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Crítica | Becky (2020)

por Michel Gutwilen
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Antes de falar sobre Becky, co-dirigido por Jonathan Milott e Cary Murnion, fazer rápidos comentários sobre Cooties: A Epidemia (2014) — a  estreia da dupla — ajuda a entender melhor esse novo lançamento. Trata-se de uma sátira cômica sobre o apocalipse zumbi já com um certo grau de gore que homenageia diversos elementos consagrados do gênero. Seu cenário é uma escola, na qual os professores precisam fugir das crianças zumbificadas. Não se trata de um bom filme, longe disso, mas nem sempre enxergar traços autorais significa que estamos diante de um grande diretor.

E o que é exatamente Becky? Seria um filme sério e sóbrio — sua descrição em sites como IMDB e Wikipedia o definem como “thriller de ação” — ou, novamente, uma sátira? Vamos a história: a menina Becky (Lulu Wilson), que perdeu sua mãe recentemente para uma doença, vai passar um tempo na casa de campo com seu pai (Joel McHale). Lá, ela recebe a surpresa que terá uma madrasta, que chega no local com seu filho para passarem um tempo. Não reagindo bem a situação, a garota vai espairecer a cabeça nas proximidades da região. Neste meio tempo, um grupo de neonazistas que fugiram da prisão, liderados por Domminick (Kevin James), invadem a casa em busca de uma chave misteriosa, enquanto fazem os três que restaram de refém. Assim, Becky, que está com o objeto, se prepara para lutar contra os criminosos e salvar sua família.

Ou seja, nas duas histórias, crianças e adultos ocupam lados opostos, com os segundos sendo caçados pelos primeiros e sendo a violência explícita aquilo que move a narrativa. Contudo, se o Cooties era uma comédia escrachada, Becky flerta entre um tremendo exagero ao mesmo tempo que dramatiza demais certas situações, o que acaba se provando o calcanhar de Aquiles do longa. Só de pensar na escolha de elenco, com Joel McHale e Kevin James, que são normalmente são associados ao humor, já deixa claro que nem eles mesmo se levaram tanto a sério em sua intenção. Ainda assim, a esses atores, são dadas cenas dramáticas demais.

Se muitos críticos estão falando que Becky é “Esqueceram de Mim para maiores de dezoito anos” — e não vejo problemas nessa denominação — penso ser muito mais interessante tratá-lo como o “falso-Nós (de Jordan Peele). Digo isso pois esta se trata de uma obra extremamente política que envolve invasão domiciliar e feitura de reféns. Já aqui, tudo leva a crer que também teremos uma “crítica social” misturada com filme de gênero, mas é quase como se tal elemento fosse uma pegadinha. Afinal, a história conta com um grupo de neonazistas que faz de refém duas pessoas negras (a madrasta e seu filho) e procuram uma chave misteriosa, mas nada disso realmente se torna um ponto importante. É tudo um grande McGuffin. Não existe mensagem política, o que não há nenhum problema, a priori, mas se realmente estamos diante de uma sátira apolítica, porque gastar um tempo valioso da narrativa com falsas pistas ao invés de trabalhar mais as sequências de violência gráfica? 

Desde o início de Becky, a violência é mostrada como sua força motriz. A opção por uma montagem paralela na sequência inicial, que liga a vida da adolescente e a de Domminick, traz semelhanças e simetrias tanto no ambiente escolar quanto no carcerário, existindo um elemento em comum a ambos: justamente a brutalidade do meio. Bem, então o que Milott e Murnion estão querendo dizer com essa escolha narrativa que une figuras opostas? Que há uma equivalência entre a garotinha e o neonazista, que eles não são diferentes um do outro? Ou que a violência já está tão inserida na vida de todos daquele universo que essa será a única solução possível para a resolução do problema? Eis aqui outro perigo: há uma estranha decisão de humanizar os criminosos (a cena do marshmallow, a subtrama do capanga bom moço) enquanto Becky é transformada em uma assassina sem piedade. 

Neste sentido, Becky se contradiz, uma vez que a violência não é aqui um fim em si mesma, mas quase como se ela fosse uma espécie de terapia para sua protagonista, em um coming-of-age que, através dos acontecimentos traumáticos, ela vai amadurecendo, deixando de ser revoltada, superando a morte da mãe e aceitando a nova família. Até por isso, as sequências de gore são cruas e sangrentas, justamente por serem como esse descarrego da menina. E a primeira das mortes é a mais interessante, uma vez que objetos infantis como lápis e régua são usados como armas, visto que eles são ressignificados para instrumentos da morte. Depois disso, não há muita inventividade nas armadilhas posteriores.

Por fim, essa crítica tentou entender exatamente o que seria Becky, mas parece que nem mesmo Jonathan Milott e Cary Murnion sabem exatamente o que é. Não é exatamente uma comédia (mas tem elementos, como a cena do olho pendurado), não é um drama muito profundo (mas tenta forçar uma carga dramática até em personagens secundários), não é político (neonazistas e questões raciais não são nada) e não é o gore de ação que poderia ter sido. Então talvez os outros críticos tenham razão ao venderem este filme como um “Esqueceram de Mim para maiores”, porque, de fato, é algo tão difícil de definir que só a partir de um método comparativo é possível vender esse produto feito por diretores que certamente são fãs de cinema, mas apenas homenageadores que nada tem a dizer. 

Becky  – EUA, 2020
Direção: Jonathan Milott, Cary Murnion
Roteiro: Ruckus Skye, Lane Skye, Nick Morris
Elenco: Lulu Wilson, Kevin James, Joel McHale, Amanda Brugel, Robert Maillet, Ryan McDonald, Michael Dara
Duração: 93 min.

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