Em fevereiro de 1970 os diretores Rogério Sganzerla e Júlio Bressane, ao lado da atriz Helena Ignez, fundaram a produtora Belair, que esteve em atividade por três meses, sendo fechada devido às perseguições neuróticas dos militares e pela intenção do Estado em dar espaço à Embrafilme, fundada alguns meses antes. Com seis longas metragens e um média inacabado, a Belair revelou-se um núcleo produtivo do cinema experimental e marginal brasileiro, com algumas obras conhecidas dos cinéfilos que se interessam por esse período e outras até então inéditas: A Família Do Barulho; Carnaval na Lama; Copacabana Meu Amor; Cuidado, Madame!; Barão Olavo, o Horrível; Sem Essa, Aranha; e A Miss e o Dinossauro. Em 2009, os diretores Bruno Safadi e Noa Bressane juntaram-se para realizar um documentário de função arqueológica, a fim de trazer ao público a história dessa prolífica e breve produtora. Assim nasceu Belair, documentário com um tema interessante, mas que se afogou no formalismo a que se entregou.
A proposta do filme é muito boa. Além de trazer à tona a história dessa louvável iniciativa cinematográfica em plena ditadura, cenas até então inéditas das obras citadas são mostradas ao espectador, junto a uma série de curiosos filmes domésticos e fotografias. O foco principal não se confunde cronologicamente, atendo-se apenas ao período anunciado e com uma riqueza notável de material. No entanto, os diretores trazem para o longa a mesma liberdade ensandecida dos filmes produzidos pela Belair, e já é de se esperar que o resultado sofresse com isso.
A começar pelo longo e desnecessário plano inicial, com um barco adentrando à Baía de Guanabara e o sol refletindo na lente da câmera, numa gama de raios coloridos, o filme se torna uma busca pela própria independência formal, e a dupla de diretores não economizara meios para levar a cabo esse intento. Nos momentos em que alguns entrevistados aparecem na tela, não há indicação alguma de quem são, como se todos os espectadores fossem reconhecer Bressane e Sganzerla. Trabalhando com o princípio da obviedade, os diretores afastam o público de seu objeto de estudo. Há quem diga que a intenção artística ligada ao desprendimento e o próprio público-alvo do filme dispensam qualquer tipo de indicação didática. Bem, se a teoria de Ortega y Gasset foi a base para a realização da obra, então ela se aplica apenas a não-identificação dos entrevistados, porque tudo no filme é nomeado e intensamente humanizado.
O resgate da memória nacional vem através de uma das entrevistas e para por aí. Com uma história nacional tão intensa por trás da Belair (inclusive determinante para a sua extinção), os diretores do presente longa fixaram-se unicamente no plano artístico, fazendo o que provavelmente quiseram denominar de “filme profissional de arte”. E foi então que caíram no estilo “documentário preguiçoso”.
Belair acerta em mixagem e edição de som, montagem e escolha do material de arquivo. O que não funciona é o trabalho feito pelos diretores, que se permitiram uma liberdade formal que não faz bem à fita. Mesmo que a proposta fosse a de inovar (como fora a de Eryk Rocha em Rocha que Voa, 2002), a inovação deveria fazer sentido para o tema (e nesse sentido, faz) e para o gênero ou para o grupo de espectadores, que nesse caso, ficam órfãos de um mínimo de familiaridade e contexto. Não sou defensor dos documentários ortodoxos, politicamente corretos, didaticamente narrativos. Mas um filme, mesmo que seja o ápice vanguardista, deve ser fiel à sua proposta, dando conta de maneira ampla e total daquilo de prometeu. Em Belair, nada disso acontece. O filme é válido porque mostra uma tentativa maravilhosa de produção experimental da sétima arte no Brasil, mas seu valor e sua qualidade ficam apenas no objeto documentado.
Belair (Brasil, 2009)
Direção: Bruno Safadi e Noa Bressane
Roteiro: Bruno Safadi, Noa Bressane e Rodrigo Lima
Elenco: Júlio Bressane, Maria Gladys, Luiz Gonzaga, Helena Ignez, Jorge Loredo, Rogério Sganzerla
Duração: 80min.