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Crítica | Berserk – Vols. 1 a 3: O Guardião do Anjo do Desejo

por Kevin Rick
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Arco: Espadachim Negro Berserk 

Capítulos: 0C a 0H – O Guardião do Anjo do Desejo

Considerado um dos melhores e mais influentes mangás de todos os tempos, Berserk, a magnum opus de Kentaro Miura, tem sido lançado desde 1990, com intermináveis hiatos e um fim que disputa com One Piece qual obra terminará antes que todos estejamos mortos, além de uma incontestável qualidade artística e narrativa, padrão de alto nível este que nos faz perdoar os intervalos incessantes do autor. A obra, ambientada num universo fantasioso e medieval, acompanha a jornada do angustiante Guts, também conhecido como “O Espadachim Negro”, em busca de vingança por fatos, no período deste arco, ainda desconhecidos para o leitor.

O mangá tem uma estranha numeração inicial, com capítulos (ou episódios como são chamados), tendo denominações alfabéticas de 0+letra, compondo a primeira saga Espadachim Negro, antes da numeração normal se iniciar no capítulo 1, começando a história do arco mais famoso do seinenA Era de Ouro. Como exposto no início do texto, esta crítica aborda os seis episódios finais do primeiro arco, que recebem o nome de O Guardião do Anjo do Desejo, enquanto a resenha dos dois primeiros capítulos podem ser lidas aqui. Apesar de feita por um autor diferente, concordo integralmente com o argumento do meu colega Giba, que expõe como tais capítulos têm um caráter, como esperado, introdutório, apresentando o universo ultraviolento de Berserk e a misteriosa jornada de Guts de modo excelente.

O Guardião do Anjo do Desejo revisita o molde inicial dos primeiros capítulos, acompanhando Guts na caçada de mais um líder demoníaco em uma cidade aterrorizada pelos atos dessas entidades malignas, mas, claro, por motivos completamente egoístas da sua vingança pessoal. Este elemento de individualismo se torna um dos centros da narrativa do protagonista, no qual lentamente percebemos que funciona como uma espécie de escudo de Guts da morte e destruição que o segue. Daí, a tentativa de expor uma inexistência de empatia do personagem, característica que ele realmente toma a sério, termina por ir na contramão do seu desejo de bloquear a tristeza, mergulhando-o na insanidade. O que é completamente irônico – e absolutamente trágico -, ao notar que Guts passa toda a trama se agarrando à humanidade.

Aliás, o conflito existencial do humano versus monstro configura a idealização geral da narrativa, tanto no combate exterior de Guts, incessantemente buscando a vitória contra demônios como confirmação de suas habilidades “normais” e da superioridade da raça humana, de maneira a expressar uma obsessão com sua desvantagem carnal, quanto na turbulência interna do protagonista por causa de uma marca de sacrifício imposta a ele, que, por consequência, atrai seres demoníacos. Dessa forma, concomitante com suas ações ora heroicas não propositais, ora hediondas, temos a perturbação emocional de Guts, no qual o roteiro de Miura é primoroso na lenta exposição do seu passado trágico e na construção da instabilidade mental do espadachim.

Berserk

O alvo de Guts é o conde local, que, posteriormente, descobrimos ter vendido sua alma e utilizado sua esposa pagã como sacrifício para conseguir os poderes demoníacos. Existe um paralelo interessante entre o espadachim e o antagonista, que desistiu da humanidade por fraqueza e ambição, da mesma forma que, outro personagem, chamado Vargas, foi torturado pelo conde, e vê no protagonista um meio de revanche, com ambos irritando Guts por enxergar certos aspectos próprios da impotência neles. Miura manuseia essas situações espelhadas para preencher a caracterização do silencioso protagonista, desenvolvendo sua complexidade para o leitor por meio de outros personagens. Aliás, Puck, o elfo companheiro da jornada, recebe a tarefa narrativa de tecer comentários pessoais e cutucadas pontuais à Guts, provendo reações, questionamentos e descobertas próximas de quem está lendo, além de dar um toque necessário de leveza fantasiosa para a trama visceral.

O ato final de Espadachim Negro nos transporta para uma dimensão infernal, através do intrigante objeto Behelit, posto como simbologia de insuficiência, redenção e transformação maléfica, apresentando os cinco membros da “Mão de Deus”, em especial Griffith. A criatividade macabra de Miura entra em ação frenética com desenhos surreais do inferno e caracterização bestial do círculo comandante da crueldade fantástica, dispondo do forte nanquim permeado pelo comum tratamento gráfico da violência, e um teor bastante aterrorizador das entidades satânicas. Ali, após capítulos e mais capítulos de superação do Guts, o vemos rendido a um poder infinitamente acima do seu alcance, finalmente navegando na verdadeira humanidade aflitiva do protagonista.

O Guardião do Anjo do Desejo continua equilibrando a fenomenal construção de mundo de Berserk com um mergulho intrínseco na fraturada psique do Guts. Muito longe do seu típico protagonista de mangá, ou de histórias de fantasia medieval, Miura constrói um personagem traumatizado pela fraqueza humana e pelo medo do fantástico. Um anti-herói bruto que vive pela vingança, mas que é preenchido por camadas e camadas de complexidade sentimental, existencial e, até mesmo, com ares messiânicos nessa jornada dolorosa. Em meio à dark fantasy, elfos, criaturas horripilantes, dimensões infernais e objetos fantásticos, Miura nos apresenta o humano, na sua forma mais apreensiva e vulnerável.

Berserk – Vols. 1 a 3 – O Guardião do Anjo do Desejo (欲望の守護天使Yokubō no Shugotenshi) – Japão, 1990/1991
Roteiro: Kentaro Miura
Arte: Kentaro Miura
Editora (no Brasil): Panini
Editora (no Japão): Hakusensha
491 páginas

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