trazer de volta dois personagens tão queridos.

Mas o episódio lida com muitas outras questões, desenvolvendo temas que estavam presentes desde o começo da temporada. O primeiro deles é a busca de Kim por um propósito na vida. Aparentemente considerando Jimmy como um caso perdido – mas não tanto, como depois fica claro – ela realmente parte para expandir suas atividades para além de seu cliente único, o banco Mesa Verde. Ela quer sentir-se relevante e não há maneira melhor para uma advogada conseguir isso do que ajudar aqueles que normalmente teriam poucas chances verdadeiras em uma defesa judicial. Seu trabalho faz imediata referência à profissão original de Jimmy, basicamente o “advogado de porta de cadeia”, mas com todo o finesse e elegância que Rhea Seehorn traz à personagem. Sentimos seu prazer e sua altivez auxiliando os que precisam e muito claramente percebemos a prisão em que ela se sente jogada por ter que trabalhar para apenas um cliente desconectado do “mundo real”. Se Saul Goodman é o estereótipo do advogado falastrão e manipulador, Kim Wexler é exatamente o oposto, quase que como uma forma de Gilligan deixar evidente que nem todo o advogado é daquele jeito que o imaginário popular diz que é.

Falando em Jimmy, entramos na temática de sua própria busca por um propósito, com seu plano de alavancar as vendas de celulares para fins escusos começando a dar timidamente certo, com um cliente interessando-se primeiro pelo “discreto” chamariz pintado na vitrine e, depois, caindo na lábia irresistível do vendedor. Mas o mundo de Jimmy é mais rápido e mais frenético do que o normal e ele acelera o processo de distribuição de burners ao comprar ele mesmo os telefones e revendê-los no antro de criminalidade mais próximo em uma sequência de montagem que só posso classificar como absolutamente soberba (deve ser redundante escrever isso, mas gostei do som do advérbio e do adjetivo juntos…). Jimmy mergulha de verdade no submundo, não ficando intimidado nem mesmo pela gangue de motoqueiros mal-encarados que afasta todos os outros “clientes” da loja de cachorros quentes. E, como o ponto alto desse momento em que Jimmy se acha como um proto-Saul, ele leva uma gigantesca rasteira dos jovens para quem ele primeiro tentara vender os celulares, perdendo todo o seu ganho da madrugada em questão de segundos. Mas erros existem para que nós aprendamos com eles, não é mesmo? Podem ter certeza, portanto, que aquilo que vimos foi um aprendizado que, de quebra, é capaz de ter começado a criar a rede de futuros clientes de Saul Goodman.

A questão, porém, é que essa longa sequência que coloca Bob Odenkirk em mais um grande momento de sua atuação na série, não é exatamente o ponto de virada mais relevante. Este acontece de forma muito mais discreta quando Jimmy, no tribunal, primeiro encontra um Howard completamente arrasado pela culpa que sente pela morte de Chuck e, depois, tem uma entrevista com seu oficial de “condicional”. Com Howard, ele aprende que procurar um psicólogo não adianta muita coisa e que ele fez muito bem em se recusar a aceitar qualquer traço de culpa pelo suicídio do irmão. Com o oficial, Jimmy, ao responder sobre seus planos de futuro, vagarosamente fala sobre o quanto ele quer ser novamente advogado, trabalhar com sua parceira e crescer na atividade. Mas reparem em como Odenkirk atua nesse momento crucial. Reparem em como ele, olhando para lugar nenhum, idealiza e força esse futuro limpo e bonito como um grande advogado. É nesse exato momento que vemos Jimmy decidir ser Saul, tenho para mim. Não, ele não decide mudar seu nome ali e nem exatamente o que fará em suas minúcias. Mas é nessa construção espetacular que vemos Jimmy ter certeza de que ele no mínimo não quer ser aquilo que ele diz ao oficial que quer ser. Incrível como a performance pode ser tudo, como pode abordar todo um sub-texto que desfaz o texto verbalizado, como areia movediça. O mais discreto momento do episódio foi, para mim, o mais revelador e aquele que, mais do que o belíssimo prólogo, merece ser visto e revisto.

E, permeando toda essa estrutura mais séria que lida com identidades, com a busca por um “eu” tanto por Kim quanto por Jimmy, o roteiro de Cherkis costura uma gostosa narrativa que conta a “origem” do laboratório subterrâneo de metanfetamina de Gus Fring que um dia seria usado por Walter White e Jesse Pinkman. Precisávamos saber disso? Certamente que não, mas a execução dessa parte do episódio é um primor que, de forma benigna, “quebra” as duas histórias principais com uma pegada levemente mais cômica, com Mike servindo de cicerone para candidatos a escavadores da lavanderia, o primeiro altamente tecnológico e confiante e, o segundo, na base do caderninho e lápis e hesitante até não poder mais. Gus, ao final do episódio anterior, parecia estar contratando Mike para dar um fim em Nacho (que nem aparece aqui e eu só me dei conta disso escrevendo essa crítica!), mas, na verdade, o que ele queria era o faro do ex-policial sobre as pessoas, servindo como primeiro filtro para achar alguém que realmente seria capaz de fazer um trabalho tão difícil considerando o sigilo necessário. E, como marca registrada de todas as sequências que envolvem Jonathan Banks, a lentidão meticulosa é a regra, com cada detalhe de todo o processo estabelecido por Mike sendo mostrado com calma e apuro estético de fazer as retinas brilharem.

Quite a Ride nos faz chegar à metade da 4ª temporada de Better Call Saul com mais um ponto muito alto dentre tantos pontos costumeiramente altos que a série oferece. Gilligan não entrega aquilo que ele parecia prometer. Entrega mais. Entrega deslumbramento e aquele sentimento de satisfação que poucos showrunners conseguem arrancar de seus espectadores com tanta frequência.

Better Call Saul – 4X05: Quite a Ride (EUA, 03 de setembro de 2018)
Criação: Vince Gilligan, Peter Gould
Showrunner: Vince Gilligan
Direção: Michael Morris
Roteiro: Ann Cherkis
Elenco: Bob Odenkirk, Jonathan Banks, Rhea Seehorn, Patrick Fabian, Michael Mando, Giancarlo Esposito, Ed Begley Jr., Javier Grajeda, Kerry Condon, Ann Cusack, Dennis Boutsikaris, Jordan Lage, Jeremiah Bitsui, Vincent Fuentes, Ericka Kreutz, Laura Fraser, David Costabile, Ethan Phillips
Produtoras: High Bridge Productions, Crystal Diner Productions, Gran Via Productions, Sony Pictures Television
Canal original: AMC
Distribuição no Brasil: Netflix
Duração: 52 min.

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